Muita gente ainda acredita que inovação é a famosa invenção que sai da cabeça do professor Pardal, o personagem de Walt Disney. De repente, um “eureca” e ele inventa um bagulho revolucionário e improvável.
Na verdade, isso praticamente não existe na vida real. E esclarecer esse fato, para o grande público, deveria ser uma preocupação do jornalismo científico. Para prevenir contra simplificações que nos levam a pensar políticas de educação e pesquisa simplistas ou inteiramente erradas. O esclarecimento do significado das coisas pode ser um bom começo.
Desde as últimas três décadas do século XX, foi-se constituindo um acervo considerável de estudos sobre os “sistemas nacionais de inovação”. Nas minhas investigações sobre os sistemas de ensino superior, em especial o norte-americano, tornei-me uma espécie de consumidor interessado desse material, produzido por especialistas que durante anos estudaram o dia a dia do problema.
Uma das aquisições dessa literatura foi o refinamento e consolidação de um razoável conjunto de categorias analíticas, elaboradas por sucessivas distinções e diferenciações e corroboradas por estudos empíricos cada vez mais abrangentes. É o que acentuam os papers reunidos por Edward Lorenz e Bengt-Ake Lundvall em – How Europe’s Economies Learn – Coordinating Competing Models [Oxford University Press, 2006.]. Nesse sentido, talvez se possa mesmo falar num progresso da teoria. Uma sequência de “aquisições” cumulativas.
A primeira distinção relevante – presente já em praticamente todos os manuais e livros-texto do ramo – parecer ser aquela entre invenção e inovação. E, no que diz respeito à inovação, um dos refinamentos das análises é aquele que vê o processo inventivo como algo mais do que a “eureka” do gênio criador, mas como um processo social, compartilhado. Whitehead chega a dizer que a maior invenção do século XX foi a indústria da invenção – refere-se à consolidação de um método, mas, indiretamente, pressupõe um compartilhamento, uma produção, propriedade e uso coletivo de procedimentos...
A segunda distinção é aquela entre a inovação radical e a inovação incremental, que em grande parte tem raízes no processo de adaptação e imitação e na tríade uso, manutenção e reparo. Se você procurar na web, pode encontrar um interessante livro a respeito – David Edgerton– The Shock of the Old- Technology and Global History since 1900 [Oxford University press, 2007]. A Editora da Unicamp publicou livro de Limsu Kim que mostra essas ligações no importante caso coreano - Da imitação à inovação – a Dinâmica do Aprendizado Tecnológico da Coréia, Editora Unicamp, Campinas, 2005.
Paralelamente, foram-se constituindo também diferenciações na caracterização do tipo de conhecimento atrelado a cada uma dessas definições anteriores. A mais relevante e conhecida talvez seja aquela que separa conhecimento codificado e conhecimento tácito, sobre a qual disserta farta literatura. Mais recentemente foi-se consolidando a convicção de que partes cada vez maiores do conhecimento tácito podem ser codificadas e, assim, transmitidas e ensinadas. Mais ainda: se o conhecimento for inteiramente codificado, está aberta a possibilidade de ser “embutido” em dispositivos não-humanos.
Uma outra importante consequência do avanço dessas investigações é a percepção de que as condições propícias para a formação do conhecimento tácito podem ser criadas. Ainda assim, isso precisa ser feito dentro de um quadro prévio, relativamente codificado ou ossificado. Esse quadro é composto por elementos como a assimilação de códigos elementares (alfabetização), do habito de uso desses recursos, de conhecimentos prévios do campo em questão, tais como os nomes de ferrramentas, por exemplo.
Essas distinções, progressivamente construídas ao longo de três ou quatro décadas de estudos histórico-empíricos e debates conceituais, foram também dando outro perfil à própria ideia de “sistema nacional de inovação”. Esses complexos têm sua compreensão ampliada, indo além do seu “núcleo duro” – as instituições de R&D estrito-senso, como os laboratórios e equipes de ciência e engenharia de empresas, universidades e centros de pesquisa independentes. Passaram a ser incorporadas nesses sistemas algumas instituições aparentemente paralelas e auxiliares, mas, agora sabemos, essenciais ao processo inovador – desde comportamentos e sistemas legais até os sistemas educativos e formadores de força de trabalho especializada, por exemplo.
Essa extensão da própria ideia de SNI tem particular interesse não apenas porque reforça a inclusão do ensino superior no centro desse sistema, mas, também, porque exige que se veja essa educação e seu papel de modo mais plural. Instituições de educação superior, mais do que locus de pesquisa e criação, geração de invenções e patentes, são, também e essencialmente, parte do sistema de formação de national capabilities, de agentes portadores do conhecimento (codificado e tácito) essencial à geração de inovações.
A extensão do conceito implica uma extensão dos “lugares da inovação” e, também, dos personagens nela envolvidos. Assim, Lam e Lundvall chamam a atenção para que levemos em conta não apenas os segmentos produtivos carimbados como high-tech, mas os low-and medium-technology sectors with a focus on an incremental innovation strategy, “setores de baixa e média tecnologia, com foco numa estratégia de inovação incremental”. Destacam o caso da Dinamarca, como exemplo. Mas, ao que parece, é ainda mais relevante o caso da Alemanha, país que se destaca pela capacidade de gerar inovação em setores tradicionais da economia e não apenas nos high-tech. Prestar atenção nessas variedades nos salvaria do risco de ver modelos como o Silicon Valley como um padrão exclusivo de inovação e desenvolvimento. O estudo de Lam e Lundvall sintetiza essa questão, que merece ser considerada pelos formuladores de políticas e, também, pelas lideranças acadêmicas:
"De fato, a aprendizagem que ocorre em setores tradicionais e de baixa tecnologia pode ser mais importante para o desenvolvimento econômico do que aquela que se realiza em um pequeno número de empresas de alta tecnologia isoladas. O potencial de aprendizagem (oportunidades tecnológicas) pode diferir entre setores e tecnologias, mas em setores mais amplamente definidos, haverá nichos onde o potencial de aprendizagem é alto. Isso é importante em um período onde a política do conhecimento tende a ser identificada com política de ciência e com o apoio a empresas de base científica. "
Esse tema merece mais compreensão. Este é apenas um convite a pensar na sua complexidade. Para isso montei o quadro a seguir. Como um exercício de compreensão desse debate – e um exercício, também, de imaginação dirigida a pensar a elaboração de políticas de conhecimento.
Quais conhecimentos e comportamentos inovadores são relevantes para
|