NOTÍCIAS

Augusto de Campos reaviva força poética de John Keats

Concretista faz tradução “apaixonada” de versos do poeta inglês

Edição de imagem

Poeta delicado e complexo, frágil e poderoso, amado e incompreendido. Essas aparentes contradições marcam a forma com que o poeta inglês John Keats (1795-1821) é representado pela crítica e pelo senso comum. Keats é uma das principais figuras do Romantismo inglês e há muitos mitos em torno de sua vida e de sua obra. É perfeitamente compreensível que Keats sintetize tão bem um ideal de poeta romântico: quando vivo, recebe críticas quase sempre negativas e morre precocemente aos 25 anos em decorrência de uma tuberculose (considerada a “doença do século” de seu tempo). Para muitos, os ataques ao poema longo Endymion, recebidos no ano anterior à sua morte, teriam acelerado seu declínio (ninguém menos que Percy Shelley imortalizou essa hipótese no prólogo da elegia Adonais, a qual homenageia Keats). Como se não fosse o bastante, Keats viveu ainda uma intensa história de amor inacabada com a jovem Fanny Brawne, com quem o poeta não pôde se casar devido a seu grave estado de saúde e sua falta de recursos financeiros.

No entanto, Keats não é somente o poeta apaixonado que teve o azar de morrer sem usufruir de prestígio e do casamento com seu grande amor. Keats, sobretudo após sua morte, se torna uma das vozes poéticas mais importantes de sua geração em meio a uma grande instabilidade política e social: a Londres do momento efervescia após a Revolução Industrial, a população urbana aumentava de forma alarmante e a desigualdade social era imensa. Nesse contexto tão instável, Keats, que enfrentou sérios problemas financeiros, insistiu em sua vocação poética a todo custo e deixou um legado belíssimo, fruto de seu talento e autodidatismo. Hoje, Keats é um dos poetas ingleses mais amados, e seus poemas e cartas estão entre os textos mais lidos e analisados no campo dos estudos literários.

Foto: Perri
O poeta e tradutor paulistano Augusto de Campos

É esse Keats ambivalente e instigante que Augusto de Campos reaviva com suas traduções no volume Byron e Keats: entreversos, publicado pela primeira vez em 2009 pela Editora da Unicamp. O poeta e tradutor celebra, com razão, sua longevidade, que o possibilitou voltar a Byron e Keats com olhar renovado, lendo-os e traduzindo-os “apaixonadamente”. Campos destaca que alguns dos poemas incluídos na edição são os mais belos da história da poesia. O desafio de traduzi-los, claro, não é pequeno. Campos, modestamente, afirma: “Não é sempre que se consegue chegar a alguma coisa que se pareça com a beleza do original. Prefiro a moderação das traduções escassas à complacência das versões totalizantes e diluentes”.

São muitas as belezas conquistadas em suas traduções. Hoje, data de nascimento de John Keats, poeta que enfrentou inúmeros percalços, trazemos a excelente tradução do bem humorado “To Mrs Reynolds’ Cat” [“Ao gato da Sra. Reynolds”], que imagina as desventuras de um felino. Não deixe de conferir a edição para conhecer mais poemas de Keats e, ainda, uma introdução e uma “pós-tradução” iluminadoras de Campos.


Ao Gato da Sra. Reynolds
 
Gato! que já passaste o grande climatério,
           Quantos ratos e camundongos já comeste?
Que petiscos roubaste? Ergue-me o olhar, reveste
           De verde lânguido os teus olhos de mistério.
 
Alça as orelhas de veludo, mas não queiras
Fincar em mim as tuas úngulas latentes,
Faz teu meigo miado e conta as sorrateiras
Caças de ratos, peixes, pintos nos teus dentes.
 
Não baixes os teus olhos, nem lambas agora
As patas, apesar da asma e dos apuros
Da cauda cetinosa que te falta; e embora
 
As servas te enxotassem com castigos duros,
Teu pêlo ainda é suave e lembra como outrora
Te esquivavas dos cacos de vidro pelos muros.
 
To Mrs Reynolds's Cat
 
Cat! who hast pass`d thy grand climacteric,
            How many mice and rats hast in thy days
Destroy`d? – How many tidbits stolen? Gaze
            With those bright languid segments green, and prick
 
Those velvet ears – but pr`ythee do not stick
            Thy latent talons in me – and upraise
Thy gentle mew – and tell me all thy frays
            Of fish and mice, and rats and tender chick.
 
Nay, look not down, nor lick thy dainty wrists –
            For all the wheezy asthma, – and for all
Thy tail's tip is nick`d off – and though the fists
 
           Of many a maid have given thee many a maul,
Still is that fur as soft as when the lists
           In youth thou enter`dst on glass-bottled wall.

 

Foto: ReproduçãoSERVIÇO

Título – Byron e Keats: Entreversos

Autores: Byron, Keats
Tradução: Augusto de Campos

Editora Unicamp

Páginas: 192

Preço: R$ 30,00
 

 

 

Imagem de capa JU-online
Joseph Severn’s painting of Keats ‘Listening to the Nightingale on Hampstead Heath’, c. 1845. (Picture: Keats House Hampstead) | Reprodução

twitter_icofacebook_ico