Etapas fundamentais para concessão do EIA-RIMA nem sempre são cumpridas
Ao que tudo indica, parte dos congressistas brasileiros encontrou a solução para os entraves das obras de infraestrutura do País. Essa poderia ser uma ótima notícia, digna de capa de jornal e chamadas ao longo do dia nas principais emissoras de rádio e TV. No entanto, uma análise mais acurada mostra que, infelizmente, essa história não é bem assim. Nesse caso, o vilão para o desenvolvimento do Brasil tem nome e sobrenome: licenciamento ambiental.
Como vimos aqui em textos anteriores do livro Vozes e silenciamentos em Mariana: crime ou desastre ambiental?, o licenciamento ambiental (EIA - Estudo de Impacto Ambiental e RIMA - Relatório de Impacto Ambiental) é etapa fundamental para a análise da viabilidade ou não de grandes obras. Para a concessão do licenciamento ambiental são necessários três tipos de licenças: prévia, de instalação e de operação. Sem esse rito, nenhum empreendimento pode ser efetivado. Porém, nem sempre essas etapas são cumpridas adequadamente.
Se o licenciamento atual ainda provoca polêmicas entre o setor público e o privado, pelo tempo exigido para seu processamento adequado ou por sua fragilidade, face às pressões das empresas, poderá ainda ficar pior. Isso porque algumas dessas etapas poderão ser excluídas, como pode ser observado nas Propostas de Lei (PL) e/ou Propostas de Emendas à Constituição (PEC) que tramitam no Congresso Nacional. Como exemplo, são citadas aqui duas delas: a PEC 65/2012 e a PL do Senado 654/2015.
Como ficou evidenciado no caso do rompimento da barragem de Fundão, em Bento Rodrigues, subdistrito de Mariana (MG), controlada pela Samarco Mineração SA, o licenciamento ambiental ainda está longe de ser uma garantia de segurança. Dentre os problemas que emergem da lama, literalmente, neste caso, podemos citar a flagrante falta de fiscalização do planejamento proposto no Congresso Nacional para o licenciamento da obra.
As evidências apontadas pela Delegacia de Crimes contra o Meio Ambiente e o Patrimônio Histórico da Polícia Federal de Minas Gerais de que a barragem de Fundão foi mal construída, mal monitorada e usada acima de sua capacidade deixam claros os problemas relacionados à fiscalização e ao monitoramento do que foi planejado no licenciamento ambiental. Esses problemas constatados por especialistas, com base nos procedimentos previstos na legislação ambiental vigente e noticiada em reportagem do jornal Estado de Minas, em 9 de junho de 2016, poderão ser de difícil identificação, no futuro, se aprovados os projetos em curso, que atendem mais a interesses econômicos para agilizar etapas do licenciamento ambiental do que ao interesse público.
Isso porque as propostas que tramitam no Congresso não levam em consideração essas questões. Ao invés de aprimorar a regulação, pretendem flexibilizar o licenciamento ambiental, incorrendo no risco de pavimentar a estrada para que outros desastres ambientais, como o de Mariana, venham a ocorrer.
A PEC 65/2012 e a PL do Senado 654/2015: flexibilização
A PEC 65/2012, de autoria do senador Acir Gurgacz (PDT-RO), foi aprovada na Comissão de Constituição, Cidadania e Justiça (CCJ) do Senado em abril de 2016, seis meses após a tragédia de Mariana e no decorrer do processo de afastamento da presidente Dilma Rousseff. Em meio ao turbilhão de notícias sobre o processo de impeachment, a informação sobre a PEC 65/2012 apareceu timidamente na imprensa brasileira, sem que a sociedade brasileira pudesse discutir seus impactos.
