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Floresta amazônica, resiliência ou colapso?

Experimento científico investiga o comportamento do ecossistema frente à oferta extra de gás carbônico

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Nos anos iniciais da escola, aprendemos que as plantas realizam o processo de fotossíntese para produzir a energia necessária à sua sobrevivência. Dito de maneira simplificada, elas utilizam o gás carbônico (CO2) da atmosfera e a luz do sol para produzir glicose, espécie de açúcar que garante suas atividades vitais. De quebra, enquanto produzem glicose, as plantas devolvem oxigênio para o ambiente. Esse processo é tão importante que, sem ele, não haveria vida na Terra, dado que tais organismos estão na base da cadeia alimentar do homem e dos animais. Mas se o CO2 é tão importante para a fotossíntese, o que aconteceria se as plantas recebessem uma dose extra desse gás? Elas se tornariam mais produtivas? As respostas a estas e outras perguntas estão sendo investigadas por um grupo formado por cientistas brasileiros e estrangeiros, que participam do programa AmazonFACE, financiado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam) e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

Foto: Antoninho Perri
David Lapola, pesquisador do Cepagri-Unicamp, preside o Comitê Científico do AmazonFACE: “Nosso objetivo é obter dados que possam refinar a predição sobre o futuro da floresta, de modo a oferecermos subsídios para a tomada de decisões por parte das autoridades públicas”

O AmazonFACE nasceu da iniciativa de um grupo de cientistas, entre eles o ecólogo David Montenegro Lapola, recentemente contratado como pesquisador do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura (Cepagri) da Unicamp. Lapola é o atual presidente do Comitê Científico do programa. De acordo com ele, a principal questão trabalhada pelo grupo é: até que ponto a fertilização proporcionada pela oferta extra de CO2 pode aumentar a resiliência de uma floresta, no caso a amazônica, num contexto de mudanças climáticas, no qual ocorrem aumento de temperatura e alteração no regime de chuvas? “É a primeira vez que a ciência busca, numa região tropical, resposta para esta pergunta”, assinala Lapola. Segundo ele, experimentos assemelhados foram realizados em florestas temperadas, nos Estados Unidos e Europa, que obviamente apresentam características distintas da floresta amazônica. Em terras brasileiras, foram feitos dois experimentos do gênero, mas em menor escala e voltados para cultivos agrícolas.

O AmazonFACE, assinala o pesquisador do Cepagri/Unicamp, foi dividido em três fases. A primeira, iniciada em 2014, está sendo finalizada. Durante dois anos, os cientistas delimitaram e caracterizaram a área experimental, localizada no interior da floresta, a uma distância de 70 quilômetros ao norte da cidade de Manaus. Foram definidas oito áreas, em formato circular (anéis), cada uma com 30 metros de diâmetro. Quatro servirão de controle e outras quatro receberão uma dose 50% maior de CO2, o que fará com que a concentração em cada uma delas chegue a 600 partes por milhão (ppm). “Na segunda fase, que queremos iniciar no segundo semestre de 2017, vamos operar inicialmente com apenas dois dos anéis, sendo um deles controle. Nosso propósito é acompanhar como o anel fertilizado com CO2 se comportará em relação ao que receberá somente ar ambiente”, detalha Lapola.

Foto: Amazon Face
A área experimental do AmazonFACE foi instalada em plena floresta, a 70 quilômetros ao norte da cidade de Manaus

A segunda fase, continua o ecólogo, deverá durar mais dois anos. Ao final dela, virá a terceira e última etapa, quando as outras seis áreas experimentais entrarão em operação. Nesta, os testes se estenderão por dez anos. No Raio X que realizaram no sítio experimental, os cientistas já levantaram uma massa enorme de dados sobre o ecossistema local. “Nós medimos dezenas de parâmetros, o que nos permitirá analisar com precisão a resposta das plantas aos ensaios que promoveremos. Para dar uma ideia do que já foi feito, nós aferimos desde a velocidade e direção do vento até o nível de radiação solar, passando pelo ritmo de crescimento das raízes, o fluxo de seiva nos caules e a quantidade de fotossíntese realizada pelas folhas das árvores”, elenca o pesquisador do Cepagri/Unicamp.
 

