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Para entender a voz over em João Moreira Salles

Recurso mostrou-se uma escolha estética importante do documentarista em Santiago, lançado em 2007

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Sobreposta a imagens em preto e branco, a voz de um narrador invisível e fora da cena do filme reflete junto aos espectadores sobre as lembranças da casa, da infância e as relações de poder e subordinação entre a família e o mordomo Santiago. O recurso, chamado tecnicamente de voz over, foi uma importante escolha estética do documentarista brasileiro João Moreira Salles, no filme Santiago, lançado em 2007. Salles também é autor, entre outros, de Entreatos (2004), Nelson Freire (2003), Futebol (1998) e Jorge Amado (1995).

Foto: Reprodução
João Moreira Salles | Foto: Reprodução

“A obra de João Salles coincide com parte da história do documentário nacional, se levarmos em conta o uso da voz over. No início da sua filmografia, a produção se apoia no verbal, no texto narrado por um ator, para em segundo momento deslocar seu uso e finalmente retomar de modo mais reflexivo, com a voz em primeira pessoa, como em Santiago”, explica a jornalista Patrícia Lauretti, que acaba de concluir estudo sobre o tema junto ao Instituto de Artes (IA) da Unicamp.

No seu trabalho, Lauretti buscou compreender, na filmografia de João Salles, de que forma a voz over configurou diferentes experiências e sentidos. Além de análise dos trechos narrados das obras, a pesquisadora realizou entrevista por e-mail com o próprio documentarista. A pesquisa integrou mestrado orientado pelos professores do IA Gilberto Alexandre Sobrinho e Nuno César Pereira de Abreu (falecido em 2016).

“A questão central na minha investigação foi compreender como a voz over media as relações que se estabelecem entre o documentarista, os sujeitos filmados e também entre o espectador e o filme”, explica a jornalista, que atua junto à Secretaria de Comunicação da Unicamp.

Foto: Antonio Scarpinetti
A jornalista Patrícia Lauretti, autora da dissertação: análises e entrevista com o documentarista

Trajetória em caracol

A autora da pesquisa identificou de que maneira o uso da voz over aparece em três momentos da carreira de João Salles. Lauretti menciona o termo “trajetória em caracol”, usado inclusive pelo autor, para sintetizar o movimento que o documentarista faz em sua carreira. “João Salles sai de uma produção que retrata o estrangeiro, como um estrangeiro, para, num segundo momento, se aproximar das questões importantes para o seu país e, finalmente, na terceira fase, voltar-se para dentro da sua própria história.”

Nas primeiras séries produzidas para a extinta TV Manchete, como China, o império do centro (1987) e América (1989), o autor emprega o recurso de modo mais tradicional, característica do cinema documentário expositivo.

“Nesta primeira fase a voz over representa um personagem que vai nos trazer as impressões e informações de países e situações que não tivemos a oportunidade de conhecer ou vivenciar. A voz over é um instrumento de veiculação desse olhar, um olhar fechado e que não dá abertura a nenhum tipo de questionamento”, caracteriza.

Na segunda fase, a voz over é completamente modificada, conforme a autora da pesquisa. Em Jorge Amado (1995), Futebol (1998), Notícias de uma guerra particular (1999) e Seis histórias brasileiras (2000) aparece um narrador mais ‘afetivo’ que se envolve com a história. “Em vez do olhar do estrangeiro, para o estrangeiro, como na primeira fase, aqui encontramos um narrador que fala de dentro, para dentro”, compara Lauretti.

Há ainda, conforme a jornalista, a terceira fase realizada para o cinema, constituída pelas obras Nelson Freire (2002), Entreatos (2004) e Santiago (2007). Nesta etapa estão mais intensas no recurso estético questões relacionadas à intimidade, afeto e estar próximo da experiência do cinema. “João Moreira Salles procura se abrir à indeterminação do mundo histórico, das circunstâncias e ao que ocorre quando a câmera está ligada. A narração não mais determina as relações que se estabelecem com o filme, mas é um dos fatores determinantes.”

 

 

Imagem de capa JU-online
Foto: Reprodução

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