— No dia 26 vai fazer três anos que o Reginaldo nos deixou, e nós estamos preparando uma homenagem a ele, para postar nas redes. Você poderia contribuir com um texto?
Quando ouvi a pergunta na voz amiga do Joaquim, respondi sem hesitar.
— Sim, naturalmente, mas não vai ser preciso escrever um texto novo. Já temos a introdução do livro Palavra Engajada.
A resposta saiu assim, num jato. Mas logo o pensamento veio socorrê-la. De fato, não haveria nada melhor que eu pudesse fazer agora para celebrar a memória do nosso querido Régis.
Organizado poucos meses depois de seu falecimento, o livro Palavra Engajada. Exercícios de Crítica e Pedagogia Política reúne uma fração do conjunto dos textos de intervenção – artigos curtos, dirigidos ao público em geral — que Reginaldo escreveu nos últimos anos de sua caminhada. O livro foi publicado em versão eletrônica pela Editora da Fundação Perseu Abramo, em 2020, e está para sair em papel ainda este ano, em coedição da Perseu Abramo com a Editora UNESP.
Não caberia falar dele aqui. Limito-me a dizer que se trata de uma obra notável — pela quantidade de temas contemplados, a profusão de informações reunidas, a qualidade dos argumentos expostos e o sabor da prosa inimitável. Livre das convenções acadêmicas, nesses artigos Reginaldo aparece de corpo inteiro, na multiplicidade de sua personalidade complexa, como intelectual sofisticado, professor vocacionado e combatente incansável.
Faz três anos que Reginaldo não está entre nós.
Não, não é verdade. Não o encontramos mais nos mesmos lugares, não podemos tocá-lo. Mas ele se mantém presente. Sempre! Leiam o livro e digam depois se exagero.
Leia abaixo a apresentação do livro Palavra Engajada. Exercícios de Crítica e Pedagogia Política, por Sebastião Velasco e Luis Fernando Vitagliano.
"Os textos reunidos neste volume representam uma pequena fração dos artigos e comentários escritos por Reginaldo Moraes em um período dramático da vida política brasileira.
Com efeito, entre 2013 e 2019, Reginaldo usou todos os meios à sua disposição para se fazer ouvir sobre os acontecimentos que acabaram por transformar tão radicalmente a cena política de nosso país e sobre os deslocamentos profundos que os ensejavam. Boa parte do material resultante desse esforço foi divulgado através de meios informais de comunicação – listas no correio eletrônico, um blog pessoal – entre seus colegas mais próximos, Reginaldo foi o primeiro a explorar esse recurso – e pouco depois o Facebook, onde registrava incansavelmente pensamentos embrionários e reações aos fatos do dia a dia.
Não fomos atrás desse acervo que certamente contém muitas preciosidades. Na preparação desta coletânea, consideramos apenas os artigos publicados em duas fontes eletrônicas bem estabelecidas: o site Brasil Debate, da Fundação Perseu Abramo, e o Jornal da Unicamp. Mesmo assim, por exigências de tempo e espaço, tivemos que realizar uma seleção rigorosa. Até onde pudemos apurar, Reginaldo iniciou sua colaboração esporádica com o Brasil Debate em julho de 2014; em junho de 2017 passou a escrever regularmente no Jornal da Unicamp, como titular da coluna A Ciência da Política & Vice Versa. Desde então, com raras interrupções, publicou artigos semanais sobre temas os mais diversos. No total, contabilizamos 133 textos, de extensão variada, o que nos deixava com um arquivo imenso, de publicação inviável nos limites de prazo e orçamento com que trabalhávamos.
Pelas razões expostas e outras ainda – Reginaldo sempre manifestou sua preferência por livros pequenos, mais facilmente manuseáveis – não pudemos reter nesta coletânea nem a metade dos artigos compulsados.
O prejuízo para o leitor, porém, não deve ser exagerado. Fruto de escolha cuidadosa, os textos aqui reunidos constituem uma amostra representativa da produção de Reginaldo Moraes como publicista, e do imenso talento que ele exibia nesse gênero de atividade.
Na organização desses artigos, entre as duas opções que de saída se ofereciam -- ordená-los cronologicamente ou distribuí-los por chaves temáticas – resolvemos combinar as duas últimas, indicando em cada um deles onde foram publicados. Procedemos inicialmente a uma classificação dos temas abordados em três grandes categorias: Política; Política Educacional e de Inovação Tecnológica; Cultura Política e Sociedade. Separados os artigos nessas três classes, eles foram em seguida dispostos em ordem cronológica. Dessa forma, acreditamos torna-se mais fácil para o leitor identificar as variações no foco de interesse do autor, as linhas mestras de seu pensamento, e o avanço de sua reflexão sobre os temas abordados.
