Ninhos descobertos na Argentina ajudam a entender morfologia das rochas e podem ser úteis na localização de reservas de água, petróleo e jazidas
Artigo recém-publicado no periódico Palaeogeography, Palaeoclimatology, Palaeoecology apresenta estudo das rochas nas quais foram encontrados 21 ovos inteiros de titanossauros e vários outros fragmentos. O trabalho, coordenado pelo geólogo Giorgio Basilici, professor do Departamento de Geologia e Recursos Naturais do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp, contribui para a localização de reservas de água, petróleo, e jazidas e a criação de modelos climáticos. Os ovos foram descobertos nos arredores da cidade de Tama, província de La Rioja, Argentina, durante atividade de campo.
Embora publicações que tratam dos aspectos taxonômicos, paleoambientais ou paleontológicos de titanossauros, ou de dinossauros em geral, sejam comuns na literatura, pouquíssimos são os estudos sobre as rochas em que se encontram ovos de titanossauros. Essa abordagem, afeta aos geólogos, pode fornecer importantes informações sobre: a) o ambiente em que os ovos foram depostos, detalhando as condições morfológicas, climáticas e ecológicas das áreas; b) a razão da escolha dos locais para a desova; c) o modo de deposição dos ovos; e d) as condições que permitiram suas preservações. Com vistas a encontrar respostas para estas questões, após a descoberta dos ovos, uma longa pesquisa de campo foi planejada e amostras de solo foram coletadas para análises geoquímicas, micromorfológicas, petrográficas e microtexturais nos laboratórios da Unicamp.
Os titanossauros fazem parte de um grupo de dinossauros sauropodes que viveram no Cretáceo entre 66 milhões a 145 milhões de anos. Tinham 25 m a 40 m de comprimento e de 10 m a 20 m de altura, cabeça pequena em relação ao corpo, patas de elefante e provavelmente viviam em bandos que migravam principalmente em função da disponibilidade de comida. Os ovos encontrados são os que não conseguiram completar o ciclo de incubação e, por permanecerem nos sítios de deposição, não são tão raros de encontrar como pode parecer.
Resultados
A elaboração dos dados obtidos levou os pesquisadores a um primeiro resultado: as rochas em que os ovos foram encontrados correspondiam a paleossolos, ou seja, solos enterrados e superpostos em camadas, que se formaram na superfície terrestre entre 66 milhões a 100 milhões de anos (Cretáceo Superior). Os materiais que os constituem são arenitos originados por transporte e sedimentação oriundos de águas superficiais e ventos.
Já o estudo dos paleossolos revelou os aspectos ecológicos, climáticos, morfológicos e a evolução temporal do ambiente em que os titanossauros depuseram os ovos. Com efeito, nos paleossolos encontra-se com frequência restos de raízes de herbáceas associadas a raízes de arbustos e de plantas de dimensões maiores. Estas últimas revelam raízes pivotantes (como as da cenoura) de 30-40 cm de diâmetro e com mais de 10 m de comprimento, indicativas de condições semiáridas, exigindo que as raízes procurassem água em terrenos mais profundos e a armazenassem para o período mais seco. Entre outras evidências, a acumulação de carbonato de cálcio nesses solos também sugere condições climáticas semiáridas, que levou ao processo de fossilização e transformou a casquinha do ovo em calcário.
As análises mostraram ainda que o tempo de desenvolvimento de cada um dos perfis de paleossolos foi extremamente breve, em geral muito inferior a mil anos, mas que os solos lentamente subiam em decorrência do aporte contínuo de sedimentos transportados por ventos e ribeirões. Esse tipo de paleossolo é chamado de cumulativo, por resultar da acumulação de sedimentos. A superposição de camadas, como mostra a figura, faz com que a superfície desses paleossolos se elevasse continuamente, daí decorrendo o contínuo rejuvenescimento do solo e a formação de paleossolos.
Sobre a importância do conhecimento dos paleossolos, o professor Giorgio Basilici explica: “O desvendamento dos paleossolos não atende apenas às necessidades dos paleontólogos, mas tem uma utilidade polivalente na geologia. Seu conhecimento e seu estudo permitem localizar reservatórios de água ou de hidrocarbonetos (petróleo), reservas de carvão, de urânio ou de fosfatos, definir o tempo de formação das rochas sedimentares, conjeturar sobre o clima do passado e ainda ajudam a construir modelos para previsões de variações climáticas para o futuro”.
Explicações e decorrências
O modelo proposto pelos pesquisadores com base nos trabalhos de campo e nas análises laboratoriais permitiu respostas a indagações inicialmente levantadas pelos pesquisadores. Eles foram levados a concluir que o lugar em que os titanossauros depunham ovos em Tama era ideal para incubação e nascimento dos filhotes. E embora a área fosse caracterizada por um clima semiárido, durante a estação mais úmida a cobertura vegetal devia ser relativamente abundante para sustentar a espécie.
Os ovos foram encontrados abaixo da superfície do paleossolo, indicando que foram depostos dentro de uma escavação. O fato de os sedimentos que os cobriam serem idênticos aos que se situavam ao redor sugere que esses animais os acobertavam com o mesmo material da escavação.
Os pesquisadores concluíram ainda que a preservação dos ovos de titanossauros de Tama deve-se ao tipo de paleossolo formado. Os ovos não fecundados permaneceram no solo cumulativo. Com o seu crescimento, em vista da deposição progressiva de sedimentos, poucos anos foram suficientes porque se encontravam em profundidade suficiente para impedir os efeitos destrutivos dos normais processos de formação do solo (pedogénese). Este raciocínio suscitou aos pesquisadores outra questão: seriam os ovos de titanossauros encontrados em outras regiões preservados em decorrência da formação de paleossolos cumulativos?
A publicação tem como coautores os pesquisadores Esteban Martín Hechenleitner e Lucas Ernesto Fiorelli, do Centro Regional de Investigaciones Científicas y Transferencia Tecnológica de La Rioja, Provincia de La Rioja, Argentina; Patrick Führ Dal Bó, do Departamento de Geología do Instituto de Geociências da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Nigel Philip Mountney, Fluvial & Eolian Research Group, School of Earth and Environment, University of Leeds, Leeds, Grã-Bretanha. Das atividades de campo, além de Basilici, Hechenleitner e Fiorelli, participaram também Sergio de la Vega e Tonino Bustamente, do mesmo centro.