JU - A relação recente do governo do Estado com a comunidade acadêmica tem sido tumultuada, com declarações do governador questionando pesquisas supostamente “inúteis” financiadas com dinheiro público e, já neste ano, pelo corte no orçamento da Fapesp. Como, em sua visão, a Reitoria deve se portar diante de um chefe do Executivo talvez indiferente ao ensino superior público?
Marcelo Knobel – De fato, houve nos últimos anos um afastamento entre as lideranças universitárias e o governo estadual. Buscaremos um diálogo franco com o governo, solicitando que compromissos assumidos sejam respeitados e que iniciativas do próprio governo, que diminuíram o repasse para as Universidades, sejam reavaliadas. Há também, no caso da Unicamp, um afastamento em relação aos outros governos, municipal e federal. Isto precisa ser revertido, e requererá a reconstrução de uma relação de confiança mútua. Esse diálogo deve, necessariamente, ser articulado com as lideranças políticas e grupos da sociedade civil das macrorregiões onde a Unicamp tem campi, e do país como um todo. Recompor a imagem da Universidade, por meio da demonstração da sua importância e da qualidade do trabalho que aqui se faz, nos parece prioritário. E a isso dedicaremos grande atenção e esforço, por meio de um conjunto de ações de comunicação e de divulgação que serão parte importante da interlocução com a sociedade.
Há um conjunto de assuntos relevantes para a vida universitária que passa necessariamente pela interlocução com os governos, dentre os quais destacamos os relacionados com a área de saúde, que vem sendo sistematicamente subfinanciada. Sua importância para a sociedade regional é imensa, pois presta atendimento da melhor qualidade a uma população desassistida. Como é uma área que já representa parte substancial dos recursos do orçamento da Unicamp, a saúde tem fortes restrições ao seu pleno desenvolvimento. A articulação entre governos municipais atendidos deverá sensibilizar os governos estadual e federal a aportar recursos adicionais aos nossos hospitais. Sem um novo e substancial aporte de recursos, de caráter permanente, que permita um melhor financiamento da área de saúde da Unicamp, teremos imensos problemas no futuro, pois os hospitais precisam de uma ampla melhoria em suas instalações.
Da mesma forma, o desenvolvimento do campus II de Limeira necessita de aportes adicionais. Mostrar ao governo estadual a transformação que ocorreu em Limeira pela implantação do novo campus poderá sensibilizar o governo a resolver esta questão, ainda pendente. Há também alguns repasses que devem ser negociados com o governo estadual, vinculados ao programa Nota Fiscal Paulista, redução do serviço da dívida do Estado com a União e a participação estadual na repatriação de capitais, por exemplo. O teto salarial, que compromete o pleno desenvolvimento da carreira docente, é outro assunto que depende da interlocução com o governo estadual e com a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.
Portanto, cabe à futura Reitoria rearticular o diálogo com os governos, de modo autônomo, apartidário, criando as condições para participar de modo proativo no desenvolvimento regional e nacional. Há diversos programas que podem alavancar parcerias estratégicas com governos. A Unicamp tem projetos, por exemplo, na área educacional que podem interferir positivamente na qualidade do ensino no Estado, na formação de professores, onde podemos ser protagonistas. Outro exemplo é a discussão do plano diretor da nova área do campus de Barão Geraldo. Localizada em um polo de desenvolvimento, pode servir como um vetor que orientará o desenvolvimento regional. Discutir com a comunidade e com os governos um plano de longo prazo é uma tarefa a que o novo reitor da Unicamp não poderá se furtar.
Luís Alberto Magna – Pautar situações institucionais, como as descritas, pelo que é divulgado na mídia, mesmo que o que se divulgue sejam trechos de fala do governador, é sempre um risco. Como já afirmei aqui antes, a Unicamp – isto é, seus reitores – tem estado ausente das esferas de decisão do governo do Estado de São Paulo, muito embora seja parte do sistema de educação superior desse mesmo Estado.
Aí é que está o erro: essa ausência certamente leva à ausência de conhecimento e de interesse direto do governo, representado pelo governador e pelas secretarias de Estado, naquilo que é a natureza do trabalho realizado na Unicamp – o mesmo se aplica às demais universidades estaduais.
Portanto, a aparente indiferença pode tão simplesmente ser uma reação de alguém que não participa, assim como a Unicamp não participa, com prejuízos já demonstrados, nessa entrevista, das ações de governo e seu interesse institucional, como é o caso do Convênio SUS. A força da marca Unicamp é a maneira pela qual o reitor deve se portar, pois quem está distante é mal avaliado e, frequentemente esquecido. Quero crer que seja esse o caso aqui aludido.
