Torre de Marfim

JU - O discurso institucional tem pontuado a interação com a sociedade como uma das marcas históricas da Unicamp. Entretanto, persistem as críticas segundo as quais a Universidade mantém-se distante da comunidade e insensível à opinião pública, principalmente no que diz respeito a temas polêmicos. Como responder a estas críticas?

Foto: Antoninho Perri

Marcelo Knobel – Neste momento de crise, a sociedade precisa defender, mais do que nunca, a Universidade pública, com autonomia, gratuita, de qualidade e com uma inserção que atenda às exigências das transformações acadêmicas, científicas, tecnológicas, sociais e culturais de nossos dias. Mas a gestão institucional, acadêmica e financeira destas Universidades precisa estar fortemente comprometida com os diferentes setores da sociedade. Elas devem ser instituições líderes na formação de profissionais críticos, criativos e proativos, capazes de contribuir com a construção de uma sociedade mais justa, menos desigual, mais democrática. Devem assumir seu papel como universidades contemporâneas fundamentadas na excelência acadêmica, repensando o papel da graduação, da pós-graduação e da pesquisa neste novo milênio, e sobre a atuação da extensão na construção de uma parceria efetiva e mais abrangente com a sociedade.

A universidade pública deve ampliar a interação com a sociedade em múltiplas dimensões. A Unicamp tem uma incrível capacidade instalada que permite pesquisar, discutir e propor soluções, seja para o desenvolvimento sustentável do Brasil e do mundo, seja para atacar problemas emergenciais. Vivemos uma trajetória de colapso social e ambiental, com mudanças climáticas e declínio da biodiversidade, transformações demográficas profundas, guerras, refugiados, violência urbana, epidemias. Esses problemas e suas graves consequências influenciam-se mutuamente, e as respostas acadêmicas e políticas a eles têm sido lentas e deficientes. É importantíssimo que a universidade do século XXI aborde essas questões como prioridade, e que discussões e pesquisas interdisciplinares apoiem as ações efetivas requeridas para solucioná-las.

O avanço nesses grandes temas deve se alinhar com outras demandas da Universidade, como formação de professores para o ensino fundamental e médio; atividades de divulgação científica e cultural; atendimento na área de saúde; inovação e empreendedorismo; atividades culturais e esportivas; comunicação integrada, entre outras. Além de serem relevantes e urgentes, estes grandes assuntos têm enorme alcance social. Do ponto de vista interno, é imperativo modernizar a gestão das universidades públicas, com mecanismos internos de controle e acompanhamento da execução do orçamento, que permitam que as decisões compartilhadas, transparentes e consistentes estejam alinhadas com a realidade econômica e com a priorização de projetos de maior impacto e relevância. É fundamental que a ação simultânea em todas essas frentes seja orientada pelo compromisso mais amplo com a sociedade, que deposita confiança e esperança na universidade pública.

A sociedade exige que a universidade pública, neste momento de grandes desafios sociais, econômicos e culturais, seja mais dinâmica e inovadora, e que tenha responsabilidade com um projeto institucional e acadêmico em um mundo em constante transformação. A verdadeira defesa da universidade pública e de qualidade se faz através do estabelecimento de uma gestão sólida e responsável, que entregue os elementos essenciais que possibilitem o real desenvolvimento de nossa sociedade.

Foto: Antonio Scarpinetti

Luís Alberto Magna – Não cabe à Universidade criar ou se envolver em polêmicas, mas delas participar com aquilo que é a sua missão: trazer ao esclarecimento, em linguagem apropriada ao tema e ao público interessado, todo o conhecimento acumulado no assunto em discussão, assim permitindo que todos os interlocutores possam pautar a discussão com sólidas e mesmas premissas pois, muitas vezes, as polêmicas são decorrentes de desconhecimentos dos mais variados e de diferentes níveis do assunto em pauta – e aqui a Universidade não somente pode como deve atuar enfaticamente – enquanto que em outras o posicionamento ideológico é preponderante.

Mesmo nesses extremos, a ponderação da racionalidade do conhecimento é fundamental para que as pessoas, em particular, e assim a sociedade, como um todo, possam se aproximar mais intensamente do relevante papel que a Unicamp desempenha no âmbito das suas diferentes unidades de ensino e pesquisa, e também seus colégios técnicos.

Foto: Antoninho Perri

Leo Pini – Nós precisamos ter uma atuação que nos leve a uma sociedade resiliente e sustentável. Entendemos que a Unicamp pode e deve assumir um papel protagonista em relação a soluções para os problemas da sociedade.

