Pesquisadores da Unicamp desenvolvem métodos para agregar valor à jabuticaba e gerar produtos alimentícios benéficos à saúde
Ciência boa é aquela capaz de contribuir para a geração de conhecimento novo. Tão melhor se esse conhecimento proporcionar benefícios diretos para a sociedade. O princípio orienta, em boa medida, os estudos desenvolvidos no Laboratório de Nutrição e Metabolismo (Lanum) da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp. Coordenado pelo professor Mário Roberto Maróstica Júnior, o Lanum investiga as propriedades dos alimentos, entre eles as frutas, com o objetivo de desenvolver produtos nutritivos e funcionais para o consumo da população. Uma das frutas mais pesquisadas no Lanum é a jabuticaba, cujos compostos bioativos favorecem a redução do colesterol ruim, diminuem os radicais livres e a inflamação, além de auxiliar na melhora da cognição.
Nativa e abundante no Brasil, a jabuticaba vem merecendo a atenção dos pesquisadores da FEA-Unicamp desde 2008, a partir do ingresso de Maróstica Júnior no quadro de docentes daquela unidade de ensino e pesquisa. A equipe do Lanum tem explorado diferentes propriedades da fruta. Os trabalhos renderam, além da formação de recursos humanos qualificados, diversos artigos científicos e uma patente, em parceria com a professora Valéria Quitete, do Instituto de Biologia (IB), relativa ao desenvolvimento de um extrato da jabuticaba.
Mais recentemente, os pesquisadores decidiram levar o conhecimento gerado em laboratório até os produtores, com o propósito de agregar valor à fruta, por meio da sua transformação em diferentes produtos com propriedades funcionais. “Nós participamos de um edital do Faepex [Fundo de Apoio ao Ensino, à Pesquisa e à Extensão, mantido pela Pró-Reitoria de Pesquisa], na categoria Extensão, e obtivemos financiamento justamente para promover essa aproximação entre a ciência e o campo”, conta Maróstica Júnior.
De acordo com o docente, o contato entre as partes já existia, visto que as jabuticabas utilizadas nos experimentos realizados no Lanum são fornecidas por diversos produtores, principalmente de duas localidades: a cidade de Casa Branca, no interior de São Paulo, e o distrito de Joaquim Egídio, em Campinas. “Temos investigado as propriedades das frutas produzidas nessas regiões. Uma das constatações que fizemos é que elas apresentam pequenas diferenças entre si, o que indica a influência de variáveis como manejo, posição geográfica, clima e solo na sua composição”, afirma Maróstica Júnior.
Além disso, os cientistas também verificam que os compostos bioativos da jabuticaba, presentes tanto na polpa quanto na casca, têm ação benéfica sobre o organismo. “Nós descobrimos várias atividades nesse sentido. As pesquisas que realizamos tanto ‘in vitro’ quanto ‘in vivo’ indicam que esses compostos agem no sentido de melhorar os níveis de colesterol, ajudam a combater os radicais livres, concorrem para a redução da inflamação, melhoram a memória e contribuem para prevenir alguns tipos de cânceres, além de retardar o início do processo que pode levar ao Alzheimer”, elenca Maróstica Júnior.
A partir dessas constatações, a equipe do Lanum decidiu desenvolver métodos simplificados de aproveitamento da fruta, para posterior transferência para os produtores rurais. A intenção, conforme o docente da FEA-Unicamp, é criar possibilidades para o desenvolvimento de produtos comerciais que agreguem valor à fruta, gerando assim mais renda aos fruticultores e disponibilizando aos consumidores alimentos que podem trazer benefícios à sua saúde.
Até o momento, o laboratório desenvolveu três preparações – um chá, um suco e um extrato (já patenteado), além de uma geleia, esta última ainda em fase de aperfeiçoamento. “São processos simples, que podem muito bem ser reproduzidos pelos fruticultores. O chá, por exemplo, é uma infusão comum, como a que fazemos em casa com ervas como hortelã ou camomila. Nesse caso, usamos a casca da fruta. Obviamente, a transformação desses processos em produtos comerciais vai exigir algum investimento em infraestrutura e equipamentos por parte dos produtores”, pondera Andressa Mara Baseggio, doutoranda que integra a equipe coordenada por Maróstica Júnior.
Uma das pesquisas realizadas no Lanum foi conduzida pela então doutoranda Juliana Kelly Silva, que investigou a ação de um extrato aquoso, feito com a casca da fruta, sobre a microbiota intestinal de ratos saudáveis e com colite induzida. Em relação aos animais saudáveis, a pesquisadora verificou uma melhora da microbiota intestinal e não identificou qualquer sinal de toxidade hepática. “Quanto aos animais inflamados, verificamos que a administração do extrato reduziu o processo inflamatório e aumentou a presença das bactérias boas no intestino”, aponta Juliana.
Maria Preta
Proprietária da Fazenda Santa Maria, localizada no distrito de Joaquim Egídio, em Campinas, a engenharia agrônoma e chef de cozinha Susanna Von Bülow Ulson considera a aproximação entre pesquisadores e produtores de jabuticabas algo extremamente positivo e necessário. “Existe certo contato entre as partes, mas acredito que esse relacionamento possa ser intensificado, o que trará ganhos para todos”, afirma.
Atualmente, a Fazenda Santa Maria produz cerca de 5 toneladas da fruta por ano. Susana vende parte safra in natura, promove no início outubro um evento denominado “Colha e Pague”, no qual as pessoas pagam um ingresso e colhem as jabuticabas diretamente nos pés, e transforma o restante da produção em itens como geleia, licor, molho para carne, pó e massa (macarrão). “Eu procuro empregar o máximo de técnica na minha produção, de modo a garantir qualidade aos produtos. O suporte da ciência seria valioso para aprimorar ainda esse trabalho”, entende.
Segundo a engenheira agrônoma, diferentemente dela, há muitos produtores que não dispõem de conhecimento para transformar a jabuticaba em produtos com maior valor agregado. “Muita gente vende apenas a fruta in natura, sendo que uma parte da safra apodrece aos pés das jabuticabeiras. Com orientação e assistência técnica, esses fruticultores poderiam dar um destino mais nobre à fruta e ainda ampliar a sua renda”, analisa Susana, que é dona da marca Maria Preta, como ela trata carinhosamente a jabuticaba.
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