Desafios numéricos do pai ajudaram o químico Celso Almeida a ingressar na Unicamp
A maioria das crianças gostava de pega-pega, bets, mamãe da rua, empinar pipa, mas na hora em que seo Dema, industriário, reunia a família, a brincadeira preferida era instigar os filhos com desafios numéricos. Apesar de não ver todos os diplomas, pois um problema de saúde, em 1992, o privou desses momentos, as brincadeiras tiveram efeito positivo. Só para a área de exatas da Unicamp, suas “brincadeiras” encaminharam três filhos. Sérgio Ribeiro de Almeida cursou engenharia elétrica e foi trabalhar na Petrobras como engenheiro de petróleo; Valdeci Ribeiro de Almeida graduou-se em engenharia química e hoje está na Eletronuclear Angra dos Reis; e Celso Ribeiro de Almeida, mais conhecido como Celso da Cipa, do IB (Instituto de Biologia) ou do sindicato, graduou-se pelo Instituto de Química (IQ) e soma 34 anos no quadro de funcionários da Universidade.
Orgulhoso da trajetória da família, Celso acrescenta que todos os seis filhos de Seo Dema e Dona Ana lutaram pelo título de graduação. Maria Regina de Almeida, César Ribeiro de Almeida e Lúcia Helena Ribeiro de Almeida são formados em pedagogia e direito por outras universidades.
De forma lúdica, seo Dema fez o que muitos educadores e cientistas se propõem a fazer: desmistificou a ciência entre os filhos e estimulou a escolha por uma área de formação. Seo Dema tinha dinheiro e tempo de sobra para isso? Não, garante Celso; formou todos em escolas públicas, e ensinou a dar valor ao tempo e às oportunidades.
Naquele tempo, 1967, continuar a estudar não era fácil, pois havia poucas vagas e os escolares eram submetidos a um processo seletivo para ter acesso ao chamado ginásio, porém, Celso foi salvo por uma iniciativa do governo do Estado de São Paulo de expansão da oferta de vagas no ensino ginasial, justamente naquele ano. Como não passou no seletivo para o tão disputado Vilagelin Neto, aproveitou a porta que se abria. “Com a expansão, foi criado o Ginásio Campinas, onde funciona a Escola Estadual Francisco Glicério”, complementa. Hora de trocar bodoque e pipa pelo comboio em direção ao Largo São Benedito, onde se localizava o colégio. “Aos 11 anos, tive de começar a ir para a escola sozinho”, recorda.
Apesar de Seo Dema e Dona Ana não terem concluído a quarta série, foram grandes incentivadores neste início de trajetória escolar e também responsável pela persistência diante de dificuldades. Na sétima série, Celso transferiu-se para o período noturno a fim de ajudar o pai em alguns empreendimentos. O pai, que trabalhava no setor da indústria, precisou retirar parte da patela e aposentou-se ainda jovem por invalidez. Alguém sabe quanto recebe um trabalhador que se vê de repente em condição de invalidez? A iniciativa foi tentar equalizar o orçamento com a venda de bilhetes de loteria e, mais tarde, com o lucro de uma banca de frutas ou de uma banca de jornal.
Mas os desafios numéricos valeram não somente para que o filho ajudasse no pequeno comércio, mas também para a aprovação no vestibulinho de bioquímica do Colégio Técnico Industrial Conselheiro Antônio Prado (Coticap), hoje Etecap, em Campinas. Nesta unidade, recebeu as primeiras informações sobre a Unicamp, pois vários professores eram graduados ou cursavam pós-graduação na instituição. “Eles falavam da Universidade e, de certa forma, nos incentivam a pensar em fazer um curso universitário na Unicamp.”