Nem mesmo o fato de a proposta ter retornado à CCJ em agosto do mesmo ano, após forte pressão de entidades ambientais, mereceu um tratamento mais amplo dos veículos de comunicação. Mas trata-se de tema importante para o País, pois propõe acrescentar um parágrafo ao artigo 225 da Constituição Federal, que dispõe sobre o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, impondo ao Poder Público e à coletividade o dever de preservá-lo. A redação do parágrafo adicional proposto diz o seguinte:
Art. 225. § 7º A apresentação do estudo prévio de impacto ambiental importa autorização para a execução da obra, que não poderá ser suspensa ou cancelada pelas mesmas razões a não ser em face de fato superveniente. (BRASIL. Senado Federal, 2012)
Sem examinar a eficácia da proposta, o acréscimo desse parágrafo na Carta Magna abre caminho para extinção de licenças prévias de instalação e operação, bastando apenas que se apresente o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) por parte do empreendedor para a liberação da obra. E mais: se aprovada a PEC, depois de iniciadas as obras, mediante apenas a apresentação do EIA, não será mais possível paralisá-las.
O que também chama a atenção para a PEC 65/2012 é a justificativa do senador Acir Gurgacz de que o licenciamento ambiental é a causa para o desperdício de dinheiro público em grandes obras. A proposta do senador, claramente de natureza política, não demonstra preocupação efetiva com o impacto de obras no meio ambiente, que é o objetivo atual do artigo 225. Fica claro, portanto, que em momento algum são apresentados argumentos técnicos ou questionamentos sobre o real motivo das paralisações de certas obras, que não seguem os ritos e o rigor necessários para a obtenção do licenciamento ambiental, como foi o caso da barragem de Fundão, sob a responsabilidade da Samarco.
Já a PLS 654/2015, de autoria do senador Romero Jucá (PMDB-RR), nasce no contexto da chamada “Agenda Brasil”, conjunto de proposições de medidas legislativas apresentadas em setembro de 2015 pelo presidente do Senado Federal, Renan Calheiros (PMDB-AL), com a justificativa de melhorar o ambiente de negócios e enfrentar a crise econômica que o Brasil atravessa. Porém, a receita do senador para fazer a economia brasileira voltar a crescer simplesmente desconsidera por completo uma outra agenda, amplamente debatida mundo afora, a da sustentabilidade ambiental.
A proposta de Jucá prevê um ritmo acelerado para o licenciamento de grandes obras que o Governo Federal julgar estratégicas, como hidrelétricas, estradas, hidrovias, portos e linhas de transmissão e comunicação, reduzindo o processo atual que leva, em média, cinco anos para ser concluído para apenas cerca de oito meses. Pior: o projeto também não apresenta qualquer argumento técnico que valide sua iniciativa ou que aponte qual deve ser o tempo necessário para que os estudos de impacto ambiental sejam realizados.
No texto inicial, o autor incluía também as obras de “exploração de recursos naturais”, como é o caso de barragens de minério, como a que se rompeu em Bento Rodrigues. Porém, com os holofotes voltados para a tragédia ocorrida em Minas Gerais, o senador decidiu retirar esse item de última hora, antes de apresentá-lo aos demais integrantes da Comissão Especial do Senado. No dia 25 de novembro de 2015, essa Comissão aprovou a proposta que depende, ainda, de votação no Senado Federal.
Vale ressaltar que ambas as proposições fragilizam e extinguem uma parte importante do processo de licenciamento ambiental: a participação da população por meio de audiências públicas, em que são esclarecidas questões sobre a atividade com potencial de degradação ambiental. Nessa etapa, a sociedade civil pode, inclusive, enviar propostas e solicitações que serão encaminhadas ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA).
Sem dúvida, é desejável que o licenciamento ambiental seja aperfeiçoado. Mas, para que isso aconteça de forma coerente, é necessário que as informações sobre os processos sejam discutidas em audiências públicas, circulem e ganhem mais espaço na mídia brasileira. Até agora, o que vemos é uma discussão que está restrita a poucos veículos, principalmente na mídia impressa e em alguns sites especializados.
No telejornal de maior audiência do País, que fez uma ampla cobertura do caso de Mariana, não há sequer menção às aprovações de tais propostas pelas comissões do Senado, como se pode constatar em uma pesquisa na página do Jornal Nacional, da Rede Globo. Falta aos meios de comunicação correlacionarem os temas, que estão intrinsecamente ligados. Sem informação, corre-se o risco de ampliar as possibilidades de novos desastres, como o de Mariana.
