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Geografia dos salários reflete desigualdade social histórica

Pesquisa constata que remunerações são maiores ou menores de acordo com a região

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Dois trabalhadores que apresentem características individuais semelhantes e que ocupem as mesmas posições em setores de atividades similares terão rendimentos distintos dependendo da região do Brasil em que vivam. A constatação é da dissertação de mestrado do economista Christian Duarte Caldeira, defendida recentemente no Instituto de Economia (IE) da Unicamp, sob a orientação do professor Carlos Salas Paez. De acordo com o autor, o fenômeno não é uma exclusividade brasileira. “Isto também ocorre em outros países, o que nos leva a crer que o problema decorre em boa medida do modo de produção capitalista, que é marcado pelas desigualdades”, afirma.

Foto: Antonio Scarpinetti
O economista Christian Duarte Caldeira, autor da dissertação: fenômeno tem relação com o modo de produção capitalista, que é marcado pelas desigualdades

No caso brasileiro, o estudo verificou que o chamado capital humano, que pode ser definido com o conjunto de conhecimentos e competências acumulado por uma pessoa ao longo da vida, tem significativa importância, mas pode não ser determinante para a definição dos seus rendimentos.  O espaço geográfico onde o indivíduo trabalha pode ter mais peso nesse aspecto. Em sua investigação, Duarte apurou a ocorrência de diferenças salariais importantes entre trabalhadores que apresentam as mesmas características individuais e educacionais, mas que vivem em diferentes regiões.

No trabalho, o economista considerou as cinco regiões do país, mas as agrupou em dois grandes blocos: Sul/Sudeste e Norte/Nordeste/Centro-Oeste, classificados, respectivamente, de regiões “dinâmica” e “atrasada”. Os dados utilizados para a análise foram extraídos da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua

(PNAD Contínua), entre os anos de 2012 e 2015. A partir de um modelo econométrico desenvolvido especificamente para o estudo, Duarte identificou, por exemplo, que o salário esperado para um trabalhador sem instrução que reside na região atrasada é de R$ 800,00, contra R$ 1.191,00 na região dinâmica (diferença de 48,8%).

A mesma tendência foi verificada em relação aos trabalhadores com instruções equivalentes ao ensino fundamental, médio e superior. No caso destes últimos, os rendimentos esperados para a região atrasada são de R$ 2.265,00 e para a dinâmica, de R$ 2.566,00 (diferença de 13,3%). “Os resultados da pesquisa são bem claros: trabalhadores com as mesmas características individuais e nível educacional ganham menos apenas por estarem localizados nas regiões Norte, Nordeste ou Centro-Oeste do Brasil”, reforça.

Foto: Antonio Scarpinetti
Acima, saída de fábrica em Campinas; abaixo, operários em obra em São Luís, capital maranhense: segundo a pesquisa, o salário esperado para um trabalhador sem instrução que reside na região classificada como atrasada é de R$ 800,00, contra R$ 1.191,00 na região considerada dinâmica

Foto: Antonio Scarpinetti

Tais discrepâncias, continua o pesquisador, estão relacionadas com a segmentação regional do mercado de trabalho no Brasil, fenômeno que tem raízes históricas. Ele explica que durante o período de pré-Abolição, com o uso intensivo da mão de obra escrava, ocorreu a homogeneização da força de trabalho. “A segmentação no mercado de trabalho foi consolidada após a Abolição, com a transição do trabalho escravo para o assalariado, bem como pela precária integração do escravo liberto e a preferência pelo trabalho imigrante”, aponta.

Acontecimentos paralelos, como a decadência da economia do açúcar e a ascensão da economia cafeeira, também contribuíram para a construção desse quadro, fazendo com que o Nordeste demorasse a estabelecer relações tipicamente capitalistas de produção, diferentemente do que ocorreu no Sudeste. Conforme Duarte, a tendência do capitalismo em produzir desigualdades, agravada pelos traços do subdesenvolvimento da economia brasileira – aliada, ainda, aos nexos de dependência criados entre as regiões atrasadas e dinâmicas - fez com que a segmentação não tenha se rompido nem diante da rápida industrialização, que tem seu auge nos anos 1970, nem no período de crescimento com distribuição de renda, ocorrido nos anos 2000.

Na interpretação do autor da dissertação, as diferentes estruturas produtivas de cada região – conformadas pelo perfil das empresas que decidem se localizar em cada uma delas, cada empresa com uma lógica específica de determinação dos salários – criam mercados de trabalho regionais com mecanismos de determinação salarial distintos. Mas como ao menos minimizar esta discrepância? Segundo Duarte, uma das primeiras iniciativas é utilizar modelos econométricos como o empregado em sua pesquisa, para averiguar a presença e a dimensão da segmentação regional no mercado de trabalho.

O passo seguinte é a formulação de políticas públicas que possam contribuir para reduzir essas diferenças. “Trata-se, obviamente, de uma questão complexa. Particularmente, penso que uma boa alternativa seria a adoção de políticas de desenvolvimento que contemplem as especificidades de cada região. Ou seja, a saída não é encher a Amazônia de indústrias, mas sim aproveitar as potencialidades locais para promover o avanço da economia e, consequentemente, do mercado de trabalho, com as necessárias proteções sociais”, pondera Duarte, que contou com bolsa de estudo concedida pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), agência de fomento do Ministério da Educação.

Imagem de capa JU-online
Foto: Antonio Scarpinetti

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