Diário em PequimFrancisco Foot Hardman. Professor titular do Departamento de Teoria Literária do IEL - UnicampFrancisco Foot Hardman é professor titular do Departamento de Teoria Literária do IEL, na área de Literatura e Outras Produções Culturais. Está vivendo na China, como professor-visitante na Escola de Línguas Estrangeiras da Universidade de Pequim, durante o ano acadêmico 2019-20, a convite dessa instituição, dentro do acordo de cooperação que ela mantém com a Unicamp.

A última crônica: de estudantes da Universidade de Pequim para indígenas do Alto Solimões

"É isso aí, a verdadeira amizade renega fronteiras. Das ruínas desse desconcerto, quem sabe possível seja fazer não só figura, mas diferença?"

Francisco Foot Hardman

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Quando, há cerca de oito dias, colegas do IEL-Unicamp que atuam na área de Línguas e Educação Indígenas, entre eles Filomena Sândalo e Wilmar D’Angelis, enviaram mensagem à nossa comunidade, dando conta do verdadeiro estado trágico de aldeias e povoados na região do Alto Solimões, Amazonas, com o avanço da pandemia, divulguei seu apelo junto a colegas, amigos e estudantes na China.

Situação particularmente grave é a do povo Tikuna, maior comunidade indígena do Brasil, que vive a dor da perda de seu único médico formado e a calamitosa situação na comunidade do Feijoal, onde mora Osias, aluno da pós-graduação em Linguística da Unicamp. Essas notícias calaram fundo em várias pessoas aqui na China, que acompanham com muita tristeza e preocupação o desastre socioambiental amazônico.

Organizamos duas ações imediatas de solidariedade. Junto a colegas professores e profissionais próximos, conseguimos a doação de recursos que já foram transferidos para a ONG Kamuri, empenhada em socorrer as áreas de emergência no Alto Solimões. Além da Universidade de Pequim, tivemos pronta resposta de colegas e amigos de outras universidades: Normal de Pequim, de Estudos Estrangeiros de Pequim, de Língua e Cultura de Pequim, Nankai (Tianjin), de Ciência e Tecnologia do Sul (Shenzhen), de Estudos Internacionais de Zhejiang (Hangzhou) ; além de jornalistas da Xinhua (agência nacional chinesa de notícias) e do Ministério de Recursos Humanos e Segurança Social.

A outra ação fica documentada aqui. Alunos da graduação em Língua e Literaturas de Língua Portuguesa da Universidade de Pequim foram convidados, voluntariamente, a enviar mensagens aos membros das comunidades indígenas afetadas. Metade deles se manifestou. Certamente, com a ajuda dos colegas do IEL engajados, esse correio da cooperação solidária e amizade internacionalista chegará logo a seus destinatários.  

Cantina universitária, de volta às cortinas de plástico | Foto: FFH
Cantina universitária, de volta às cortinas de plástico | Foto: FFH

 

Pequim, Chengfu Lu | Foto: FFH
Pequim, Chengfu Lu | Foto: FFH
  1. Mensagens escritas por alunas e alunos da turma de 2018 (2. Ano, idade média = 20 anos):

O amanhecer sempre vem depois da escuridão. Estamos solidários enfrentando esta catástrofe global. Nós sobreviveremos a esta crise.

- DaianeKuang Yunting


Nenhuma palavra é suficiente para prestar nossa homenagem à sua luta heroica contra a epidemia. Respeito sua coragem, sua determinação e sua bondade imensa. Acredito que com o seu esforço, tudo vai dar certo! Boa sorte, meus amigos queridos!

- Kátia (Yang Kaiwen)


Sejam Fortes!

 - André (Shao Zhongtian)


Nós, o ser humano, estamos em apuros. Aqui na China, eu desejo-lhes muito ânimo. Quero bem ao povo brasileiro, vocês enfrentaram no passado dificuldades muito maiores do que esta, e vocês superaram-nas todas. Sobretudo, desejo coragem e força ao povo indígena, vocês são robustos e valentes, e estão fazendo muitos sacrifícios para que a situação melhore, estou convicto de que vocês certamente conquistarão a vitória final.

Sendo aluno que irá ao Brasil como um intercambista, presto atenções à sua situação todos os dias. Em uma notícia, vi dois índios com máscaras, conduzindo uma canoa nas águas tranquilas e cobertas de algas verdes. Estou muito comovido, e também tenho orgulho de vocês, por conta da sua solidariedade, já sei que vocês nunca serão abatidos.

