Ettore Segreto, professor do Instituto de Física da Unicamp, vai comandar consórcio que integra o megaexperimento Dune
O físico Ettore Segreto, professor do Instituto de Física Gleb Wataghin, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), foi nomeado líder do Dune Photon Detection System, um dos cinco consórcios internacionais que integram o megaexperimento Dune – Deep Underground Neutrino Experiment.
Com sede no Fermilab (Fermi National Accelerator Laboratory), Estados Unidos, o Dune é o mais ambicioso experimento já idealizado para o estudo dos neutrinos (leia mais sobre o projeto em http://agencia.fapesp.br/25451/).
A colaboração internacional responsável pelos cinco consórcios encarregados de levá-lo adiante já reúne 970 pesquisadores, de 164 instituições, de 31 países. Para o êxito do empreendimento, o sistema de fotodetecção (Dune Photon Detection System) é crucial, pois será por meio da cintilação produzida pela passagem dos neutrinos através de gigantescos tanques de argônio líquido que os pesquisadores esperam obter informações fundamentais sobre a formação do Universo e a estrutura do mundo material.
Doutorado em física pela Università degli Studi dell'Aquila, tradicional universidade pública italiana, fundada em 1596, Segreto veio para o Brasil incentivado por sua esposa e colaboradora, Ana Amélia Bergamini Machado, atualmente professora do Centro de Ciências Naturais e Físicas, da Universidade Federal do ABC (UFABC). Foi Machado que o convenceu a concorrer ao cargo de professor na Unicamp. Aprovado no concurso, Segreto solicitou e obteve suporte financeiro da Fapesp, por meio do porgrama Apoio a Jovens Pesquisadores em Centros Emergentes.
“O apoio da Fapesp tem sido fundamental, tanto para mim quanto para todos os outros cientistas de instituições brasileiras envolvidos no Dune”, disse o pesquisador. A Fapesp apoia a participação brasileira por meio do Projeto Temático “Desafios para o Século XXI em Física e Astrofísica de Neutrinos”, coordenado por Orlando Luis Goulart Peres, e do auxílio à pesquisa no âmbito do Jovens Pesquisadores “Programa de argônio líquido na Unicamp", coordenado pelo próprio Segreto. Recentemente, apoiou também a realização do “DUNE Workshop”, organizado por Segreto e Machado.
Arapuca para detectar fótons
Em um fluxo criativo, enquanto viajavam de carro por uma estrada italiana, o casal de pesquisadores concebeu um dispositivo engenhoso e barato para detecção de fótons. Denominado Arapuca, o equipamento está em análise pelo consórcio internacional e tem grande chance de ser adotado como um dos principais componentes do sistema de fotodetecção do Dune. A decisão deverá ser anunciada em dois ou três meses.
O Arapuca é uma espécie de armadilha para capturar a luz. “Um dos desafios para o sistema de fotodetecção do Dune é que os tanques de argônio onde deverão ocorrer as cintilações são muito grandes e os sensores de luz disponíveis são muito pequenos. Em particular, os sensores de silício que serão utilizados têm uma superfície coletora da ordem de apenas um centímetro quadrado [1 cm2]. A função do Arapuca é aumentar a área de coleta e aprisionar os fótons coletados dentro de uma caixa, para disponibilizá-los aos sensores”, afirmou Segreto.
O pesquisador explicou, passo a passo, como isso é feito: “A interação das partículas geradas pelos neutrinos com o argônio líquido dos grandes tanques produz luz com comprimento de onda de 128 nanômetros. Por meio de um filtro, modificamos o comprimento de onda para 350 nanômetros. Como a janela do Arapuca é transparente para esse comprimento de onda, os fótons conseguem entrar. Porém, uma vez lá dentro, usamos um segundo filtro para fazer o comprimento de [onda retornar aos] 128 nanômetros. E os fótons não conseguem sair, porque a janela é opaca para esse comprimento de onda. Aprisionados, eles ficam ricocheteando nas paredes altamente reflexivas da caixa, até serem captados pelos sensores colocados no interior”.
Esses filtros, chamados genericamente de wavelength shifters (deslocadores de comprimento de onda), são constituídos por materiais orgânicos (hidrocarbonetos policíclicos aromáticos) que absorvem fótons em uma banda de frequências e os reemitem em outra. No caso, serão utilizados o para-terfenilo e o tetrafenil butadieno. O Arapuca já foi incorporado ao sistema de fotodetecção do ProtoDune, um protótipo em grande escala do Dune, que está sendo construído e deverá entrar em operação no CERN (Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear) em outubro de 2018. Responsáveis pelo sistema de fotodetecção do ProtoDune, Segreto e Machado encontram-se atualmente no CERN, de onde o pesquisador falou para a Agência Fapesp.