(Atualização em 19/12/2017 da PLS 654/2015, de autoria do senador Romero Jucá (PMDB-RR): no site do Senado consta a última informação de 28/06/2017 - AGUARDANDO INCLUSÃO ORDEM DO DIA DE REQUERIMENTO, relator atual Blairo Maggi; Atualização em 19/12/2017 da PEC 65/2012, de autoria do senador Acir Gurgacz (PDT-RO): no site do Senado consta a última informação de 01/12/2016 - AUDIÊNCIA PÚBLICA, relator atual Randolfe Rodrigues).
Referências
AGÊNCIA SENADO. CCJ debaterá regras de licenciamento ambiental para continuidade de obras públicas. Agência Senado. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2016/08/03/ccj-debatera-regras-de-licenciamento-ambiental-para-continuidade-de-obras-publicas>. Acesso em: 10 ago. 2016.
AGÊNCIA SENADO. Agenda Brasil. Agência Senado. Disponível em: <http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2015/08/12/agenda-brasil>. Acesso em: 10 ago. 2016.
BBC. Senador autor de PEC ambiental polêmica reconhece benefício a empresa da família. BBC. Disponível em: <http://www.bbc.com/portuguese/brasil/2016/05/160509_gurgacz_emenda_rs>. Acesso em: 10 ago. 2016.
BRASIL. IBAMA. Documentos relacionados ao desastre da Samarco em Mariana/MG. Disponível em: <http://www.ibama.gov.br/recuperacao-ambiental/rompimento-da-barragem-de-fundao-desastre-da-samarco/documentos-relacionados-ao-desastre-da-samarco-em-mariana-mg/188-acesso-a-informacao/auditorias>. Acesso em: 10 ago. 2016.
BRASIL. Ministério Público Federal. Nota Técnica – A PEC 65/2012 e as Cláusulas Pétreas. Disponível em: <http://www.mpf.mp.br/pgr/documentos/nota-tecnica-pec-65-2012/>. Acesso em: 10 ago. 2016.
BRASIL. Senado Federal. Projeto de Emenda à Constituição nº 65, de 13 de dezembro de 2012. Dispõe sobre o procedimento de licenciamento ambiental especial para empreendimentos de infraestrutura considerados estratégicos e de interesse nacional. Disponível em: <https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/109736>. Acesso em: 10 ago. 2016.
BRASIL. Senado Federal. Projeto de Emenda à Constituição nº 654, de 29 de setembro de 2015. Dispõe sobre o procedimento de licenciamento ambiental especial para empreendimentos de infraestrutura considerados estratégicos e de interesse nacional. Disponível em: <https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/123372>. Acesso em: 10 ago. 2016.
CONSELHO DE ARQUITETURA E URBANISMO. Manifesto: “Arquitetos e Urbanistas contra a PEC 65/2012”. Disponível em <http://www.caubr.gov.br/caubr-condena-emenda-constitucional-que-anula-o-licenciamento-ambiental/>. Acesso em: 10 ago. 2016.
ESTADO DE MINAS. PF aponta falhas e omissão da Samarco na tragédia de Mariana. Estado de Minas. Disponível em: <http://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2016/06/09/interna_gerais,771085/pf-aponta-falhas-e-omissao-da-samarco-na-tragedia-de
-mariana.shtml>. Acesso em: 10 ago. 2016.
JORNAL NACIONAL. Todas as edições. Jornal Nacional. Disponível em <http://g1.globo.com/jornal-nacional/edicoes/>. Acesso em: 10 ago. 2016.
OBSERVATÓRIO DO CLIMA. Vem aí a PEC da Samarco. Observatório do Clima. Disponível em: <http://www.observatoriodoclima.eco.br/vem-ai-a-pec-da-samarco/>. Acesso em: 10 ago. 2016.
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Leonardo Piacentini Chagas - Jornalista pela PUC-Campinas (2007). Trabalhou na TV Cultura no projeto "Univesp TV". Atuou como repórter e documentarista. Produziu o documentário "Nascimento das Universidades - Unicamp" e a reportagem especial "As escolas de Educação Infantil de Reggio Emília e Conversação -TGD na Escola". Tem experiência com divulgação de trabalhos acadêmicos e produção de vídeos e entrevistas. email: lp_chagas@hotmail.com