Professor fundamenta estudo em intervenção pedagógica feita com alunos de graduação
Avaliar a eficácia de uma intervenção pedagógica com vistas à construção da competência do juízo moral em jovens universitários foi ao que se propôs o professor Antonio Douglas de Moraes, com base em referenciais teóricos da Psicologia Genética de Jean Piaget. A competência moral é avaliada pela aproximação entre o que a pessoa julga correto e sua ação relacionada a esse julgamento. Desta forma, competência é uma habilidade mais que uma atitude. Por exemplo, embora uma pessoa considere errado ocupar a vaga de um idoso, existem aquelas que não agem de acordo com o que julgam correto.
Estudos evidenciam que a educação básica e o ensino médio nem sempre favorecem concomitantemente o desenvolvimento cognitivo e moral. Em decorrência, grande parte dos jovens chega à universidade sem atingir o desenvolvimento moral e ético esperado. Quando, inclusive nos cursos de graduação, a preocupação está centrada apenas nos conteúdos programáticos é bem provável que o desenvolvimento da moralidade não acompanhe o desenvolvimento cognitivo, o que acarreta prejuízos interpessoais e sociais, o que tem preocupado diversas áreas acadêmicas como as da pedagogia, psicologia, saúde. A pergunta que se coloca então é: há ainda possibilidade de minimizar o problema nesse público?
Daí surgiu a ideia de realizar uma intervenção pedagógica, consolidada através de pesquisa realizada com 30 estudantes dos cursos de graduação em filosofia e teologia de uma universidade particular, selecionados por sorteio dentre um universo de 300 alunos. A intervenção, realizada junto ao Laboratório de Psicologia Genética da Faculdade de Educação (FE) da Unicamp, baseou-se em técnicas e procedimentos vivenciados e inspirou-se no denominado Processo de Solicitação do Meio, de autoria da professora Orly Mantovani de Assis, orientadora do trabalho, que se vale de situações enfrentadas pelos estudantes no seu dia a dia.
A referida intervenção, realizada no espaço de um ano, revelou quantitativamente e, sobretudo, qualitativamente progresso significativo dos participantes em direção à autonomia moral. Tais resultados surpreenderam o autor pois pesquisas anteriores, realizadas com os mesmos objetivos, não resultaram em progresso na construção da autonomia, motivo pelo qual muitos pesquisadores concluíram que no campo moral as intervenções pedagógicas são eficientes apenas quando utilizadas em crianças e pré-adolescentes.
A motivação da pesquisa decorreu da constatação de que alunos de nível superior mostravam-se receosos ao se manifestarem em aula, revelando-se pouco à vontade para iniciativas relacionadas a suas vivências diárias, preferindo acatar sem contestação ou espírito crítico o que o professor dizia, talvez porque não estivessem acostumados a fazê-lo na vida escolar pregressa, por falta de incentivos que os levassem a pensar, dar opiniões e tomar decisões. Foi quando o pesquisador, fundamentando-se em estudos que já havia realizado, aventou a possibilidade de que esse comportamento poderia estar relacionado à questão da autonomia moral. Para ele, cabe ao educador contribuir para que futuros profissionais progridam também na conquista da autonomia intelectual e moral.
Diante disso, a pesquisa pretendeu verificar se em um ambiente cujas relações sejam baseadas na reciprocidade, generosidade, respeito mútuo, os alunos teriam oportunidade de progredir no desenvolvimento da competência do juízo moral. Esta nada mais é do que a habilidade de um indivíduo ver as implicações de uma situação moral, organizá-la e aplicar regras e princípios morais e éticos em situações concretas, pois o comportamento ético está relacionado com o julgamento moral.
A intervenção pedagógica utilizou vários procedimentos. Um deles coloca o educando diante de dilemas morais. Por exemplo, entre dois pacientes que chegaram sucessivamente ao pronto-socorro, precisando de atendimento imediato, qual deve ser atendido primeiro? Qualquer das decisões gera dúvidas e conflitos. Este procedimento faz com que os alunos analisem e pensem, posicionem-se, percebam-se, sintam-se participantes, levando-os a propor soluções e principalmente a desenvolver a consciência de que precisam respeitar a decisão do outro. No caso, o que mais importa é a qualidade da argumentação utilizada para respaldar a decisão, a partir de análises do que pode vir a ocorrer e que envolve questões éticas que exigem posicionamento moral.
Outra estratégia utiliza conflitos interpessoais. Quando eles surgem é comum que uma autoridade imponha uma solução, impedindo que os próprios envolvidos os resolvam. Levar os alunos a discutir e resolver os seus próprios conflitos contribui para o desenvolvimento moral. Deve-se dar ou não esmola? É um dilema que gera um conflito que não é resolvido por uma decisão externa, cabendo a cada pessoa solucioná-lo. A pessoa é levada a pensar por meio de estímulos, daí a importância da intervenção pedagógica.
Resultados
A propósito, Douglas afirma: “A moral e a ética são construídas. Os resultados permitem constatar que é possível favorecer o desenvolvimento moral e ético e que isso não acontece naturalmente, mas precisa ser aprendido e desenvolvido por métodos ativos”.
Por meio de instrumentos já validados, ele observou nos componentes do grupo mudanças de comportamentos, como maior espontaneidade, criatividade, espírito de cooperação, empatia, mais disponibilidade de ajuda os pares, autoconsciência e produtividade. Particularmente chamou a atenção, a busca de valores não ligados à autopromoção, comprovados quantitativamente por meios estatísticos, mas também qualitativamente pela observação. Todas as comprovações foram estabelecidas comparando dados e observações colhidas junto aos participantes do grupo estudado e aos demais alunos dos cursos de filosofia e teologia que não participaram das intervenções.
Para o pesquisador o grande diferencial da pesquisa é o de ter mostrado que a intervenção pode ser utilizada com sucesso mesmo em jovens adultos, pois esses procedimentos são muito mais fáceis e comuns de serem empregados em crianças ou pré-adolescentes e os poucos relatos com adultos em geral não revelaram bons resultados.
Ele defende que, por meio da prática pedagógica que utiliza, o educador pode contribuir para o desenvolvimento da competência moral. Para a construção da autonomia moral é preciso que as relações entre o professor e os alunos sejam fundamentadas no respeito mútuo, na reciprocidade e na cooperação. É necessário também que os alunos tenham oportunidade de desenvolver a auto regulação, o respeito às regras negociáveis estabelecidas conjuntamente com colegas e educadores, como também às da instituição educacional, que não são negociáveis. Trata-se, pois, de uma educação que valoriza a iniciativa, a responsabilidade, a escolha, a tomada de decisões, a disciplina e as sanções por reciprocidade.