“A função do ProtoDune é testar todas as soluções tecnológicas e técnicas que serão utilizadas posteriormente no Dune”, informou o pesquisador. “O teste não será feito com neutrinos, mas com um feixe de partículas eletricamente carregadas, produzidas por um dos aceleradores do CERN, e apontadas para um detector com cerca de mil toneladas de argônio líquido. Já o Dune utilizará, no total, 70 mil toneladas de argônio líquido, 40 mil das quais comporão o tanque de detecção propriamente dito”, continuou.
Os objetivos, o histórico e o modus operandi do Dune foram descritos em detalhes em reportagem anterior da Agência da Fapesp [leia aqui]. Resumidamente, o acelerador do Fermilab produzirá o mais poderoso feixe de neutrinos já estudado. Esse feixe será detectado duas vezes: primeiro, bem perto da fonte, no próprio Fermilab, no estado de Illinois; depois, a 1.300 quilômetros da fonte, no estado de South Dakota.
O segundo detector é o gigante preenchido por 70 toneladas de argônio, mantido em estado líquido por uma refrigeração a menos 184 graus Celsius. O que ele registrará serão os chuveiros de partículas e luz produzidos quando os neutrinos superenergéticos arrancarem de suas órbitas elétrons dos átomos de argônio. Um dos principais alvos do Dune é comparar, por meio das duas detecções, os padrões de oscilação dos neutrinos e dos antineutrinos (as antipartículas dos neutrinos). Se esses padrões não forem rigorosamente simétricos, isso fornecerá aos pesquisadores uma prova concreta da “violação de simetria de carga-paridade” (CPV).
A CPV é um ingrediente fundamental do chamado modelo padrão. E explica por que um universo que, no início, possuía quantidades idênticas de matéria e antimatéria se transformou em um universo no qual a matéria é amplamente predominante. Se a composição tivesse se mantido rigorosamente simétrica, matéria e antimatéria teriam se aniquilado. Mas, de acordo com o modelo, a violação de simetria gerou um pequeno excedente de matéria em relação à antimatéria. E foi esse excedente que resultou no universo material: galáxias, estrelas, planetas, vida, humanidade.
Além da violação de simetria, os pesquisadores da colaboração internacional esperam poder registrar também, no gigantesco tanque de argônio, um outro fenômeno, que não depende dos neutrinos: o decaimento do próton, previsto pela teoria, porém jamais observado. Se isso ocorrer – e há grande expectativa de que ocorra – o experimento terá proporcionado uma prova empírica da capacidade preditiva de modelos supersimétricos que buscam unificar três das quatro interações conhecidas: eletromagnética, nuclear forte e nuclear fraca.
O terceiro alvo do experimento é o aprimoramento de modelos acerca da formação de estrelas de nêutrons e buracos negros, mediante a observação de neutrinos provenientes do colapso de supernovas.
US$ 1 bilhão de investimentos
Os três objetivos são altamente relevantes. E justificam o investimento da ordem de US$ 1 bilhão e a atribuição ao Dune de uma importância tão grande quanto a do LHC (Large Hadron Collider). Enfocando fenômenos diferentes (neutrinos, no caso do Dune, e hádrons, no caso do LHC), os dois experimentos, bem como os supertelescópios atualmente em construção, são os marcos inaugurais de uma nova era no esforço humano para entender o Universo.
A nomeação de Segreto abre uma grande porta para a participação de cientistas de instituições brasileiras no empreendimento. E ele faz questão de enfatizar o papel desempenhado por Ana Amélia Bergamini Machado nesse particular. “Ela foi atrás de contatos no Brasil e nos demais países da América Latina, atraiu pesquisadores, e se empenhou em criar uma comunidade muito integrada e dinâmica. Estamos começando a colher os frutos desse trabalho”, reconheceu.
Quanto à sua agenda pessoal, o prognóstico é de muito trabalho nos próximos anos. “Vou ficar, agora, alguns meses no CERN, participando da construção do ProtoDune. Depois, devo voltar para o Brasil, porque uma grande parte do desenvolvimento do sistema de fotodetecção será feita na América Latina. Terei que viajar várias vezes por ano para o Fermilab, mas o centro de desenvolvimento vai ser na Unicamp”, disse.
Assista abaixo uma entrevista com Segreto, realizada por ocasião do “DUNE Workshop” na Fapesp, em que fala dos objetivos do ProtoDune e do Sistema de fotodetecção por ele proposto.
Mais sobre a arapuca
www.unicamp.br/unicamp/ju/676/arapuca-que-aprisiona-particulas-de-luz
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