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A porta-voz da alma brasileira

A fotógrafa Maureen Bisilliat relembra passagens de sua trajetória e, aos 86 anos, abraça novos projetos

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Nascida há 86 anos na Inglaterra, Maureen Bisilliat consagrou-se como a fotógrafa da alma brasileira. Conjugando um olhar estrangeiro e o profundo respeito pelo país que escolheu como sua casa, Bisilliat desenvolveu um dos mais sólidos trabalhos de investigação fotográfica no Brasil. Em suas expedições pelo interior do país, desde 1952, registrou índios, sertanejos, cultura popular, literatura, arte, política, beleza e tragédia.

Sua carreira como fotojornalista consolidou-se nas revistas Realidade e Quatro Rodas, publicações das décadas de 1960 e 70, nas quais as imagens tinham lugar de destaque. Entre 1966 e 1996, publicou livros de fotografia inspirados nas obras de grandes escritores brasileiros, como João Guimarães Rosa, Carlos Drummond de Andrade, Euclides da Cunha, João Cabral de Melo Neto, Adélia Prado e Jorge Amado.

Nos últimos anos, Maureen trocou as imagens estáticas pelo movimento, empreendendo investigações em vídeo. “É uma área que eu gosto muito por causa da palavra, por causa do gesto”, afirmou em entrevista ao Jornal da Unicamp. Em dezembro de 2003, toda a sua obra fotográfica, com mais de 16 mil imagens, incluindo negativos, foi incorporada ao acervo fotográfico do Instituto Moreira Salles (IMS).

Foto|: Scarpa
Maureen Bisilliat durante o V Seminário Studium, realizado na Unicamp: “O importante é detectar e fugir de coisas estéreis”

Atualmente, Bisilliat trabalha na finalização do documentário autobiográfico Equivalências, aprender vivendo, que será lançado no início do próximo ano. “Sou mais como uma porta-voz daquilo que aconteceu nesse enorme país em que pude viajar”, conta, modestamente.

Maureen Bisilliat participou na Unicamp do V Seminário Studium – Movimentos da fotografia no campo da arte, organizado por Fernando de Tacca, professor do Instituto de Artes (IA). Em depoimento aos participantes do evento e em entrevista ao Jornal da Unicamp, Maureen falou sobre sua história, sobre a fotografia e sobre as particularidades de cada geração. Confira abaixo trechos transcritos e áudios na voz da fotógrafa.

Química nos dedos, fotos no varal

 “Cada geração tem os seus obstáculos a serem ultrapassados. Hoje em dia a quantidade de fotos é incrível. As pessoas dizem: ‘foi ótimo ontem, fiz mil fotos’. A gente levava dois filmes de 36 poses e 72 fotos eram algo imenso! Não é melhor ou pior. Só que a gente tinha que ter muita concentração e um equilíbrio entre liberdade e cautela. Agora, com o digital, tudo é bem mais barato. Mas o setor que mais cresce nas produtoras é a pós-produção. O tempo que leva para selecionar fotos! Eu conheço gente que parou de fotografar porque ‘entupiu’. Não só o computador, como a cabeça. Não é tolher a liberdade, mas saber que não é necessariamente pela quantidade que você vai chegar. É uma coisa muito aleatória o que dá certo ou não dá certo. Cada vez que eu voltava de uma viagem, por exemplo, para fazer uma matéria, morria de medo. Se errava na medição, já era. Antes, a fotografia, como quase tudo no mundo, era manual. Você tinha as químicas nos dedos, a água na banheira de casa para lavar as fotos e o vento no varal para secá-las.”

Entre o imediato e a sonolência

 “Cada geração tem que combater aquilo que lhe fragiliza. O que leva a abandonar certas essências, enfraquece. A questão sempre foi tratar esse delicado equilíbrio entre o imediato e a sonolência. Encontrar essa medida é interessante.”

Sobre encontros e aventuras

“Na minha época, as coisas eram distantes, afastadas. Tudo era aventura, e essa aventura preenchia a gente de energia e também de prazer pessoal. Quem procura esse tipo de fotografia, ainda acha, mas é mais difícil. Antes eram muitas as possibilidades. O importante é detectar e fugir de coisas estéreis. Há certa esterilidade, mas isto é compensado por essas loucuras online. Você tem coisas interessantes. Sou muito chamada para esse tipo de encontro e sempre vejo pessoas interessantes e interessadas. A fotografia voltou ser uma manifestação pessoal; as pessoas se agrupam por momentos. A gente não pode ter pessimismo ou otimismo.”

Sertões, veredas

 “A fotografia no país é muito rica. Não só nos grandes centros. Em Minas Gerais, com o estímulo de Ouro Preto; no Nordeste, há polos muito bons em Pernambuco, Bahia, Ceará. Tem um fotógrafo chamado Tiago Santana... A coisa especial dele não é só aquele conhecimento íntimo do sertão, sendo filho de lá, mas ele cria uma perspectiva absolutamente única, interessantíssima. Ele domina a lente angular, cria planos que são uma verdadeira maravilha!”

Longe do holofote

“Estou fazendo um filme agora. Chama-se: Equivalências, aprender vivendo. É um documentário autobiográfico, mas teve muito zelo em não ficar demais em cima de mim. Sou mais como uma porta-voz daquilo que aconteceu nesse enorme país por onde pude viajar.”

O tempo e o verbo

“O tempo do movimento, a expressão e a palavra, para mim, tornavam-se cada vez mais importantes.”

O frame e a alma

“Hoje, quando trabalho com fotos, eu trabalho muitas vezes com frames. Quando você tem material de cinema ou de vídeo e o separa. É uma coisa fascinante porque parece que você chega a perceber a alma da pessoa. Quando você fotografa, dificilmente você pega as entrelinhas. Mas o frame você pega como ponto de partida... O resultado de vez em quando é penetrante, porque você vê o instante da mudança da pessoa, um gesto, um olhar. Toca mais fundo.”

Mais sobre Maureen Bisilliat:

https://ims.com.br/titular-colecao/maureen-bisilliat/

Foto: Reprodução
Fotos de Maureen Bisilliat: Xingu, menino em carvoaria, Serra das Araras, retrato de Manuel Nardi, personagem de Guimarães Rosa no conto "Manuelzão e Miguilim"e menino-anjo | Fotos: Acervo Instituto Moreira Salles

 

Imagem de capa JU-online
A fotógrafa anglo-brasileira Maureen Bisilliat | Fotos: Antonio Scapinetti

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