Descoberta abre perspectiva para o tratamento de doenças como Alzheimer, Parkinson e tumores cerebrais.
Pesquisa desenvolvida em modelo animal no Instituto de Biologia (IB) da Unicamp constatou que o óxido de grafeno reduzido (rGO), material da família dos alótropos do carbono, promove abertura transitória da barreira hematoencefálica, estrutura que protege o sistema nervoso central. A descoberta abre perspectiva para o uso do rGO como carreador de fármacos para o tratamento de doenças como Alzheimer, Parkinson e gliomas (tumores cerebrais). O estudo consistiu na tese de doutoramento da farmacêutica bioquímica Monique Culturato Padilha Mendonça, que foi orientada pela professora Maria Alice da Cruz-Höfling.
O óxido de grafeno reduzido é um nanomaterial de geração posterior aos nanotubos de carbonos, e pode ser considerado um dos mais promissores gerados pela nanotecnologia. “Considerando aplicações biomédicas, é possível dizer que o óxido de grafeno reduzido apresenta atributos físico-químicos melhores que os dos nanotubos de carbono. Uma vantagem importante é que o rGO é menos tóxico”, explica Monique.
A aparência do material é semelhante ao de uma folha com dimensões nanométricas [cerca de 350 nanômetros de comprimento e 5 nm de espessura]. O rGO utilizado nos testes in vivo foi sintetizado pelo pesquisador Helder José Ceragioli, do Laboratório de Nanoengenharia e Diamantes (LabNano) da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC), que foi coordenado pelo professor Vitor Baranauskas, falecido em outubro de 2014. Inicialmente, Monique testou o óxido de grafeno. Depois, partiu para o óxido de grafeno reduzido.
A diferença entre um e outro é que o segundo passa por um tratamento que remove parte de seus grupos funcionais [oxigênio, carbonila e hidroxila]. “Com isso, nós conseguimos melhorar certas propriedades do nanomaterial, mas asseguramos que ele continue solúvel em água”, observa a autora da tese. Monique informa que no Brasil existem poucos grupos de pesquisas que investigam temas relacionados com a barreira hematoencefálica. “O grupo mais ativo é o coordenado pela professora Maria Alice da Cruz-Höfling, que vem mantendo colaborações com pesquisadores de outros países”, acrescenta.
A própria Monique cumpriu estágio de três meses no Biological Research Centre, na Hungria, sob orientação do professor Itsván Krizbai. Lá, ela trabalhou com um modelo in vitro de barreira hematoencefálica. “Além de aprender a técnica e trazê-la para o Brasil, esse estágio foi muito importante para a troca de experiências nessa área de pesquisa”. A ideia de utilizar o rGO, segundo ela, surgiu a partir dos indícios de que o nanomaterial estabeleceria uma boa interface com o sistema neural, dado que apresenta propriedades físicas e eletrônicas favoráveis. Ou seja, ele serviria para fazer interface com neurônios e astrócitos, além de células endoteliais, que revestem os vasos da microcirculação cerebral.
O pensamento seguinte foi: se o óxido de grafeno reduzido pode estimular essas células, o que ele não faria em relação à barreira hematoencefálica? Poderia o nanomaterial ultrapassá-la e ganhar acesso ao ambiente cerebral? Inicialmente, o rGO foi avaliado isoladamente, ou seja, sem estar conjugado com qualquer fármaco. “Nós buscamos as respostas em testes realizados com ratos. Administramos o rGO nos animais por via intravenosa, e depois verificamos qual o comportamento do nanomaterial. O que constatamos foi que o nanomaterial afeta a barreira hematoencefálica de maneira positiva”, diz.
Na prática, o rGO promove a abertura da barreira de forma temporária, entre uma e três horas. Isso é interessante porque é possível utilizar tal período de abertura para administrar um fármaco, que provavelmente não chegaria ao cérebro sem o rGO. “Como a barreira se fecha depois desse intervalo, ela volta a regular seletivamente a passagem de nutrientes, ao mesmo tempo em que impede a entrada de substâncias indesejáveis e de grande parte dos fármacos”, detalha Monique. O próximo passo da pesquisa, entende a autora da tese, é conjugar um fármaco ao nanomaterial, para que este entregue e/ou libere controladamente a substância no local desejado.
Tal estratégia é de importância chave na medicina, visto que a liberação de drogas terapêuticas para o sistema nervoso central também permitiria a redução na quantidade dos fármacos utilizados nos tratamentos, o que minimiza os possíveis efeitos colaterais. “Alguns estudos apontam que o óxido de grafeno reduzido pode ser utilizado como carreador de fármacos. Nós temos pensado em testar algum fármaco já conhecido, que apresente boa estabilidade e uma afinidade razoável com o nanomaterial, de maneira a queimar etapas”, informa a pesquisadora.
Monique acrescenta que, depois de administrado no organismo dos animais, o óxido de grafeno reduzido se concentrou principalmente no tálamo e no hipocampo, regiões afetadas por doenças como Parkinson e Alzheimer. “Possivelmente, vamos testar drogas já utilizadas no tratamento desses males para verificar se ocorre ganho na terapêutica”, infere Monique. A farmacêutica bioquímica revela que tentou, num segundo momento do estudo, melhorar o rGO.
Ela utilizou um polímero, o polietilenoglicol (PEG), para cobrir o óxido de grafeno reduzido, com o propósito de fazer com que o nanomaterial permanecesse por mais tempo na corrente sanguínea. “Esse é um recurso já testado com outros nanomateriais, mas no caso do rGO ocorreu alguma reação inesperada, que tornou o material mais tóxico, provocando a morte de células e reações adversas em diversos parâmetros clínicos. Nós produzimos um artigo advertindo para esse problema, o que certamente ajudará outros grupos a esclarecer essa controvérsia ”, destaca a autora da tese, que contou com bolsa de estudos concedida pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).