Crítico explora a contribuição artística do poeta, pintor e gravurista inglês
Considerado por muitos como o primeiro Romântico inglês, William Blake se destaca pela execução única de seus trabalhos. Acumulando, a certa altura da vida, as funções de poeta, ilustrador e editor da própria obra, Blake foi capaz de criar objetos artísticos de difícil classificação – seriam livros ilustrados? Gravuras legendadas? Duas linhas de invenção independentes?
Para Alcides dos Santos, autor de Visões de William Blake, da Editora da Unicamp, esta é a primeira virtude do poeta: administrar as mais diversas etapas de produção dos seus poemas iluminados – entre os quais está Jerusalém a Emanação do Gigante Albion, explorado em detalhes pelo crítico – não o torna um controlador despótico do sentido que os diversos extratos do texto iluminado estabelecem entre si, mas o disseminador de uma multiplicidade de efeitos de significação, de reenvios entre texto e imagem, modulados por movimentos significativos, e não por uma lei geral da relação entre um e outro.
O extremo trabalho e a minúcia técnica promovem a liberdade da significação, e não a manifestação de uma mesma intenção autoral – um significado monolítico que reconheceríamos como o mesmo nas palavras e nas gravuras, ou como esclarecido de maneira unidirecional pelo “veredito final” do texto verbal.
Os efeitos de tal disposição artística são perseguidos por Santos em inúmeras veredas críticas dentro da complexa obra de Blake, e é surpreendente perceber a densidade do diálogo que o poeta estabelece com a história ocidental. Especificamente, o crítico aborda a renovação blakeana do poema épico e a sua crítica à tradição teórica que estabelece a poesia e a pintura como “artes irmãs” – mas apenas, como nos mostra o autor, para postular a superioridade da primeira irmã sobre a segunda. Em ambas as frentes de intervenção, o autor nos mostra o repúdio de Blake pela tirania da razão nas suas principais formas históricas: a religião oficial, a ciência demonstrativa e o formalismo artístico associado à cultura do renascimento. Jerusalém a Emanação do Gigante Albion é resposta blakeana a essa tripla “doença da humanidade”. Como?
O retorno à religião revelada, profética, a crítica do sensualismo como teoria da percepção e a explosão do formalismo da Grande Forma na galáxia de “particularidades mínimas” observadas nas plaquettes são os partidos tomados por Blake na sua tentativa de conduzir o personagem Albion – bem como o autor e o leitor – na passagem da sua existência histórica e transitória (representada no poema pelo círculo) para a existência eterna e superior (representada pelo centro ou vórtice). Nesse estado da existência, a percepção, antes equivocadamente reduzida aos cinco sentidos, reencontra a imaginação, e cada movimento do pensamento, cada diferença, é como o centro de uma visão infinita, um vórtice no qual o leitor é convidado a entrar. É na pequena diferença, no ponto em que texto verbal e imagem arriscam se confundir, e não na grande imagem, no sublime associado à desproporção em relação à escala humana, que Santos encontra a subversão de Blake da relação entre logos e visão.
Uma tal proposta estética, que o autor restitui com uma riqueza e precisão ímpares, não se mede pelo seu “sucesso” ou pela sua influência imediata que, como sabemos, no caso de William Blake, foi muito discreta. A reflexão que o autor nos convida a fazer está, antes, na capacidade que tem o poema iluminado de nos desestabilizar como leitores.
Do ponto de vista do pensamento, a principal diferença entre a poesia de Blake e os sistemas de pensamento tirânicos, cujos erros ele tenta superar é que, no caso destes últimos, a diferença é admitida na medida em que é secundarizada, marginalizada e neutralizada em sua potência desestabilizadora das essências. Por outro lado, Blake plasma e ilumina os erros do pensamento no seu texto, e é precisamente por não excluí-los que o poeta os retira do repouso dogmático de um além da textualidade e nos coloca em condições de desafiá-los:
“Não mais imitação de uma essência, por deslocar a lógica metafísica que subjaz às relações entre texto e imagem, a visualidade se torna o centro vortical a partir do qual o poema mostra que as palavras e as imagens são representações, porém não de uma essência ideal, mas de outras representações, numa cadeia que desarticula o pensamento das origens” (p.230).
Serviço:
Título: Visões de William Blake
Autor: Alcides Cardoso dos Santos
Páginas: 248
Por: R$ 42,00 (ou R$ 21,00 à vista, até 30/11)
www.editoraunicamp.com.br/produto_detalhe.asp?id=638