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Uma escola para chamar de sua

Iniciativa de alunos e professor da Unicamp garante curso pré-vestibular para moradores de ocupação 

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Sequência de fotos do mutirão para a instalação da sala de aula do projeto | Fotos: Elisa Brasil

Foto: reproduçãoNuma sequência de fotos, publicadas em uma rede social, os professores Geovani e Cris dão várias dicas para quem vai prestar o Enem: usar canetas transparentes, responder primeiro as questões mais fáceis, não colar ou conversar na prova, chegar na hora marcada, não esquecer os documentos. Uma maneira divertida de alertar para o que pode e o que não pode no vestibular ou no período que o precede, coisa corriqueira para os professores de cursinho quando seus alunos estão às vésperas do exame. Mas, neste caso, a situação é diferente. Os estudantes são moradores da Vila Soma, uma das maiores ocupações populares do Estado de São Paulo, com cerca de 10 mil habitantes, localizada na cidade de Sumaré, município da Região Metropolitana de Campinas.

Desde abril de 2016, um grupo que começou com cerca de 30 alunos frequenta o Cursinho Popular da Vila Soma, numa iniciativa de alunos da Unicamp, que se uniram para dar aulas na ocupação. Por algum tempo o barracão emprestado na Rua da Aviação não tinha sequer reboco nas paredes. Foi um mutirão com cerca de 30 pessoas que mudou a cara do espaço que hoje tem rede elétrica estruturada, telhado refeito, mobiliário e mais luminosidade. A lousa, que precisou ser retirada, já voltou para o lugar onde todos voltam o olhar, durante as seis horas de aulas aos sábados de manhã, faça chuva ou faça sol.

O cursinho é um projeto de extensão comunitária (PEC) aprovado por meio do 10º Edital da Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários (PREAC) e nasceu no ano seguinte à tentativa de desocupação da Vila Soma, com um processo de reintegração de posse que não se concretizou. Em 2017, com o apoio do professor Roberto Luiz do Carmo, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), os alunos da Unicamp conseguiram recursos por meio do Faepex, de 12 mil reais, para desenvolver o Projeto Político Pedagógico (PPP) de Educação Popular e estruturar o espaço. Foram criadas comissões, para cuidar de cada área do projeto que, no próximo ano, segue em busca de fontes alternativas de financiamento.

“O espaço de uma ocupação está se fazendo, está existindo. Não há intervenção do Estado. Não tem hospital, transporte público ou escola. O cursinho acabou sendo mais que um cursinho porque não é só um espaço para os alunos frequentarem, mas também é um símbolo que existe dentro da ocupação para dar mais força. A ocupação precisa de visibilidade”, conta a professora Maria Clara Gonçalves, que defendeu seu doutorado no Instituto de Estudos da Linguagem (IEL).

A maneira como as aulas foram pensadas no PPP tem relação com o fato de os alunos serem muito politizados, como explica Maria Clara. “Eles têm um nível de conhecimento do mundo muito alto e, por outro lado, carências básicas no ensino. Conciliar isso tudo é difícil”.

O material didático, por exemplo, precisou mudar. “O conteúdo do livro didático tradicional não reflete a realidade dos estudantes da Vila Soma porque parte de um pressuposto de um ensino fundamental sólido”. Foram formuladas então sete apostilas temáticas que orientam todas as disciplinas. Cada apostila tem um texto ou uma imagem que serve como base para um debate na última meia hora de aula. Assuntos como refugiados, imigração, fome, educação popular e legislação são discutidos com muita atenção.

Foto: Perri
Aline Miglione, Maria Clara Gonçalves e o professor Roberto Luiz do Carmo: aproximando a universidade da sociedade

“O objetivo do cursinho é preparar os alunos para o Enem, dando conta de todo o conteúdo do ensino médio. Assim nós entramos nos temas mais importantes, que são interpretação de texto, português e matemática. As dificuldades são muito grandes para esse pessoal”, salienta a professora Aline Miglioli, doutoranda do Instituto de Economia (IE). Ela dá aulas de geografia para a turma e explica que a evasão ainda é um problema porque muitos não conseguiram conciliar o estudo com o trabalho ou não têm com quem deixar os filhos.

“Com mais de 12 anos longe da escola, resolvi mergulhar e tentar” conta a aluna Aryana Pereira. Ela chegou com a família na Vila Soma há cinco anos “quando as pessoas ainda estavam pegando sua parte e estendendo lona, outros assentando as lâminas de madeirites. As vacas da fazenda vizinha ainda circulavam por aqui”. Embora não exista água encanada foram instaladas caixas d’água a cada duas esquinas e hoje ela comemora porque não precisa “carregar balde cheio para tudo”.

Aryana atrasou os planos de fazer ensino superior. “Minha mente de adolescente não permitiu. Meu desejo é ser legista, mas no momento me inscrevi para licenciatura em matemática, por medicina ser um curso muito concorrido”. Ela tem muita esperança de ter uma boa nota no Enem e continuar os planos. Não os deixar morrer.

A educação é o combustível que alimenta os sonhos dos alunos e também dos professores, muitos deles tendo ali sua primeira experiência em sala de aula. “O objetivo maior do projeto de extensão é a nossa aproximação com os grupos mais amplos da sociedade, pensar a importância de a universidade dialogar de maneira mais direta com a sociedade, mas também é importante oferecer uma oportunidade para os alunos se verem como professores numa situação prática, objetiva. E interessante para o processo de formação deles”, destacou o professor Roberto do Carmo.

“A gente fica dentro da academia fazendo mestrado e doutorado... Acho que o papel de professor, mesmo, é a gente conseguir se fazer entender na simplicidade, conseguir passar a questão mais complexa e como trazer o conteúdo mostrando que este não é alheio ao cotidiano dos estudantes”, ressalta Maria Clara.

Esta professora conseguiu que todos se divertissem lendo um conto de Machado de Assis, conseguindo passar conceitos sobre o romance e sua narrativa por meio da novela porque os estudantes da Vila Soma precisavam de um espaço para chamar de escola. Afinal, observa Aryana, pessoas podem ser alcançadas pela educação, independentemente de onde elas estão.


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Imagem de capa JU-online
Sala de aula instalada em galpão que estava abandonado

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