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De volta para o Recôncavo Baiano

Jornalista volta para Santo Antônio de Jesus para ajudar a família

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Ilustração: Luppa Silva“Eu parto do princípio, cantado por Emicida, que jamais posso voltar para a ‘minha quebrada de mão vazia’”. Um dos vencedores do Prêmio Tim Lopes de Jornalismo Investigativo em 2015, Edvan Lessa voltou para Santo Antônio de Jesus, na Bahia, com boas-novas na bagagem, depois de obter o título de mestre em divulgação científica e cultural pelo Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Unicamp. O jornalista recebeu alguns convites para atuar como freelancer depois da premiação pela série Tempo Perdido no Prêmio Tim Lopes e da classificação para a final de outros dois prêmios – ExxonMobil (Esso) 2015 e 2º Prêmio Tetra Pak de Jornalismo Ambiental (Oesp), mas até que venha o doutorado em uma das universidades públicas paulistas, ele tem motivos de sobra para permanecer na Bahia, entre eles, cuidar da família e disseminar o conhecimento adquirido na universidade.  “Jornalista eu já sou, mas o que eu quero mesmo é poder ensinar e deixar o mundo mais vasto de minhas ideias. Tornar-me um professor e escritor.”

Na chamada capital do Recôncavo Baiano, por meio de concurso público, ele assumiu o cargo de Agente Local de Inovação do Sebrae, com bolsa do CNPq, para ficar próximo da família e ajudar outras pessoas a conquistarem seus objetivos. “Impressionante como a minha volta para casa já possibilitou um avanço real na vida dos meus pais e irmãos. Se antes eu funcionava como referência, já que consegui inserir minha irmã na universidade, hoje eu entendo que da minha renda consigo dar mais dignidade para que minha mãe vá ao médico, que meus irmãos possam calçar um sapato, ter uma sandália e apoiar a minha namorada, que ainda não alcançou o posto desejado.”

Antes de ganhar o mundo com suas ideias, o jornalista ganhou a atenção de santoantonienses e paulistas de diferentes cidades, o que ele chama de “rede de solidariedade”. Mais que dinheiro, juntou confiança para se mudar da Bahia para Campinas em busca de pós-graduação em jornalismo científico. Conseguiu desde empréstimo de cartão de crédito para a passagem de avião até hospedagem em casa de conhecidos. Sem falar na prima de São Paulo que, mesmo sem conhecê-lo profundamente, colaborou de maneira essencial. “Meus pais, amigos e namorada e nem mesmo eu sabíamos como as coisas se desenrolariam. O que eu não cogitei foi desistir; não era uma opção. Não tinha fundo de reserva, bolsa e nem meus pais tinham qualquer condição de manter a minha estada em Barão Geraldo. Precisei da ajuda de amigos de uma professora para encontrar o imóvel comigo e dar o cheque que garantiria a casa; precisei de documentos de uma segunda professora para ser a locatária; tomei dinheiro emprestado para pagar a fiança do imóvel alugado, tomei dinheiro emprestado para comprar comida nas primeiras semanas e recebi ajuda para comprar o colchão. Eu jamais teria conseguido sozinho.”

Erico Xavier
Edvan Lessa: “Impressionante como a minha volta para casa já possibilitou um avanço real na vida dos meus pais e irmãos” | Foto: Erico Xavier

Aluno de boas notas e instinto educador, o jornalista acredita ter faltado referências mais precoces para ser um estudante mais consciente do lugar que poderia alcançar com tanto potencial, mas as palavras de um professor de filosofia, num rápido deslize, ecoam até hoje. “Ele me disse que eu poderia ser melhor do que aquilo que eu aparentava naquele momento. Foi o pulo do gato.”

Num estágio na Caixa Econômica Federal, durante o ensino médio, descobriu o que era a universidade. “Ninguém havia conversado sobre isso comigo antes – talvez achassem que eu já soubesse por ser engajado na escola. No estágio, entendi o que era ter uma graduação e eu queria ter aquilo. Não uma, talvez duas. Quis ser diplomata, mas ainda havia um caminho pela frente que eu precisaria trilhar. Optei pelo Jornalismo por sugestão de uma amiga do estágio. Via esse curso como entremeio para ser diplomata, mas acabei descobrindo-o como potência para outras coisas e acabei me realizando com o campo.”


Incentivos

Hoje, Lessa não quer que faltem referências a outras crianças. Na adolescência, já ajudava colegas com dificuldade de aprendizagem e outros que compartilhavam o sonho de mudar de vida a partir da educação. “Incentivos do governo são essenciais porque eles dão as condições práticas, viabilizam as conquistas e ajudam a ultrapassar as limitações mais básicas. Mas não é só isso. Meritocracia é o jeito mais fácil de ocultar esforços legítimos, a exemplo de políticas públicas como o Bolsa Família, da qual fui beneficiário, e dos atores, como as minhas professoras, que abrem os caminhos para que pessoas com alguma predisposição e todas as chances de desistir, avancem.”

O que ainda pode ser feito, em sua opinião, é qualificar os instrumentos de garantia de direitos para que as pessoas entendam que direito é conquista. “Uma vez beneficiados por algo, não podemos também nos dar o privilégio de não refletir sobre o motivo de receber a tal ajuda e o que podemos entregar de volta, uma vez que já estivemos amparados.”

A primeira experiência escolar do jornalista, incluindo a alfabetização, foi numa escola infantil privada de seu bairro, onde a mãe conseguiu mantê-lo até a quarta-série, salvo a segunda série, frequentada em escola pública, assim como o segundo ciclo do ensino fundamental.  O carinho pela educação é tão notável, que faz questão de citar o Colégio  Estadual Luiz Viana Filho e Colégio Modelo Luís Eduardo Magalhães, onde cursou o ensino médio. Apesar de promoverem uma boa formação, Lessa chama atenção para problemas que já não deveriam mais soar como música batida aos ouvidos: o sucateamento. “A escola sempre foi sucateada em sua essência, pela desvalorização dos professores e ausência de equipamentos. Diria que sobrevivi com um mínimo, até por não saber o que eu poderia ter além daquilo – ou naturalizar que o último recurso para nós, vindos de classe baixa, sempre é estudar – e não refletir sobre como tudo poderia ser melhor.”

A mãe, que abandonou a oitava série por conta da necessidade de trabalhar e sustentar a casa, jamais abriu mão de investir em educação para ele e seus cinco irmãos mais novos. O pai também não cochilou na educação dos filhos e, mesmo sem compreensão ampla das mudanças que uma graduação oferece, serviu como referência de caráter, segundo o jornalista. Contudo, não deixa de acentuar a participação de amigos e professores em sua trajetória.

Por muito tempo, Edvan aceitou ser definido como um aluno esforçado, mas decidiu assumir o substantivo inteligente entre suas qualidades. “Sempre fui inteligente, mas só agora eu percebo isso. É difícil desconhecer o caminho e não se perder. Felizmente contei com meus pais e professoras. Por um tempo, me definiram como esforçado, mas hoje esse adjetivo já não cabe porque somente escolhas inteligentes e, obviamente, todo apoio e toda ajuda que encontrei no caminho me fariam chegar aonde cheguei.”

 

 

Imagem de capa JU-online
Edvan Lessa | Foto: Erico Xavier

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