Agora a temperatura está arrefecendo, e o inverno virá em breve. Mas se o inverno chega logo, porventura a primavera estará distante? Quando as flores desabrocharem, espero que esteja junto com vocês.

- Tiago (Li Wutaowen)


Não obstante o tempo estar difícil, por favor, lembrem que nós estamos sempre juntos com vocês.

  - Daniela (Chen Danqing)


Nós sempre estamos juntos. A epidemia é horrível, mas o nosso amor é mais forte.  Chineses e brasileiros, todo o mundo e todas as pessoas vão triunfar!

- Diana (Fang Jiangchen)


Vá lá! Tudo estará terminado! Não preciso lhes avisar de lavar as mãos com diligência e de não se reunir, desejo sublinhar que é importantíssimo se cuidar bem e se proteger das emoções negativas. UM GRANDE ABRAÇO para vocês!!!

- Leandra (Liang Liyan)


Lamento saber que a vida de muitas pessoas está ameaçada devido à epidemia. Talvez a situação na China agora possa dar-lhes a confiança que mostra que covid-19 pode ser vencido. Acredito que o Brasil irá derrotar o vírus através de inteligência, paciência e força. Amanhã será melhor.

- Renato (Dong Hanyuan)
 

  1. Mensagens escritas por alunas e alunos concluintes da turma de 2016 (4. Ano, idade média = 22 anos):

Olá meus amigos brasileiros!! Sou uma estudante chinesa da Universidade de Pequim, também residente em Wuhan, onde a pandemia começou. Deve ser difícil para vocês suportar a morte de um membro brilhante da comunidade, e eu entendo muito essa dor porque minha cidade testemunhou muitas perdas e separações durante esses últimos meses. No entanto, só quero dizer que é nestes tempos mais sombrios que ganhamos força e nos tornamos mais fortes do que nunca. Em dias sem esperança, eu pensava que esse pesadelo nunca terminaria, mas agora minha cidade recuperou sua agitação habitual, tudo está de volta aos trilhos novamente. E acredito que o tempo mais escuro passará para vocês. Tudo vai ficar bem, todos nós apoiamos vocês!

- Olívia (Huang Yongheng)


Lamentável saber da notícia:

Região da Amazônia parece tanto familiar como estranha para mim. Familiar é que quando eu era uma criança, conhecia o magnificente panorama da região na televisão, ainda no início do século; estranha é que embora saibamos da Amazônia como pulmão da sociedade humana, nunca temos oportunidade para ver como é, por seu mistério e perigo.

Da notícia conheço que a Amazônia é o lugar onde vocês passaram a infância e onde hoje ainda vivem. Quero dizer que tenho adoração por vocês, como membros dos povos que vivem na região, conquistando condição difícil, mas rigorosa e natural. Eu lamento, mas, ao mesmo tempo, tenho mais confiança em que vocês, com ajuda da sociedade internacional, podem vencer a epidemia. Na língua chinesa, usa-se a expressão “Manter Juventude pelas Vicissitudes da Vida”, o que acho uma expressão emocionante. Vocês, junto com seu grupo étnico e o Brasil, abraçarão nova vida depois da catástrofe.

Saudade de Tianjin, China [fotos do remetente]
Saudade de Tianjin, China [fotos do remetente]

 

- Pascoal (Zhang Xiaohan)


Meu irmão brasileiro:

Como vai? Espero que esteja bem, apesar de sabermos que estamos numa situação difícil. Nos primeiros três meses de alastramento da pandemia, como o governo exigiu que as pessoas ficassem em casa, permaneci toda a primavera em casa, receando ouvir as notícias, quase todas péssimas. Eram a amizade e a solidariedade que me aliviavam a tristeza. Agora espero que nossas mensagens lhe deem algum conforto. Mantenhamos viva a esperança: a vida já mudou, mas ainda continua, e continuará. Tudo de bom para você!

- Lucélia (Lu Zhengqi)


Caros amigos brasileiros da Amazônia:

Eu sou um estudante da China e ouvi que vocês estão enfrentando a ameaça do vírus Covid-19. Temos uma grande empatia com vocês porque já temos sofrido a mesma situação na China. Mas eu tenho certeza de podermos superar a dificuldade, então devemos ter confiança e nos esforçarmos para nos manter saudáveis. Como o que foi dito no poema, “Se vem o Inverno, chegará prestes a Primavera”. Eu acredito que nós humanos podemos vencer o vírus. Espero suas boas notícias!

