Sistema que substitui decantadores secundários reduziu 95% de matéria orgânica em testes
Estudo desenvolvido pela engenheira ambiental Amanda Rodrigues Inácio, com vistas ao tratamento mais eficiente do esgoto sanitário, mostra a viabilidade de eliminar os extensos decantadores secundários, utilizados na fase final do processo de lodos ativados e destinados à deposição da biomassa, formada na fase anterior pela ação de microrganismos que consomem a matéria orgânica. Para tanto, nesse mesmo tanque de aeração, em que ocorre a degradação da matéria orgânica, ela introduziu mantas geossintéticas capazes de reter a biomassa com a mesma eficiência do processo tradicional que utiliza decantadores, com custo equivalente e economia de espaço.
O sistema testado permitiu a redução de mais de 95% da matéria orgânica do esgoto, superior ao mínimo determinado pela legislação (80%). O mesmo sucesso verificou-se em relação à clarificação do esgoto tratado. Para a turbidez e para os sólidos suspensos as eficiências médias de remoção foram, respectivamente, de 98,5% e de 99%.
O sistema de lodos ativados de aeração prolongada, um dos mais utilizados no Brasil, envolve o gradeamento que barra a passagem de sólidos maiores; o desarenador em que se depositam as partículas com dimensões próximas às da areia; o reator biológico em que o oxigênio é fornecido para desenvolvimento dos microrganismos (ação aeróbia) que se alimentam da matéria orgânica; a deposição do lodo, constituído de microrganismos, no decantador secundário; e finalmente a liberação do esgoto tratado para os cursos d’água.
O trabalho, realizado junto ao Departamento de Saneamento e Ambiente, da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC) da Unicamp, foi orientado pelo professor Carlos Gomes da Nave Mendes. O esgoto sanitário utilizado na pesquisa é originado em algumas instalações da Unicamp e apresenta características típicas de origem doméstica.
O processo
A pesquisadora explica que os mecanismos biológicos de tratamento de esgoto dependem da ação de microrganismo presentes nos próprios esgotos, processo que ocorre naturalmente em um corpo d’água após o lançamento de despejos. Um dos processos biológicos de tratamento de esgotos domésticos e industriais, amplamente aplicados no Brasil e em outros países, é o sistema de lodos ativados. Entre suas variantes, este se trata de um sistema de aeração prolongada seguida da deposição do lodo em grande área reservada à decantação secundária, procedimento que demanda tempo e espaço para implantação.
Como alternativa à eliminação deste espaço e ao aceleramento do processo, está consagrada na Europa e EUA a utilização de sistemas MBR, Membrane Bioreator, em que o decantador secundário é substituído por módulos de filtração, constituídos por membranas, instalados no próprio tanque de aeração ou externo a ele.
Ocorre que a adoção generalizada do processo MBR esbarra nos altos custos das membranas poliméricas utilizadas, na manutenção e funcionamento dos equipamentos. Com a ideia de reduzir os custos do processo, viabilizando-o para emprego em escala em países com menores recursos, a pesquisadora estudou a possibilidade de substituir o decantador secundário por filtração com membranas geossintéticas fabricadas no Brasil, de fácil aquisição, e já empregadas em aterros e muros de arrimo.
Para o estudo, foram construídos módulos de filtração com mantas geossintéticas, instalados no tanque de aeração, para que ocorresse o processo de filtração do esgoto.
Embora autores defendam que qualquer material que permita a obtenção de filmes com porosidade controlada possa ser utilizado para a fabricação dessas membranas, a avaliação da aplicação de mantas geossintéticas em sistemas MBR para tratamento de esgoto sanitário ainda é um desafio e existem poucos estudos sobre o tema. Amanda se propôs, então, a estudar a viabilidade do uso de mantas geossintéticas que são mais baratas e de fabricação nacional como alternativa economicamente mais viável.
Comparando eficiências
Para efeito comparativo foram avaliadas as eficiências de módulos de filtração construídos com duas mantas geossintéticas de poliéster, de dois diferentes fabricantes, e utilizados como espaçadores entre elas três tipos de materiais: tela antiderrapante feita em poliéster com revestimento de PVC, geomanta tridimensional em filamentos de polipropileno termosoldados e manta acrílica. Os espaçadores têm a função de aumentar a superfície de contato entre o liquido e a manta, melhorando o processo de filtração.
O conjunto formado pela sobreposição de manta-espaçador-manta-espaçador é então dobrado e atravessado por um cano perfurado e colocado no interior da manta. Uma bomba peristáltica ligada ao cano retira o filtrado por meio de sucção.
Combinando as duas mantas geossintéticas escolhidas com os três diferentes espaçadores foram construídas seis configurações de módulos de filtração com vistas à comparação de resultados. A forma final de um módulo de filtração construído com manta geossintética-espaçador é mostrada na figura.
Como se viu constituiu foco da pesquisa utilizar geossintéticos como membrana de filtração em um sistema de lodos ativados, de forma a substituir o decantador secundário, elevar a eficiência do sistema e reduzir a área de implantação. Verificou-se, como mostram os resultados já mencionados, que em termos de qualidade de efluente final é possível substituir o decantador secundário por filtração em manta geossintética.
Para a autora, a operacionalização do sistema em alta escala exige ainda o desenvolvimento de um processo que resolva o problema de depósito de sólidos (fouling) nos módulos de filtração, ou seja, da incrustação de sólidos na membrana, que com o tempo retarda o processamento da filtração e, se não houver uma limpeza periódica, leva à sua perda.