Leo Pini – Ações neste quesito envolvem as três universidades paulistas e devem, após sua consideração no âmbito de cada uma das universidades, ser consideradas no Cruesp e junto ao governo do Estado. Deve-se também acrescentar que seria natural, e mesmo desejável, a existência de metas definidas para o sistema de educacional paulista, o que não existe, e isto dificulta o entendimento desse tipo de manifestação. Iniciativas que busquem tais formulações devem ser mesmo incentivadas por parte das universidades paulistas, levando assim a uma cobrança positiva e salutar por parte da sociedade, e baseada nas políticas e metas estabelecidas para seus agentes.
Cabe destacar que a possível indiferença de chefes do Executivo em relação ao ensino superior público é decorrente de uma possível indiferença da Universidade frente às demandas da sociedade. A partir do momento em que a Unicamp esteja fortemente engajada com a sociedade, até mesmo na realização de pesquisas que respondam às necessidades concretas da população, a Universidade terá na sociedade uma aliada que saberá reconhecer como investimento o montante de recursos destinados ao ensino superior público. Dessa forma, Executivo e Legislativo teriam de responder também à sociedade por eventuais ataques ao ensino superior e à pesquisa nas universidades públicas.
Antonio Fonseca – Enquanto forem reportados gastos comprováveis de pagamentos de salários de R$ 70.000,00 para uma secretária, de duplos salários para a alta administração, de invasões não contidas e mal negociadas e de impedimento de professores ministrarem as aulas, é de se crer politicamente correto o governador condenar o desperdício de recursos públicos. Neste cenário, infelizmente, aqueles que estudam, trabalham, ministram aulas, pesquisam e orientam seus alunos com dedicação são avaliados, pela sociedade, como cúmplices daquilo que de pior ocorre na academia. O forte vínculo da Fapesp com a comunidade acadêmica universitária, aparentemente, de modo injusto também a está penalizando.
Rachel Meneguello – A universidade pública tem sofrido ataques de várias direções sobre seu papel e função social, em uma tendência que questiona os recursos investidos nas suas atividades e põe em risco sua gratuidade. Essa tendência, que responde ao movimento de enxugamento das funções públicas, aflora com mais veemência em situações de crise econômica, e parece não faltar argumentos equivocados para retirar o mérito do que a universidade pública faz em termos de ensino, pesquisa e extensão. São Paulo é o único Estado da federação que direciona 9,57% da quota parte estadual do ICMS ao ensino superior; isso demonstra que não é, portanto, sem motivos, que as três universidades públicas paulistas detêm mais de 38% da produção científica do país.
Por outro lado, esse montante estimula alguns setores, inclusive do governo paulista, a buscar o redirecionamento desses recursos para outros setores não ligados à educação e à ciência.
O atual governo de São Paulo tem dado demonstrações de desconhecimento sobre o que a universidade pública produz e como ela contribui para a o desenvolvimento da sociedade brasileira. Cabe lembrar, adicionalmente às declarações conhecidas, que o atual governador movimentou-se para reduzir a quota parte do ICMS às universidades quando procurou alterar a expressão em projeto de lei que definia a LDO de 2016, de “no mínimo” 9,57%, para “no máximo”, conferindo flexibilidade ao repasse, o que felizmente não teve sucesso.
Trata-se, portanto, de combater a não priorização pelo executivo estadual das atividades realizadas pelas universidades. Supondo que isso se deva ao desconhecimento do que produzimos aqui, a Reitoria deve, em primeiro lugar, mover esforços para demonstrar ao governador e à sociedade o volumoso retorno que nossas atividades trazem para a vida social e o desenvolvimento do país. Temos que aprimorar e ampliar a divulgação de nossa produção, para que esta seja percebida de forma efetiva pela sociedade.
Temos tido papel fundamental na formação de profissionais e quadros qualificados para o mercado e para o sistema de ensino em todos os seus níveis, temos produzido pesquisa básica e aplicada nos vários campos do conhecimento, com impacto significativo no desenvolvimento industrial, assim como temos produzido a reflexão sobre o país e suas necessidades; nossas atividades de extensão articulam estreitamente a comunidade externa com a instituição, e a assistência à saúde realizada pela Universidade em Campinas e na região tornou-se um braço imprescindível para que o Estado dê conta de sua função constitucional de atendimento à saúde da população. A Reitoria deve, portanto, aproximar-se do executivo munida de informações que se contraponham à percepção equivocada sobre a utilidade do que fazemos. Mas, além disso, deve conjugar esforços, no âmbito do Cruesp, para que a entidade demonstre a necessidade de garantir as condições de nossa autonomia, que tornaram possível o sucesso do sistema universitário público paulista.