- Domingos (Xie Dongcheng)


Queridos amigos:

Sou Zoé, uma estudante chinesa. Crê-se que todo o mundo está agora enfrentando o risco trazido pelo Covid-19, o que é uma coisa bastante preocupante. Embora não sejamos médicos que têm capacidade de ajudar a melhorar a situação no Brasil, esperamos que a situação da comunidade Tikuna melhore rapidamente. Existe sempre uma amizade entre o povo brasileiro e o povo chinês! Espero que esta amizade possa levar coragem e energia para vocês! Força! Atenciosamente,

- Zoé (Liang Yingyi)


Sinto muito pelo falecimento do médico Tikuna da sua terra. A vida é sempre difícil, cheia de desafios. Mas as coisas vão melhorar! Porque também sempre há pessoas que rezam para vocês, e que se simpatizam com suas dificuldades. Espero que as coisas melhorem lá em Feijoal! Força!!

- Rui (Chu Xiaorui)


Prezados amigos do outro lado do planeta:

Nihao! Olá! Meu nome é Tian Zehao e sou da cidade de Shenzhen, Cantão, China. Ouvi de sua situação e sinceramente sinto muito. Estamos diante de uma crise mundial que precisa da nossa solidariedade. É fato que essa cartinha não vai mudar a situação, mas espero que essas pequenas palavras possam dar algum consolo.

É um fato triste que sua autoridade não vos protege atentamente. A culpa, porém, é também nossa, porque o desenvolvimento econômico na Amazônia visa, finalmente, em grande parte, capital e mercado chineses. Conheço o mecanismo de globalização, que sempre prejudica o bem-estar de uns para satisfazer outros. Mesmo que não seja eu que decido isso, nós, todos que moram fora de Amazônia, somos responsáveis. Peço desculpas.

Respeito sua vontade e direito de viverem como quiserem, mas o coronavírus não está brincando conosco. Fiquei em casa desde janeiro, bem início deste ano, como todos os chineses. Mesmo assim, muitos já tinham perdido seus familiares e amigos. Então, por favor, tomem cuidado com qualquer pessoa que venha de fora e mantenham a higiene. Talvez não gostem das máscaras. Mas se puderem (espero que sim), se protejam. É claro que essa situação vai mudar suas vidas, porque todos nós, mundialmente, somos afetados. O mais importante é sobreviver. Me sinto muito triste ao ouvir notícia sobre sua situação. Não sei por que estou achando maneiras para me convencer que existe ainda um futuro brilhante, nem sei como será o mundo amanhã, mas tento viver até ali. O mais importante é a esperança: qual dificuldade que seja, somos invencíveis quando a temos.

Agora a China já passou o período mais perigoso, o que prova a possibilidade de controlar a pandemia. Tudo isso vai passar, e creio que seja em breve. Abraços,

- Gaspar (Tian Zehao)
 

      É isso aí, a verdadeira amizade renega fronteiras. Fiz só pequenas revisões em sua edição. Todos os textos são integralmente desses jovens e bravos estudantes, que continuam cursando seu semestre à distância. Que a Mãe Terra os proteja, para que, em futura aliança com as multidões dos despossuídos, em particular os povos indígenas amazônicos, possam lutar e construir um mundo de beleza, paz e harmonia. Das ruínas desse desconcerto, quem sabe possível seja fazer não só figura, mas diferença?          

Veja as matérias: 

O Homo Pekinensis e O Mundo: nas voltas que o tempo dá

O Morcego e nós

Minha China tropical

Duas lágrimas na ponte de dandong

Se essa rua, se essa lua, se essa luta: comunhão da cidade renascida

Somos ondas do mesmo mar e um povo lindo surge das ladeiras

Por uma outra globalização: krenak e milton santos pedem passagem

Go China! (nem precisa avisar)

Cidade: quantos tempos e lugares?

Pão, água e saber: meu coração é comunidade

O cartão e outras preocupações

O café mais secreto do mundo

A vendinha da vila

Imagem de capa JU-online
Pequim,  Xiangshan (Montanhas Perfumadas), Outono passado, turma 2016. Quando ninguém sabia. Várias/os correspondentes ali. | Foto: FFH

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