Pesquisa do IG revela contradições e implicações no contexto do processo
A prática científica da modelagem climática se tornou central nas últimas décadas, influenciada pelo cenário das mudanças no clima e meio ambiente do planeta. Mas desenvolver modelos computacionais que permitam fazer previsões diárias, como as dos telejornais, ou mesmo as de longo prazo, requer infraestrutura de ponta e forte capacidade científica. Para o pesquisador Jean Carlos Hochsprung Miguel, que estudou o tema na Unicamp, poucos centros de pesquisa no mundo exercem a capacidade de representar processos atmosféricos em modelos de computador. É o caso, segundo ele, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).
“Com o desenvolvimento de modelos computacionais e focando neste tipo de ciência, o INPE se tornou protagonista nas redes de pesquisa sobre mudanças climáticas no Brasil. O instituto recebeu mais recursos, com os quais foi possível construir centros para estudos de alterações no clima. No momento, o INPE ambiciona fazer parte do seleto grupo de centros de pesquisa mundiais que desenvolvem modelos climáticos”, aponta o pesquisador.
Jean Miguel defendeu recentemente tese de doutorado sobre as políticas e infraestruturas das ciências atmosféricas, desenvolvendo um estudo de caso sobre o INPE. No trabalho, ele investigou como os modelos climáticos se tornaram ferramentas centrais nas redes de pesquisa e operação meteorológica e na política científica e climática nacional. Conduzida junto ao Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT) do Instituto de Geociências (IG), a pesquisa foi orientada pelo docente Marko Synésio Alves Monteiro.
Redes de governança global
O pesquisador afirma que o INPE passou a exercer hierarquia maior sobre as questões climáticas graças à produção de conhecimento em torno da modelagem. Ele acrescenta que o instituto brasileiro obteve desempenho não só científico, mas político nas redes sobre clima. Com o INPE, por exemplo, o Brasil foi o primeiro dos países emergentes a ter um modelo no IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas). Atualmente, apenas 11 nações, entre as quais o Brasil, contam com modelos climáticos junto ao órgão internacional.
“Ao desenvolver estes modelos, o INPE reposicionou o país nas redes de governança global sobre o clima. Se há capacidade de produzir modelos e estudos de modelagem, há como contribuir efetivamente para esse painel na base científica. É evidente que isso está associado não só ao desenvolvimento científico, mas a arranjos políticos que criaram condições para o INPE alçar novas condições de pesquisa.”
Jean Miguel esclarece que o IPCC congrega a base científica das mudanças climáticas no planeta, enquanto a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) constitui-se como uma arena política. “O meu trabalho aponta justamente para essa associação entre infraestrutura para pesquisa, produção de conhecimento relevante e a possibilidade de pautar as agendas nessa área, como acontece com o INPE.” Contradições e implicações O orientador do trabalho, Marko Monteiro, explica que após conquistar o protagonismo nacional, o INPE tem buscado a hegemonia global neste campo científico. Monteiro aponta, no entanto, para contradições e implicações no contexto deste processo.
“O principal achado da pesquisa revela que o INPE consegue hegemonizar a ciência climática no Brasil, investindo na modelagem. Neste momento o órgão participa de uma disputa no cenário global. Mas por outro lado, com o auge da crise financeira no país, falta dinheiro para bancar, por exemplo, os custos com o Tupã, o supercomputador adquirido pelo instituto em 2011.”
Jean Miguel acrescenta, por sua vez, que a modelagem climática exige infraestrutura de pesquisa de elevado custo e constante atualização. “O supercomputador do INPE, quando comprado, estava entre os 20 mais potentes do mundo. Hoje ele já caiu nessa lista. O país que quer se manter na ponta tem que estar atualizando constantemente as suas infraestruturas. Além disso, a busca pela hegemonização de uma ciência tão cara acaba criando uma centralização na produção de conhecimento apenas numa área de pesquisa.”