A vontade de frequentar um curso de graduação era tanta que Celso acabou sendo reprovado em alguns processos seletivos de grandes empresas. “Como, durante as entrevistas, eu manifestava ingenuamente esta intenção, acredito que isso tenha sido determinante para eu não ser aprovado nos processos seletivos.” Sendo assim, não restou alternativa senão trabalhar em escritório de contabilidade enquanto se formava em técnico. Durou um tempo, e o filho de seo Dema até era bom com os números, mas preferia “brincar” com eles no laboratório.
A carreira técnica começou em um laboratório do Instituto de Biociências da Unesp, em Rio Claro. Apesar de ser aprovado na graduação em Tecnologia Sanitária (noturno) na Unicamp, em Limeira, a alquimia ainda o atraía e decidiu transferir-se para o curso de química da USP, em São Carlos. Depois de um ano, finalmente, a tão sonhada transferência para a graduação no IQ da Unicamp, com direito, logo no primeiro ano, a uma bolsa trabalho do SAE. Trabalhou no Departamento de Química Orgânica e no Laboratório de Patologia Clínica do HC, mas foi parar rapidamente no Herbário do Instituto de Biologia por meio de um concurso para técnico realizado antes da transferência na graduação. “Fui convocado em 1983 para o Herbário do Instituto de Biologia. E assim iniciei minha carreira profissional na Unicamp.”
Como estudar e trabalhar na Unicamp numa época em que não havia ensino em período noturno? Quem estava no IB se recorda da correria de Celso, pois como o curso no IQ era período integral, o IB exigia que compensasse todas as horas no período noturno e nos finais de semana. E o relógio de ponto (barulhento!) era implacável na Biologia; um minuto de atraso, o campo de entrada era riscado e era necessário preencher uma “papeleta” de atraso. Celso, porém, era determinado. “Fiz uma graduação longa, pois sempre tinha que dividir o tempo entre as atividades profissionais e as acadêmicas. Além disso, militava no movimento sindical e de combate ao racismo.”
Na trajetória no Instituto de Biologia, Celso foi designado supervisor acadêmico de setor no Herbário e, cerca de dez meses depois, foi enquadrado como técnico especializado de nível superior pelos méritos de sua atuação profissional, visto que ainda não tinha terminado a graduação.
Após a formatura, além de trabalhar na Unicamp, Celso ministrou aulas de química no período noturno em um curso supletivo de uma escola estadual. No ano seguinte, ingressou no Mestrado no Centro de Energia Nuclear na Agricultura na USP. ‘Após a qualificação do mestrado, passei para o doutorado direto sem fazer a defesa do mestrado”.
Apesar de toda a trajetória em sua área, Celso foi enquadrado como químico, na Unicamp, somente em 2003, pela carreira Paepe, com a incumbência de cuidar da saúde ocupacional, com foco em ambiência e resíduos. Em 2006, aceitou o convite para assumir a presidência da Cipa da Unicamp. “Após minha saída da Cipa, em 2011, mudei do IB para a Coordenadoria de Assuntos Comunitários da Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários (Preac), onde trabalho hoje.”
Como nunca se acomodou, Celso teve papel importante na vida política da Unicamp e, por que não dizer, na região de Campinas. “A militância política e social na Unicamp trouxe várias vitórias. O movimento dos funcionários estudantes da Unicamp fez com que fosse instituído o Proseres. O sistema educativo que temos hoje para os filhos de funcionários, alunos e docentes também foi conquista da luta dos funcionários. A Unicamp oferece vários benefícios para os servidores, mas o maior deles é poder usufruir da imensa produção cultural da universidade.”
Para Celso, o Movimento Negro deve muito à Unicamp, pois a Universidade possibilitou a formação de quadros, em especial, na década de 1980. Porém, o químico observa que a Unicamp, ao longo de sua história, deixou de aprofundar o debate sobre a igualdade racial na instituição, fazendo com que sempre tenha sido muito baixo o número de alunos e docentes negros, ao contrário do grande contingente no quadro de funcionários e entre servidores terceirizados. “Esse debate está ocorrendo apenas agora, tardiamente”, finaliza.