Apesar de pouco conhecida, profissão é uma das mais antigas do mundo
Na tentativa de se compreender e desmistificar todas as nuances que envolvem o injustificável acidente em Bento Rodrigues, subdistrito de Mariana (MG), um dos tópicos que as discussões “pós-catástrofe” levantaram foi a formação dos profissionais que atuam no ativo mercado de minas no Brasil.
Por se tratar de um setor vasto e com diversos segmentos de exploração, é necessário utilizar a mão de obra de diferentes especialidades para tornar o trabalho seguro, viável e completo. A área que mais profundamente estuda e se insere de forma técnica e científica com o setor é a Engenharia de Minas, uma profissão que, apesar de não muito conhecida, é considerada uma das mais antigas do mundo.
Surgimento da profissão
O seu início acompanha a história das civilizações. Por meio da mineração, o homem sempre buscou confeccionar ferramentas, utensílios domésticos, armamentos e materiais de caça. Um bom exemplo e, talvez, um dos primeiros que podemos utilizar, é o da Idade da Pedra.
Com a intensidade da exploração, o homem passou a observar e aprimorar suas técnicas de extração e manejo. Foi no extremo Oriente que o conceito de mina se cunhou de forma mais aproximada ao que conhecemos hoje. Pesquisadores estimam que a primeira mina de bronze encontrada foi uma obra chinesa datada de 400 anos a.C.
Com o tempo, os romanos passaram a dominar e aprimorar a extração de outros metais, como prata, ouro, ferro e chumbo, praticando técnicas avançadas para a época e possibilitando a transposição de água, através dos seus aquedutos, para facilitar as atividades nas minas.
Os trabalhos foram intensificados ao longo dos séculos e, em 1556, foi lançada a obra De Re Metallica [Da Natureza dos Metais], do alemão Georgius Agricola. O livro tematizava questões técnicas da mineração, fator que concedeu a Agricola o título de “o pai da mineralogia”. Mesmo com a produção, só 200 anos mais tarde seria organizada a primeira escola com estudo e pesquisa focados na área.
Fundada em 1765, a Academia de Minas de Freiberg (TU Bergakademie Freiberg, Alemanha) é conhecida por possuir o curso mais antigo do planeta em Engenharia de Minas. A criação da instituição foi fundamental para aprimorar as práticas que o setor conhecia até então.
Anos depois, com o apogeu das revoluções industriais, a mineração ganhou novos estudiosos e centros acadêmicos para fomentar a pesquisa. Tudo isso para sustentar as necessidades mais urgentes da escala exponencial de produção da nova Era. Parte da matéria-prima necessária utilizada para mover o sistema vinha principalmente das colônias europeias do Sul, em que o Brasil figurava como forte fornecedor.
No Brasil
Durante muito tempo, não existiram cursos de mineração no Brasil. O pouco ensinamento técnico a respeito da área era produzido de forma empírica ou era importado da Europa. Mas as extrações eram feitas e enviadas ao Velho Continente em larga escala, mesmo que de forma muito rudimentar, utilizando trabalho braçal e a custo da vida de inúmeros trabalhadores. E assim foi durante muito tempo, em nossa história. Mesmo após a independência de Portugal, o Brasil, dada sua riqueza natural, continuou a alicerçar a sua economia em exploração mineral. A partir do século 20, o País se consolidou no mercado internacional como um dos principais fornecedores de commodities do planeta.
Foi apenas no final do século 19 que o Brasil, em função da intensa exploração mineral da região, instituiu, em 1875, o primeiro curso de Engenharia de Minas do então Império, na Escola de Minas em Ouro Preto – hoje pertencente à Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop). O curso demorou a ser difundido pelo País. Só em 1946, sete décadas depois, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS) e a Universidade de São Paulo (USP) inauguraram graduações na área. De lá para cá, outros cursos foram criados e, mesmo com a expansão da área, existem hoje apenas 29 bacharelados em Engenharia de Minas, o que é considerado insuficiente, face ao alto número de minas em funcionamento (veja quadro com relação de cursos).
