Editora de Francisco de Paula Brito, filho e neto de escravos libertos, teve entre seus escritores o jovem Machado de Assis
Enquanto realizava as pesquisas para a elaboração da sua dissertação de mestrado, defendida em 2010 na Unicamp, sobre a produção ficcional do jovem Machado de Assis, Rodrigo Camargo de Godoi deparou com uma personagem bastante citada na historiografia, porém até então pouco estudada: o tipógrafo, livreiro e editor negro Francisco de Paula Brito. Concluído o trabalho, o historiador decidiu tomar a trajetória de Paula Brito como tema da sua tese de doutorado, também defendida na Universidade, em 2014. Este segundo estudo deu origem ao livro Um editor no Império: Francisco de Paula Brito (1809-1861), que será lançado no próximo dia 11 de abril, a partir das 19h, na Livraria da Vila, no Galleria Shopping, em Campinas.
Antes do lançamento do livro, no mesmo dia, a partir das 16h, na Sala da Congregação do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), o autor participará de uma mesa redonda que discutirá a atuação dos editores no Brasil do século XIX. Também tomarão parte no debate as professoras Márcia Abreu, do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL), e Silvia Hunold Lara, do IFCH.
Editado pela Editora da Universidade de São Paulo (Edusp), o volume corresponde ao conteúdo da tese de Godoi. “Porém, esforcei-me para escrever um livro acessível a todas as pessoas que se interessam por história, mais especificamente sobre a história da imprensa e do livro no Brasil”, destaca o autor. A obra de Godoi está inserida no segmento que os especialistas denominam de “biografia histórica”.
Em seu livro, o autor traz à luz aspectos da trajetória profissional de Paula Brito, mas também do seu envolvimento com questões sociais e políticas que marcaram o Rio de Janeiro e o Brasil na primeira metade do Século XIX. Segundo o historiador, o editor foi filho e neto de escravos libertos. “Paula Brito integrou uma intelectualidade negra que nasceu entre o final do Século XVIII e a primeira década do Século XIX. Jovens negros que contavam entre 20 e 30 anos de idade durante o processo de Independência do Brasil. Ou seja, entender a cidadania de ‘homens de cor’ no império perpassa o estudo dos caminhos da liberdade ainda na Colônia”, relata Godoi.
Conforme o historiador, uma das primeiras atividades profissionais de Paula Brito foi a de tipógrafo, ofício relativamente novo no Brasil, dado que a imprensa chegou tardiamente ao país, a partir de 1808. “Paulo Brito ingressou como aprendiz de tipógrafo na Tipografia Nacional. É importante lembrar que esta era uma função especializada, que exigia um bom domínio da língua portuguesa, o que não era problema para um jovem proveniente de uma família de ex-escravos já alfabetizada”.
O perfil empreendedor da personagem biografada por Godoi surgiria somente no começo da década de 1830, quando Paula Brito comprou a livraria de seu primo, o pardo Silvino José de Almeida, e a transformou posteriormente numa das maiores tipografias do Segundo Reinado, tendo tido o imperador D. Pedro II e a imperatriz Tereza Cristina entre seus acionistas. Naquela época, as livrarias funcionavam como “armarinhos”, vendendo sabonete, charuto, carteiras e, obviamente, livros e periódicos.
Seguindo um movimento que acontecia quase que simultaneamente em outras cidades, como Boston, Paris e Nova York, Paula Brito iniciou-se na atividade editorial no Rio de Janeiro um pouco antes da fundação da sua Empresa Tipográfica Dous de Dezembro. Mais tarde, esta foi elevada à condição de um dos maiores parques gráficos do Rio de Janeiro. “Naquele momento, Paula Brito percebeu que precisava investir em escritores brasileiros que escrevessem narrativas sobre temas brasileiros. Só assim ele conseguiria se destacar em um mercado editorial marcado pelo consumo massivo de narrativas francesas”. Nos anos 1840, o escritor escolhido foi o também afrodescendente Antonio Gonçalves Teixeira e Sousa. Machado de Assis passaria a figurar nos catálogos da editora já em fins dos anos 1850, informa o autor do livro.
Para alcançar destaque como editor, pontua Godoi, Paula Brito aproximou-se da elite política de então, sobretudo de membros atuantes do Partido Conservador, o que lhe rendeu vantagens como o acesso a financiamentos para seus projetos. “Um aspecto importante a ressaltar é que a empresa de Paula Brito nasceu no instante em que ocorria o desmanche do negócio negreiro no Brasil. Em 1850, quando o tráfico transatlântico de escravos foi definitivamente abolido, um imenso capital tornou-se inativo. Parte substancial desses recursos foi, então, destinada à constituição de diversas sociedades comanditárias e anônimas no Rio de Janeiro, entre as quais a Empresa Dous de Dezembro”.
O sucesso da Dous de Dezembro durou até 1857, quando a empresa faliu. Paula Brito tentou reerguer os negócios por meio de pedidos de empréstimos ao governo, mas não obteve êxito. “Ele morreu em 1861, deixando muitas dívidas para a viúva, Rufina Rodrigues da Costa Brito”. De acordo com Godoi, a trajetória de Paula Brito ajuda a ampliar o entendimento acerca de vários episódios da história brasileira, como a formação da intelectualidade negra, a constituição das primeiras leis relativas à imprensa e a reconversão dos capitais do tráfico negreiro, aplicados na criação de diversos negócios, um deles o de Paula Brito. “O que procurei fazer foi justamente contribuir para a construção do conhecimento em torno desses temas, me valendo das vivências e experiências de uma personagem tão rica”, finaliza o historiador.
Serviço
Título: Um editor no Império: Francisco de Paula Brito (1809-1861)
Autor: Rodrigo Camargo de Godoi
Editora: Edusp
Páginas: 392
Preço sugerido: R$ 44,00