Desenvolvido na FOP, modelo pode melhorar avaliação de contato prematuro, quando a restauração fica mais alta que o dente original
Uma situação relativamente comum em consultórios odontológicos pode levar à perda óssea. É o chamado contato prematuro, que ocorre quando a restauração – seja por canal, obturação ou coroa – fica mais alta que o dente original, fazendo com que ele toque no outro dente antes dos demais e, consequentemente, sofra sobrecarga funcional.
Embora o problema seja recorrente e facilmente percebido pelo paciente – que deve indicar a diferença para que o dentista a corrija –, ainda não haviam sido completamente caracterizadas na literatura científica os mecanismos referentes às alterações ósseas causadas por mudanças microscópicas nas tensões e deformações do tecido ósseo. Agora, um modelo computacional pode mudar isso.
Pesquisadores da Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) desenvolveram um modelo computacional que simula a ação do contato prematuro, aumentando assim a compreensão sobre as perdas no osso alveolar, que sustenta o dente. A novidade também poderá ser usada para estudar outros problemas odontológicos.
O estudo, apoiado pela FAPESP por meio do projeto “Remodelação óssea e análise biomecânica do osso alveolar maxilar em ratos com sobrecarga mastigatória”, mostrou inicialmente – a partir da experimentação em ratos – que quando há contato prematuro há expressão de proteínas na mesma região onde ocorre a perda óssea.
“Conseguimos observar todo o mecanismo desencadeado a partir do estímulo mecânico alterado. Quando há o contato prematuro, a proteína Rank-L se expressa mais intensamente e consequentemente ocorre perda no osso alveolar, que sustenta o dente. Paralelamente ao estudo realizado em ratos, desenvolvemos um modelo computacional para simular essa relação de causa e efeito entre a proteína e a perda óssea”, disse Ana Claudia Rossi, uma das coordenadoras do Laboratório de Pesquisa em Mecanobiologia da FOP.
No estudo, os pesquisadores analisaram 50 ratos machos da espécie Rattus norvegicus albinus com dois meses de vida. Quarenta animais sofreram contato prematuro induzido com a cimentação de apenas 1 milímetro de espessura de fio metálico no primeiro molar superior do lado direito.
Os animais foram divididos em quatro grupos de acordo com o período de sete, 14, 21 ou 28 dias após a aplicação do fio metálico. Havia ainda um grupo controle que teve a dentição mantida sem alteração da oclusão.
“Já na primeira semana os ratos tiveram perda óssea. As análises microscópicas mostraram que, no mesmo ponto que tinha expressão proteica, havia microdeformação no osso alveolar. Isso mostra que o contato prematuro induzido nos ratos atuou como um estímulo mecânico ‘alterado’, resultando, nos períodos iniciais, em excessos nas microdeformações compressivas no tecido ósseo de suporte do dente”, disse Rossi.
A deformação óssea foi quantificada pela simulação computacional com um modelo virtual do crânio e da mandíbula do rato. Já a expressão de proteínas foi analisada a partir de um estudo imuno-histoquímico, relacionado com a reabsorção óssea (da proteína Rank-L) em células denominadas osteoclastos, que têm a função de reabsorção no tecido ósseo.
“Com o modelo computacional foi possível realizar um mapeamento mecânico e biológico das alterações que ocorrem no osso alveolar frente às alterações biomecânicas provocadas por simulação de contato prematuro”, disse Rossi.
Segundo a pesquisadora, a associação dos resultados experimentais com as simulações computacionais proporcionou um melhor entendimento de alterações na oclusão.
“Acreditamos que isso abrirá caminho para estabelecer conhecimentos para estudos com aplicações clínicas na Odontologia. A ferramenta poderá contribuir no entendimento dos processos fisiológicos, dinâmicos e biomecânicos do osso alveolar nessas condições”, disse.
“Outro ponto interessante da nossa pesquisa é o fato de que o modelo virtual com alta aproximação ao real poderá ser usado para outros estudos em Odontologia, reduzindo assim o uso de animais em pesquisas”, disse Rossi.
A pesquisadora ressalta que ainda é preciso realizar mais estudos para aumentar a precisão dos resultados computacionais. “Futuramente, as análises poderão ser realizadas de maneira individual, simulando a condição de cada paciente, para que tanto os problemas quanto os tratamentos sejam cada vez mais adaptados à biologia e à mecânica do paciente”, disse.
Resultados da pesquisa foram apresentados na 34ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Pesquisa Odontológica (SBPqO), divisão brasileira da Associação Internacional de Pesquisa Odontológica (IADR, da sigla em inglês). O trabalho foi premiado com o 1º lugar na Área Básica em Apresentação Oral.