A esse respeito, cabe uma palavra sobre a mirada internacional de grande parte dos textos de Reginaldo. Portugal, Espanha, França, Itália, Alemanha, Chile – em diferentes momentos e sob prismas distintos cada um desses países passou sob as lentes poderosas do nosso articulista, alguns deles por vezes repetidas. Mas sua atenção esteve durante grande parte do tempo fixada em um país muito especial, não incluído nessa lista: os Estados Unidos.
Não é preciso ir longe para encontrar razões a justificar tal “privilégio”: o papel singular desempenhado pela superpotência no mundo, especialmente no pós Guerra Fria; as relações políticas e culturais que tradicionalmente manteve com o Brasil; o enorme poder de atração exercido por sua sociedade sobre as elites e amplas parcelas da população brasileira.
Mas há um motivo adicional, certamente mais importante do que as razões genéricas acima arroladas. Reginaldo foi um dos formuladores do projeto que deu origem ao Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos, do qual foi pesquisador dedicado e coordenador de difusão de conhecimentos na sociedade.
Implantado em 2009, durante toda uma década o INCT-INEU serviu de marco institucional para a atividade de pesquisa de Reginaldo, que se desdobrou em diversos temas, com ênfase no estudo do sistema de educação e de inovação, no papel do Estado no desenvolvimento econômico, e, ultimamente, no impacto das transformações sociais nos alinhamentos políticos. Não por acaso, temas recorrentes neste livro.
O leitor terá oportunidade de constatá-lo por conta própria. Não há nada de escapista nesse olhar para fora. Ao estudar as experiências nacionais mencionadas, Reginaldo não se afasta da realidade brasileira. Pelo contrário, ao fazer esse longo percurso ele desvela conexões e aspectos insuspeitados de nossa vida social e política, ao tempo em que recolhe elementos valiosos para a formulação de soluções criativas para os desafios que ela encerra.
Embora a maioria dos artigos neste livro cinja-se à análise crítica dos temas abordados, essa preocupação com o conhecimento útil, socialmente aplicável, transparece nos escritos de Reginaldo, em geral. Mas em alguns deles ela se manifesta na superfície do texto sob a forma de problemas práticos explicitamente formulados, com indicações de caminhos para enfrenta-los. Compreensivelmente, os artigos com essa característica concentram-se na colaboração do autor com o site Brasil Debate.
Cumpre fazer um breve comentário sobre o tema da Educação neste livro e, para além dele, no trabalho de Reginaldo. O leitor pode perceber facilmente a importância que lhe é conferida e os vínculos internos que o ligam ao conjunto das matérias tratadas. Mais do que objeto de estudo, porém, a Educação foi para Reginaldo uma prática constante, um compromisso ético-político, uma forma de vida. Essa condição está claramente refletida nos artigos aqui reunidos. Ela se expressa na opção consciente pela frase curta e despojada, no vocabulário simples, nas frequentes recomendações de leitura... Em tudo a busca da atenção do leitor, a aposta em sua inteligência e o esforço para estimulá-lo a ir além do que lhe foi dado. Como melhor definir a missão do professor?
É nesse registro que o humor cáustico do autor deve ser encarado. O estilo é o homem, diz-se. E não é possível falar do estilo de Reginaldo sem ressaltar o seu humor personalíssimo, às vezes brutal, mas nunca despropositado. Arma de defesa e de ataque ante uma realidade iníqua que nos agride sem cessar, a frase espirituosa, a ironia desabusada e mesmo o sarcasmo são recursos empregados em seus textos para fins didáticos. Eles visam desconcertar o leitor, abalar sua adesão ao senso comum e fazê-lo pensar. Por isso seu acompanhamento não é jamais o insulto, mas uma bateria de argumentos sólidos e uma pletora de dados.
Pedagogia como forma de vida, dissemos. Mas, em nível mais profundo, os artigos que compõem este livro expressam também a relação inversa. Com efeito, em um mundo que exalta modelos aviltantes de realização individual, além de insights, informações ricas e argumentos bem costurados, esses artigos – tão reveladores da pessoa de seu autor – oferecem a lição de uma vida múltipla, intensamente vivida, de integridade exemplar".
Para baixar o livro clique aqui.
*Sebastião Velasco e Cruz é professor de Ciência Política da Unicamp e do Programa San Tiago Dantas de Pós-Graduação em Relações Internacionais, Unesp/Unicamp/PUC-SP.
**Luis Fernando Vitagliano é cientista social. Atualmente é professor convidado dos cursos de especialização modalidade extensão universitária em Gestão Publica e Relações Internacionais da Unicamp.