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Tese mostra subserviência de estatais ao capital internacional

Estudo sustenta que empresas foram instrumentalizadas entre os anos de 1956 e 1998

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As empresas estatais brasileiras foram instrumentalizadas por sucessivos governos entre os anos de 1956 e 1998 para atender aos interesses do capital internacional. Uma das consequências desse processo, que priorizou entre outras questões o pagamento dos juros da dívida externa em detrimento da industrialização, foi o avanço do subdesenvolvimento no país. A análise é feita pelo economista Carlos Henrique Lopes Rodrigues em sua tese de doutorado intitulada “Imperialismo e Empresa Estatal no Capitalismo Dependente Brasileiro (1956-1998)”, defendida no Instituto de Economia (IE) da Unicamp. O orientador do estudo foi o professor Fábio Antonio de Campos.

Em seu trabalho, Rodrigues também defende a hipótese de que a estratégia de utilizar as estatais para favorecer o capital internacional, por meio da concessão de vantagens às multinacionais instaladas no país, experimentou um forte impulso a partir dos anos 1980, quando o país começou a implementar o neoliberalismo. “Embora diversos autores considerem que o ajuste neoliberal tenha sido incorporado pelo país na década de 1990, existem evidências de que isso começou a ocorrer bem antes”, afirma o pesquisador.

Uma dessas evidências, segundo o economista, foi a criação, no final de 1979, durante o governo de João Baptista Figueiredo, da Secretaria de Controle das Empresas Estatais (SEST), instância ligada ao Ministério do Planejamento, então sob o comando de Delfim Netto. “A SEST promoveu ajustes que anteciparam as medidas exigidas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) no período de 1983 a 1985. Tais iniciativas sinalizavam para a adoção de ações de caráter neoliberal. O reconhecimento da chegada do neoliberalismo ao país a partir da década de 1990 é o coroamento de um processo que já se delineava anteriormente”, assegura Rodrigues.

Foto: Divulgação
O economista Carlos Henrique Lopes Rodrigues, autor do estudo: “As estatais foram utilizadas para ajudar as empresas multinacionais a se instalarem por aqui. Estas, obviamente, atendiam aos interesses das matrizes”

De acordo com o autor da tese, a estratégia de instrumentalização das estatais cumpriu três etapas. Inicialmente, diz, elas foram fortalecidas justamente para atender aos interesses de acumulação privada das empresas multinacionais no espaço nacional, notadamente as norte-americanas. “O governo brasileiro passou a investir em setores que exigiam grandes recursos e um período de maturação extenso. O capital privado internacional não tinha, naquele momento, interesse em realizar ele próprio esses investimentos e aguardar o retorno no longo prazo. O governo também passou a fornecer bens e serviços de forma subsidiada às multinacionais”, explica.

O fortalecimento das estatais, observa Rodrigues, em concordância com o sociólogo Florestan Fernandes, não significava que o país estivesse caminhando em direção ao capitalismo autônomo. “Na prática, esse movimento aumentou a dependência externa do Brasil. As estatais foram utilizadas para ajudar as empresas multinacionais a se instalarem por aqui. Estas, obviamente, atendiam aos interesses das matrizes”, sustenta o pesquisador.

A segunda etapa do processo consistiu no enfraquecimento das estatais, já com vistas às suas futuras privatizações. “O governo lançou mão de diversos artifícios para convencer a opinião pública de que as estatais eram as causadoras do desequilíbrio da economia brasileira. Segundo esse argumento, elas estariam causando inflação, desequilíbrio do balanço de pagamentos e comprometendo a geração de empregos”, relata Rodrigues. Uma das manobras executadas com esse propósito, destaca o economista, foi juntar universidades, hospitais e outras instituições que não tinham o objetivo de gerar receitas às contas do setor público, como forma de justificar que o déficit dessas contas era fortemente pressionado pelas estatais.

A terceira e última fase do processo consistiu na formulação de decretos, medidas provisórias e leis que favoreceram as privatizações, a partir da década de 1990, “o que também beneficiou as multinacionais”, de acordo com o autor da tese. “Naquele momento, as estatais foram revigoradas, mas com a única finalidade de se tornarem ativos mais interessantes para seus futuros controladores. Estas, juntamente com aquelas que já eram lucrativas, foram repassadas ao capital privado nacional e internacional, principalmente, sendo que algumas foram vendidas por valores muito inferiores ao seu real preço de mercado”, atesta.

Rodrigues ressalta, ainda, alguns escândalos que envolveram essas privatizações, como o chamado “Grampo do BNDES”, ocorrido no primeiro governo do presidente Fernando Henrique Cardoso. Além disso, Rodrigues destaca o caráter especulativo dado à grande participação do capital financeiro nos leilões e a significativa concentração de capitais no país a partir das aquisições das estatais, acentuando também a desnacionalização da economia.

Entre as empresas lucrativas que foram entregues ao controle privado, elenca Rodrigues, estavam a Vale e a Telebrás. “As três fases mencionadas fizeram parte de um único processo, cuja finalidade foi atender aos interesses imperialistas, que por sua vez reafirmaram o caráter dependente da economia brasileira”, reforça o autor da tese, que atualmente é professor do Curso de Ciências Econômicas da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM).

 

Imagem de capa JU-online
Carlos Henrique Lopes Rodrigues, autor do estudo

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