Livro de Mariza Corrêa, antropóloga falecida em 2016, é referência na área
Assim como a antropologia estuda diferentes culturas, diversas são as correntes de pensamento que desenvolvem teses sobre as manifestações da interação humana. Mas o que acontece quando o antropólogo se transforma no próprio objeto de estudo?
Traficantes do Simbólico e outros ensaios sobre a antropologia reúne entrevistas, artigos, depoimentos, histórias de vida e fotografias que integram artigos escritos por Mariza Corrêa durante 25 anos no contexto do projeto História da Antropologia no Brasil, desenvolvido no Departamento de Antropologia da Unicamp. O livro, lançado em 2013, apresenta a trajetória da antropologia brasileira no século XX.
Nesse sentido, o livro retoma uma parte da trajetória de uma figura central para a antropologia, o feminismo e os estudos de gênero no Brasil. Falecida em dezembro de 2016, Mariza Corrêa foi professora do Departamento de Antropologia da Unicamp durante 30 anos e pesquisadora associada do Pagu — Núcleo de Estudos de Gênero, também dessa universidade.
O primeiro capítulo traz o artigo "Traficantes do Simbólico", que pontua a necessidade do "olhar para si" da disciplina antropológica. No texto, Mariza ressalta os vários avanços nos debates ao longo do tempo, assim como a importância de sintetizar essas discussões. Lançado originalmente em 1987, o texto nomeia grandes personalidades da antropologia e suas principais realizações que contribuíram para o desenvolvimento da disciplina.
Os capítulos seguintes ampliam o desafio de transformar o antropólogo brasileiro em objeto de estudo da antropologia. Temos então “Traficantes do Excêntrico”, ensaio escrito em 1988 para a Revista Brasileira de Ciências Sociais, no qual Mariza transita entre datas e personalidades que ajudaram a fundar e a consolidar a "disciplina que se quer uma ciência do outro". Mas destaca, ironicamente, que sua origem e desenvolvimento no Brasil tenham se dado essencialmente pela atuação de estrangeiros. Desse modo, o artigo apresenta a trajetória que, por muito tempo, foi liderada por estudantes que até meados do século XX precisavam encerrar sua formação no exterior ou, a partir de 1947, tinham a Universidade de São Paulo (USP) como única opção para fazer mestrado ou doutorado na área. Nesse contexto, Mariza destaca o papel fundamental de Darcy Ribeiro para articulação e consolidação da antropologia como campo de pesquisa das ciências sociais.
A “Revolução dos Normalistas” é um ensaio publicado originalmente no Caderno de Pesquisa da Fundação Carlos Chagas também em 1988. Centrado na década de 1950, o texto aponta esse período como momento de transição da disciplina antropológica em sintonia com a mudança da maneira como educadores (no contexto da Escola Nova) e cientistas sociais relacionavam-se com a sociedade. O ensaio também indica esta década como o período de inversão entre os estrangeiros e os pesquisadores nacionais na área. Destaca ainda a criação de instituições que privilegiariam estudos futuros como a Associação Brasileira de Antropologia (ABA) e da Capes (então denominada Campanha de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior), que colaboraram para o fortalecimento das pesquisas em antropologia e ciências sociais.
Por fim, fechando a primeira parte, a professora Mariza Corrêa aborda os anos da ditadura militar, enfocando as décadas de 1960 a 1980. É um momento em que a disciplina começava a “caminhar com as próprias pernas”, com linguagem e objetos de estudo mais próximos culturalmente. Ao invés da ciência do outro, vemos um esforço para aprofundar a ciência dos iguais: "não se trata mais de uma história a ser recuperada, mas sim de uma história compartilhada". E se por um lado temos a perseguição política que destruiu acervos de pesquisa etnográfica, de outro, constatamos o surgimento de “novos ventos” que impulsionaram toda uma geração de pesquisadores e teses.
Depois do panorama histórico da antropologia no Brasil, Mariza amplia o mapeamento com entrevistas e depoimentos pesquisadores-chave para se conhecer e compreender os caminhos trilhados pela antropologia no Brasil: Donald Pierson, sociólogo norte-americano que estudou as relações raciais brasileiras; Emilio Willens, sociólogo e antropólogo alemão radicado no Brasil, que elaborou estudos sobre aculturação e foi o primeiro professor da disciplina da antropologia no país; Ruth Cardoso, antropóloga, que desempenhou estudos nos campos do gênero e étnico-raciais; Verena Stolke, antropóloga alemã que estudou conflitos raciais e de gênero.
SERVIÇO
Título: Traficantes do Simbólico e outros ensaios sobre a história da antropologia
Autora: Mariza Corrêa
Páginas: 472
Editora da Unicamp
Preço: R$ 74,00
Programa retrata obra e autora A história da antropologia no Brasil é o tema da segunda edição do Orelha de Livro, programa de rádio e podcast produzido pela Editora da Unicamp em parceria com a Rádio Unicamp. No programa, Christiano Tambascia, professor do Departamento de Antropologia do IFCH, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) e diretor acadêmico do Arquivo Edgard Leuenroth (AEL), ambos da Unicamp, conversa com a jornalista Beatriz Guimarães e o historiador Marcelo Gaudio, da Editora da Unicamp, sobre o livro Traficantes do Simbólico e outros ensaios sobre a história da antropologia, de Mariza Corrêa. A escolha do tema e do livro é uma homenagem à autora. O programa também conta com participação da antropóloga Adriana Piscitelli, que analisa a obra da Mariza Corrêa. A primeira edição do primeiro episódio do Orelha de Livro, sobre o livro Clima de Tensão, está disponível para download ou para ouvir online no site da RTV Unicamp. Link para o programa: |