Consu vota propostas que criam múltiplos mecanismos de ingresso em seus cursos de graduação, entre eles o sistema de cotas étnico-raciais
A Unicamp decide hoje (21), por meio do seu Conselho Universitário (Consu), se adota uma política inovadora que cria múltiplas formas de ingresso nos seus cursos de graduação. A proposta, que foi formulada por um Grupo de Trabalho (GT Ingresso) constituído pelo próprio Consu, debatida nas congregações de faculdades e institutos e aprovada pela Câmara Deliberativa do Vestibular e Comissão Central de Graduação (CCG), abre novas portas de entrada para a Universidade, tendo por objetivo ampliar a representação do conjunto da sociedade na instituição. Entre as medidas sugeridas está a adoção de um sistema de cotas étnico-raciais que reserva 25% das vagas disponíveis para candidatos autodeclarados pretos e pardos. Caso sejam aprovadas, as medidas serão aplicadas a partir de 2019.
A matéria que será apreciada pelo Consu é resultado de um amplo processo de reflexão, que teve origem a partir do pleito dos estudantes, em 2016. Na oportunidade, os alunos paralisaram suas atividades e apresentaram uma série de reivindicações, entre elas a adoção de cotas étnico-raciais por parte da Unicamp. O Consu criou, então, um primeiro Grupo de Trabalho (GT Cotas), que organizou três audiências públicas e analisou as experiências de universidades que já haviam implantado esse tipo de sistema. Ao final do trabalho, o GT Cotas apresentou um relatório ao Consu recomendado a admissão do princípio das cotas, o que foi referendado pelo órgão.
Após essa primeira etapa, o Consu criou o GT Ingresso, que ficou encarregado de analisar e propor não somente um modelo para a inclusão de estudantes autodeclarados pretos e pardos, mas também outras formas de ingresso, de maneira a contemplar outros segmentos sub-representados no corpo discente. Os princípios que nortearam os estudos combinaram questões como mérito, justiça social, equidade e diversidade. Ao final de várias análises e simulações e de um intenso debate que envolveu todas as unidades de ensino e pesquisa, o GT Ingresso formulou uma proposta de deliberação contendo várias sugestões.
O documento, aprovado inicialmente na Câmara do Vestibular e na CCG, será apreciado agora pelo Consu, junto com as contribuições enviadas pelas faculdades e institutos. “A discussão do processo foi intensa na Universidade, e o resultado, creio eu, é um sistema inovador, que corresponde ao papel da Unicamp no cenário nacional, com inclusão social, cotas étnico-raciais e garantia de estudantes qualificados para uma das melhores universidades do país. Foi um processo extremamente maduro. Fizemos o debate necessário e conseguimos avançar num período curto de tempo”, analisa o reitor Marcelo Knobel.
A proposta de resolução construída pelo GT Ingresso contém seis recomendações principais. Uma delas é a adoção de um sistema de cotas étnico-raciais, com reserva de 25% das vagas aos candidatos autodeclarados pretos e pardos. Outra diz respeito à promoção de alterações no Programa de Ação Afirmativa e Inclusão Social (PAAIS), criado em 2004. Uma das novidades é a concessão de bonificação (20 pontos na primeira e segunda fase do Vestibular) também aos candidatos que cursaram o Ensino Fundamental II em escola pública. No modelo atual, o PAAIS confere pontuação adicional somente aos candidatos que fizeram o Ensino Médio em escola pública.
Uma terceira sugestão refere-se à oferta parcial de vagas pelo Sistema de Seleção Unificado (SISU). A CCG, porém, indicou ao Consu a substituição do Sisu pelo Exame Nacional de Ensino Médio (Enem), de forma a conferir mais oportunidades de ingresso aos estudantes interessados. O GT Ingresso considerou igualmente importante que a Unicamp crie o Vestibular Indígena, que seria realizado de forma independente do Vestibular tradicional e com conteúdo específico. Ao analisar esse ponto, a CCG recomendou ao Consu que a matéria seja objeto de um estudo mais aprofundado, conduzido provavelmente por um novo GT.
A designação de vagas para os melhores colocados em olimpíadas e competições de conhecimento também consta da proposta, assim como a expansão do Programa de Formação Interdisciplinar Superior (ProFIS) para as cidades da Região Metropolitana de Campinas (RMC) e os municípios de Piracicaba e Limeira. O documento traz, adicionalmente, a sugestão para que a Universidade realize estudos para a definição de bônus para vestibulandos com deficiência. “Embora o tempo tenha sido relativamente curto, o processo de construção da proposta de resolução foi rico em debates e contribuições. Todas as unidades de ensino e pesquisa tiveram a oportunidade de se manifestar sobre o documento. No geral, houve uma ampla compreensão de que a Unicamp precisa alterar as formas de ingresso aos seus cursos de graduação”, relata o professor José Alves de Freitas Neto, presidente do GT Ingresso e coordenador-executivo da Comissão Permanente para os Vestibulares (Comvest).
Além do entendimento sobre a necessidade de mudança, prossegue Freitas Neto, outro aspecto marcou as discussões pela comunidade universitária: a preocupação em fazer com que as inovações contemplassem critérios adequados de seleção de estudantes. Em outros termos, todos se empenharam em oferecer ideias que pudessem gerar maior inclusão e ao mesmo tempo assegurar as condições de funcionamento da Universidade no patamar em que ela se encontra. “Penso que conseguimos chegar a um conjunto conciliatório de propostas que preserva esses princípios”, considera o docente.
Segundo o presidente do GT Ingresso, caso a proposta de resolução seja aprovada, a Unicamp estará sinalizando que existem múltiplas experiências educacionais que merecem ser consideradas na busca pelos melhores estudantes. “O Vestibular vai continuar manuseando 80% das vagas porque esse é o sistema geral, que abarca o país como um todo. Os outros 20% serão destinados a sistemas flexíveis. Com isso, a Unicamp se aproxima das universidades de ponta do mundo, que têm critérios de seleção diferenciados. Estes vão além da aplicação de uma prova de conhecimentos gerais”, pondera Freitas Neto.
Para a pró-reitora de Graduação da Unicamp, professora Eliana Amaral, a instituição ganhou muito com o processo de discussão acerca das propostas que criam múltiplas vias de acesso aos seus cursos. “Nunca havia presenciado algo parecido. O que eu vi foi um processo de discussão muito maduro em torno de um tema que parecia bastante difícil, mas que foi tratado com muita serenidade e compromisso institucional. Penso que essa experiência deve servir de exemplo a futuras discussões no âmbito da Universidade”, analisa.
Se forem aprovadas pelo Consu, continua Eliana Amaral, as recomendações contidas no documento elaborado pelo GT Ingresso trarão outros ganhos para a Unicamp. Segundo ela, a chegada de novos segmentos à Universidade qualificará os processos de ensino e aprendizagem e enriquecerá a convivência nos campi. “A ideia é usar a diversidade como trampolim para a excelência, a exemplo do que fazem as melhores instituições de ensino do mundo”, diz.