Com seu nome internacionalmente associado à inovação, caberá à Universidade, cumprindo seu papel de instituição pública mantida pela sociedade, alinhar-se a iniciativas internacionais de pesquisa e inovação responsável, focando a criação de soluções inovadoras e sustentáveis também para as principais questões sociais e ambientais. É o fazer ciência com e para a sociedade, dentro dos seis princípios do arcabouço da iniciativa RRI - Responsible research & innovation, no âmbito Europeu através do Programa Horizon 2020: engajamento, na articulação de pesquisadores com a sociedade civil, indústrias e formuladores de políticas públicas; igualdade de gênero, abordando a modernização na gestão de recursos humanos; educação em ciências, não apenas na formação de futuros pesquisadores, mas também de outros atores sociais; acesso aberto, com transparência e acesso gratuito aos resultados de pesquisas realizadas com financiamento público; ética, de modo a assegurar maior relevância e aceitação dos resultados da pesquisa e inovação; e governança, para articular as demais dimensões e assegurar responsabilidade para evitar desenvolvimentos prejudiciais ou antiéticos na pesquisa e na inovação.

Como a Reitoria pode atuar para concretizar tais iniciativas? Em primeiro lugar, reconhecendo que a Pesquisa e Inovação Responsável deve fazer parte dos valores da Universidade. Pesquisadores que produzam inovações frugais, mas com forte impacto social, devem ser tão valorizados quanto aqueles que publicam nos veículos de alto impacto. Nossos pesquisadores e alunos, seja por meio dos trabalhos de Iniciação Científica, seja por meio de atuação em atividades de extensão, devem interagir com a sociedade para identificar e solucionar problemas sociais e ambientais. Porém, acima de tudo, caberá às unidades, dentro do processo de descentralização que promoveremos, definir como essa atuação junto à sociedade ocorrerá e definir também como valorizar, em seus perfis de promoção, o desenvolvimento desse tipo de pesquisa. Apenas assim poderemos exercitar o papel que nos cabe na promoção de ensino, pesquisa e extensão junto à sociedade que sustenta nossas atividades.

Não há qualquer antagonismo entre pesquisa, ensino e extensão de qualidade e atuação socialmente responsável.

Foto: Antonio Scarpinetti

Antonio FonsecaAs críticas, infelizmente, são verdadeiras. Enquanto a alta administração permitir e participar de atos notadamente contrários aos interesses da sociedade, por exemplo, pagando duplos salários e permitindo salários de 70.000,00 reais para uma secretária, como foi dito, não há como responder a tais críticas.

Foto: Antonio Scarpinetti

 

Rachel Meneguello – A crise de legitimidade das instituições públicas que marca o país atinge, também, a universidade e seu funcionamento, e é nesse terreno que devemos atuar em sentido contrário. Essa crise alimenta, por um lado, as críticas que questionam o funcionamento e sustentação financeira da universidade pelo Estado, afirmam a universidade como torre de marfim, indiferente à sociedade que a sustenta, preocupada com questões de interesse interno, e que dispende seus recursos em áreas sem interesse social. Essas críticas representam o pensamento que questiona o financiamento público do sistema universitário paulista, advoga o fim da gratuidade do ensino superior e, infelizmente, encontra eco nos setores que desconhecem o que a universidade realiza e onde ela atua.

A percepção de que a Unicamp mantém-se distante da sociedade advém, sobretudo, da incapacidade da instituição em comunicar devidamente o que faz e como ela interage com os vários setores sociais. A referência dominante das atividades de assistência à saúde e do Hospital de Clínicas como as marcas principais da ação da Universidade sobre a comunidade resulta da relação intensa e constante com a população da cidade e da região. Entretanto, são vários outros os setores em que a interação ocorre.

As inúmeras atividades de extensão, por definição, promovem ações para a difusão do conhecimento, ciência, tecnologia e cultura, e realizam a interação com organizações públicas e privadas, com profissionais de várias áreas e outros setores da sociedade; nas atividades de pesquisa, por exemplo, há uma interação intensa com a indústria nacional, dando base à produção de iniciativas que estimulam o mercado e desenvolvem tecnologias.

Vale mencionar que a Unicamp se destaca no desenvolvimento de novas tecnologias e no depósito de patentes junto ao INPI: ela ocupa, há anos, a primeira posição entre as universidades brasileiras e a segunda ou terceira posição entre as instituições depositantes, perdendo somente para grandes empresas, como a Petrobrás.

Além disso, a Unicamp também se destaca na formação de profissionais empreendedores, criadores de um grande número de novas empresas que podem ser consideradas filhas de nossa Universidade. A mesma dinâmica ocorre com as atividades de formação de profissionais que atuam em setores estratégicos, como o ensino, e que multiplicam a capacidade de intervenção da Universidade na sociedade, entre outras várias ações.

Mas é real a insuficiência das ações de divulgação e disseminação pela instituição do conhecimento produzido e das atividades realizadas. É nesse âmbito que devemos atuar. A resposta fundamental às críticas deverá vir da informação mais ampla e intensa junto à comunidade sobre o nosso papel, o que temos realizado, e como temos contribuído para o desenvolvimento social do país e a produção de conhecimento mais amplo.

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