audiodescrição: imagem colorida, selo "De volta a São Gabriel"

Indígenas enfrentam sol, chuva e longas filas para receber benefício

Por Juliana Sangion (Especial para o Jornal da Unicamp)

Fotos: Felipe Bezerra  

A cena se repete há vários anos: centenas de famílias aguardam debaixo de sol e chuva em longas filas
A cena se repete há vários anos: centenas de famílias aguardam debaixo de sol e chuva em longas filas

Centenas de famílias aguardando debaixo de chuva ou, dependendo do dia, sob sol forte, em longas filas na rua, para conseguir receber os benefícios sociais do governo federal. Foi com esse cenário que nossa equipe de reportagem se deparou ao chegar a São Gabriel da Cachoeira. Na pousada em que ficamos hospedados, funciona também uma padaria, comércio que atualmente é o único local no município cadastrado pela Caixa Econômica Federal para realizar o pagamento de benefícios. A cena, que chamou a atenção pela aglomeração de pessoas e pelo descaso das autoridades, repetiu-se todos os dias durante todo o período em que nossa equipe esteve acomodada no local. As famílias começavam a chegar por volta das 5h da manhã e muitas delas, apesar de terem ficado até o final do horário de atendimento, às 19h, não conseguiram atendimento, tendo sido obrigadas a retornar nos dias seguintes.  

Ainda que chocante, a cena não é novidade, de acordo com os moradores. Em setembro de 2020, inclusive, durante uma das piores fases da pandemia de covid-19, o Tribunal Regional Federal (TRF) determinou à Caixa Econômica Federal a adoção de medidas para o atendimento à população indígena da região, diante da necessidade de deslocamento para recebimento do auxílio emergencial. A fim de evitar aglomerações e a propagação do vírus entre os indígenas. A liminar foi concedida após recurso do Ministério Público Federal (MPF), em que, além de pedir a aplicação de multa à União, ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e à Caixa pelo descumprimento de decisões judiciais anteriores, relatava que os órgãos nada fizeram para adequar as formas de acesso aos benefícios pelas populações indígenas das aldeias do Alto e Médio Rio Negro.

Famílias que precisam passar a noite no município para tentar o atendimento no dia seguinte, acabam ficando em barracas instaladas no rio
Famílias que precisam passar a noite no município para tentar o atendimento no dia seguinte, acabam ficando em barracas instaladas no rio

Muitas famílias vêm das comunidades indígenas espalhadas pelo interior de São Gabriel da Cachoeira, nas diferentes calhas do Rio Negro, após terem viajado vários dias em canoas ou voadeiras. Ao chegarem, sem nenhum tipo de acomodação providenciada pelas autoridades, são obrigadas a ficar nas calçadas ou pelos arredores do local, enquanto aguardam para serem atendidas. Algumas, que precisam passar a noite no município para tentar o atendimento no dia seguinte, acabam ficando em barracas instaladas no rio, próximas ao porto de Queiroz Galvão. No caso das famílias do povo Yanomami, o local de abrigo é a casa de apoio próxima ao Centro de Educação Tecnológica Integrada (Ceti).

Conversamos com algumas famílias que estavam na fila e todas se queixaram da demora no atendimento e do descaso por não terem onde ficar durante o período de espera. Lucimar contou que veio da comunidade de São Miguel e que sua preocupação em retornar logo à aldeia devia-se ao fato de ter deixado seu filho mais novo, de 1 ano, sob a guarda do irmão de 11 anos. “Saí às 5h da manhã de lá, para tentar ser atendida logo e quando chego aqui é isso. Deixei meu filhinho lá no sítio para vir aqui. Não entendo por que demora tanto”, disse.

Muitos moradores são obrigados a levar os filhos com eles, como é o caso de Jony Carlos, do povo Tukano. Ele cobrou a implantação de um local específico em que as pessoas possam ficar enquanto esperam o atendimento. “Isso tinha como melhorar. Se o governo oferece o beneficio, tinha que ter um lugar específico para receber. Não poderia ser na rua, pois para quem vem com criança é difícil”, disse.

Jony Carlos, do povo Tukano e sua família: esquema de pagamento muito mal feito 
Jony Carlos, do povo Tukano, e sua família: esquema de pagamento muito mal feito para quem vai com criança (Foto: Juliana Sangion)

Jony veio da comunidade Anchieta, que fica no rio Papuri, a uma semana e meia de rabetinha (canoa com motor) de São Gabriel da Cachoeira. “Imagina chegar aqui e enfrentar dias de sol e chuva para conseguir pegar o dinheiro. Pra mim não é bem feito esse esquema. Nossas autoridades deveriam olhar e tentar resolver essa situação pela qual o cidadão está passando no município”, afirmou Jony.

Uma funcionária do posto da Caixa, que preferiu não ser identificada na reportagem, contou que conseguiu provisoriamente um ginásio, que fica localizado ao lado do local, para que, ali, as famílias que desejassem pudessem esperar. “Às vezes demora dias. Eu mesmo não venho todo mês, porque fica muito caro sair da comunidade, então venho pegar o dinheiro a cada dois ou três meses, mas este mês tem muita gente que veio, como eu, do interior, e está muito ruim. Isso precisa melhorar”, disse Jony.

twitter_icofacebook_ico