Cursos de Engenharia de Minas no Brasil
Ano de criação / Instituição / Estado
1875 - Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) - MG
1946 - Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) - RS
1946 - Universidade de São Paulo (USP) - SP
1949 - Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) - MG
1976 - Universidade Federal da Bahia (UFBA) - MG
1977 - Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) - PB
2005 - Universidade Presidente Antônio Carlos (Unipac) - MG
2008 - Universidade Estadual de Minas Gerais (UEMG) - MG
2008 - Faculdade Kennedy - MG
2009 - Faculdade do Noroeste de Minas (Finom) - MG
2009 - Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes) - ES
2010 - Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (Cefet/MG) - MG
2011 - Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) - PE
2011 - Adjetivo Cetep - MG 2013 - Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) - MT
2013 - Universidade Federal do Vale do Jequitinhonha (UFVJM) - MG
2013 - Faculdade Pitágoras de Belo Horizonte - MG
2013 - Faculdade Pitágoras de Ipatinga - MG
2013 - Centro Universitário Una - MG
2014 - Uni-BH - MG
2014 - Centro Universitário Luterano de Palmas (Ceulp) - TO
2014 - Universidade Federal do Ceará (UFC) - CE
2015 - Universidade Federal de Goiás (UFG) - GO
2015 - Universidade Federal de Alfenas (Unifal) - MG
2015 - Faculdade SATC FASATC - SC
2016 - Faculdade Pitágoras Governador Valadares - MG
Mais da metade da oferta de graduação da área se concentra no estado de Minas Gerais, por possuir um grande polo de exploração mineral. Os cursos têm duração de cinco anos, e um tronco comum de disciplinas de cálculo, física e química, como acontece em outras engenharias. Além dessas áreas de conhecimento, também integram o currículo o estudo de solos, rochas, possibilidades de exploração, viabilidade econômica e outras focadas na atuação profissional. Durante o curso, a responsabilidade ambiental no processo de exploração das minas é abordada, porém, de forma incipiente, considerando seu impacto.
Grade curricular
O curso da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) se destaca por ser o único do País com nota máxima (5) no Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade). Ainda assim, analisando a grade curricular da graduação, encontramos estudos em química, física, matemática, biologia, geologia, economia, mas nenhuma disciplina com um foco direcionado exclusivamente em segurança do trabalho.
Apenas no último semestre da graduação é oferecida a disciplina Proteção Ambiental, que envolve temáticas relacionadas à sustentabilidade e segurança de colaboradores. No curso de Engenharia de Minas da USP é oferecida uma disciplina que introduz a engenharia ambiental e outra de gerenciamento de risco de segurança, ambas no penúltimo semestre da graduação.
Um dos fatores que chama atenção nesse estudo panorâmico dos currículos de Engenharia de Minas é a quantidade de cursos com nota igual ou inferior a “3” no Enade, nota mínima para seu funcionamento. Segundo dados disponíveis pelo Ministério da Educação (MEC), das 29 graduações brasileiras, sete possuem nota “2” no exame (Ufop, Ceulp, UFBA, Finom, UFCG, FKBH e Unipac). A situação mais calamitosa é a da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), com nota “1”. O MEC recomenda que as instituições tirem pelo menos “3” na avaliação (numa escala que vai de 1 a 5), considerando que faculdades que pontuarem abaixo disso estão sujeitas a punições do Ministério, como o fechamento dos cursos.
Dentre as que obtiveram resultados insuficientes está a Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), uma das mais tradicionais e a mais antiga instituição a oferecer a graduação em Engenharia de Minas no Brasil. A Universidade tem um campus em Mariana. O curso da Ufop não possui nenhuma disciplina específica de segurança do trabalho, disponibilizando créditos na área de engenharia ambiental e projetos ambientais, sem detalhar a ementa das disciplinas em seu site. O curso de Engenharia de Minas da Faculdade Adjetivo Cetep, de Mariana (MG), é um dos mais novos da área e foi credenciado pelo MEC em 2016 com nota 3.
Considerando a importância econômica para o país da mineração e a qualidade dos cursos de Engenharia de Minas, pela própria avaliação do MEC, é urgente reavaliar a formação desses profissionais. Se isso não acontecer, erros e projetos mal executados continuarão a existir, e a tragédia de Mariana servirá apenas como mais um número a se repetir em diferentes níveis na atividade mineradora do Brasil. Importante, porém, ressaltar que no caso específico do desastre de Mariana, a empresa Samarco não cumpriu as recomendações do engenheiro responsável pelo projeto.
Referências
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TECHNISCHE UNIVERSITAT BERGAKADEMIE FREIBERG. Banco de dados. Disponível em: <http://tu-freiberg.de/>. Acesso em: 28 jun. 2016.
TEIXEIRA, M. Brasil tem carência de engenheiros: confira salários médios da categoria. Disponível em: <http://economia.ig.com.br/carreiras/2015-02-24/brasil-tem-carencia-de-engenheiros-confira-salarios-medios-da-categoria.html>. Acesso em: 28 jun. 2016.
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UFRGS ENGENHARIA DE MINAS. Banco de dados. Disponível em: <http://www.ufrgs.br/demin/>. Acesso em: 29 jun. 2016.
UFVJM. Banco de dados. Disponível em: <http://www.ufvjm.edu.br/>. Acesso em 28 jun. 2016.
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Thiago Ferreira Basílio - Jornalista graduado pelo Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp). Mestrando em Divulgação Científica e Cultural no Labjor/IEL/Unicamp. Premiado em duas edições do SET Universitário (Famecos/PUC-RS), destacando-se em produções e estudos em áreas audiovisuais. Estuda Comunicação e Educação (foco em crianças) e linguagem radiofônica (ênfase em radiodramaturgia), e trabalha no Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp) como editor-chefe da revista Escola Adventista. Revisor de livros (Editora Universitária Unaspress), e professor auxiliar do curso de Jornalismo da instituição. Email: thiago_ferbasilio@hotmail.com