Cenários

Mas qual seriam, afinal, o melhor e o pior cenário que o AmazonFACE poderia delinear sobre a floresta amazônica? A situação mais positiva, pondera Lapola, seria constatar que, a despeito da tendência do aumento da concentração de CO² na atmosfera e do possível agravamento das mudanças climáticas, a floresta é capaz de se mostrar resiliente, ou seja, de resistir a essas situações adversas, mantendo-se produtiva e sem perda significativa de biomassa. “Entretanto, podemos chegar a uma conclusão diferente. Estudos realizados nos Estados Unidos e Europa indicam que a fertilização por gás carbônico estimula a produtividade das plantas por um determinado período. Depois, no entanto, o organismo chega ao seu limite e ocorre uma inversão na curva de desenvolvimento, limitado sobretudo pela falta de nutrientes no solo”, adverte, para completar: “Nesse sentido, vale lembrar que os solos amazônicos são bastante pobres em nutrientes, sobretudo fósforo”.

Quando uma situação como essa ocorre em relação a uma floresta, continua o ecólogo, todo o ecossistema corre o risco de entrar em colapso. No caso da floresta amazônica, isso poderia levar, num período de uma a algumas décadas, à transformação daquele ecossistema em uma paisagem própria de savana ou cerrado. “Nosso objetivo é obter dados que possam refinar esse tipo de predição, de modo a oferecermos subsídios para a tomada de decisões por parte das autoridades públicas”, esclarece o presidente do Comitê Científico do AmazonFACE.

Foto: AmazonFACE
Pesquisadores já mediram diversos parâmetros do ecossistema local, como direção e velocidade do vento, nível de irradiação solar e a quantidade de fotossíntese realizada pelas folhas das árvores

Foto: AmazonFACE


Para dar sequência ao estudo, os pesquisadores estão tentando obter novos recursos financeiros. Uma das iniciativas nesse sentido será a realização de uma reunião na sede do BID, no início de junho, em Washington, durante a qual os cientistas apresentarão os resultados obtidos até agora com o AmazonFACE para instituições de fomento de diversos países. O objetivo é levantar recursos da ordem de R$ 10 milhões para a execução da segunda fase do programa. A primeira fase consumiu investimentos de aproximadamente R$ 3 milhões.

Implicações políticas e socioeconômicas

Embora o AmazonFACE esteja voltado ao entendimento dos processos ecológicos envolvendo a floresta amazônica, as pesquisas desenvolvidas pelo programa também têm importantes implicações políticas, sociais e econômicas, como reconhece Lapola. A floresta, registre-se, está distribuída por nove países e abriga aproximadamente 25 milhões de pessoas, população semelhante à da Coreia do Norte. Caso os prognósticos mais sombrios para a floresta se confirmem, a temperatura naquele ecossistema pode aumentar até seis graus e o volume de chuvas pode ser reduzido em 60%.

Nesse cenário, observa o pesquisador do Cepagri/Unicamp, haveria uma situação de seca prolongada, o que afetaria a rotina dos moradores e as atividades produtivas. “Uma alteração climática tão drástica secaria os rios, que são as principais vias de transportes de passageiros e cargas na região. Com menor volume de água nos rios, as hidrelétricas instaladas na região também seriam impactadas, o que refletiria na produção industrial. Uma das consequências da conjugação desses fatores poderia resultar até mesmo em uma migração em massa dos moradores das áreas de florestas para os centros urbanos, o que por sua vez alteraria a dinâmica de urbanização dessas grandes cidades amazônicas. Na hipótese de tudo isso se confirmar, os países teriam que criar políticas públicas para tentar minimizar todos esses impactos negativos”, alerta Lapola.

Embora essas predições estejam no campo das hipóteses, o AmazonFACE, entende Lapola, deve alavancar a discussão e a elaboração de políticas de adaptação a essas eventuais mudanças. O programa conta atualmente com um grupo formado por 13 cientistas, que atuam no Brasil, Estados Unidos, Austrália e Europa. No Brasil, estão envolvidas nas pesquisas as seguintes instituições: Unicamp, Unesp, USP (São Paulo e Ribeirão Preto), Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), UFAM (Universidade Federal do Amazonas), EMBRAPA Amazônia Oriental e UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul). A coordenação institucional do programa é feita pelo Inpa, que é vinculado ao MCTIC.

 

Imagem de capa JU-online
Pesquisadores em campo na floresta Amazônia

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