Pigmento ativo do açafrão-da-índia tem baixa toxidade e efeitos colaterais desprezíveis
A colite de exclusão é uma doença inflamatória que acomete o segmento do intestino grosso desprovido de trânsito intestinal. Ela se manifesta quando o órgão sofre uma interrupção desse fluxo – processo que é adotado em uma cirurgia quando, por razões diversas, o intestino seccionado não pode ser novamente unido, mesmo que temporariamente. No caso, a porção isolada do órgão, onde não circula mais o conteúdo intestinal, deixa de receber nutrientes que lhe são essenciais, como ácidos graxos de cadeia curta. Essa carência modifica o metabolismo energético das células, acentuando a produção de radicais livres, o que determina lesão tecidual devido à quebra de diferentes mecanismos de barreira existentes na mucosa cólica. Essa inflamação promove alterações das concentrações de sulfomucinas e sialomucinas na camada que recobre o epitélio do intestino.
Como a curcumina (Curcuma L.) – um pigmento que faz parte de um componente ativo do açafrão-da-índia – é uma das substâncias naturais com grande potencial antioxidante, de baixa toxidade e de efeitos colaterais desprezíveis, teoricamente está credenciada a ser utilizada para o tratamento da colite de exclusão. Essa possibilidade orientou a pesquisa de mestrado do médico coloproctologista Antonio José Tibúrcio Alves Júnior, que estudou a ação da curcumina no combate a esse processo inflamatório, avaliando seu efeito nas mucinas ácidas – sulfomucinas e sialomucinas – no segmento colônico excluso. Na pesquisa com animais, o autor concluiu que a aplicação da curcumina aumenta o conteúdo de mucinas ácidas no cólon excluso e que o grau de ação sobre a inflamação depende da dose e do tempo de intervenção medicamentosa.
Estudos mostram que a mucosa cólica desprovida de suprimento de ácidos graxos de cadeia curta desenvolve colite de exclusão, uma vez que as células do epitélio cólico, sem o fornecimento nutricional adequado, têm modificado seu metabolismo oxidativo mitocondrial, produzindo altos níveis de radicais livres. Isto quebra o mecanismo de barreira e induz o processo inflamatório. Caberia verificar se a curcumina, a exemplo de outros antioxidantes de ações já devidamente comprovadas, poderia contribuir para a reversão do processo, com a vantagem de se constituir em uma terapêutica de baixíssimo custo.
O trabalho com animais foi realizado no Laboratório de Investigação Médica da Universidade de São Francisco, em Bragança, onde o orientador da dissertação, professor Carlos Augusto Real Martinez, mantém uma linha de pesquisa em colite de exclusão – na Unicamp, ele é docente associado do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) e coordenador do Ambulatório de Neoplasias Colorretais. O estudo foi coorientado pelo professor Claudio Saddy Rodrigues Coy, do Departamento de Cirurgia e coordenador do Grupo de Coloproctologia da Disciplina de Moléstias do Aparelho Digestivo.
Procedimentos e conclusões
O trabalho teve como objetivo quantificar o conteúdo tecidual das sulfomucinas e sialomucinas na mucosa cólica desprovida de trânsito fecal e inflamada, submetida à intervenção com curcumina, e avaliar a importância da dose utilizada e do tempo de intervenção proposto.
Para tanto, o pesquisador induziu a colite de exclusão em 36 ratos, fazendo a derivação do trânsito intestinal por colostomia proximal, parte do intestino em que chegam as fezes, excluindo a porção do cólon distal, desprovido de trânsito. Dividiu-os então em três grupos de 12 animais. Cada um deles passou a receber, pela porção distal da colostomia, injeções diárias, respectivamente, de solução fisiológica 0,9% e de curcumina nas concentrações de 50 mg/kg/dia e de 200 mg/kg/dia. Por sua vez, cada um desses grupos foi subdividido em dois outros para eutanásia, após 2 e 4 semanas, períodos que se determinou as proporções de sulfomucinas e sialomucinas na mucosa. O conteúdo tecidual dessas mucinas foi mensurado por análises de imagens assistidas por computador.
Os resultados mostraram que o conteúdo de sulfomucinas e sialomucinas na mucosa cólica submetida à intervenção com curcumina aumenta, quando comparado com a mucosa cólica que recebeu apenas soro fisiológico, sendo maior quando usada concentração de 200 mg/kg.dia durante quatro semanas.
Mecanismo e importância
As sulfomucinas e as sialomucinas são proteínas do muco, principal componente da defesa intestinal. As células maduras são capazes de produzi-las na quantidade adequada. Com o processo inflamatório, as células mais jovens, além de não atingirem a maturidade, produzem pequena quantidade de sulfomicinas e nenhuma de sialomucinas, levando a um desequilíbrio na distribuição apropriada dessas proteínas no muco.
A curcumina combate o efeito oxidativo dos radicais livres permitindo que células mais jovens consigam envelhecer e se mantenham, garantindo a reposição da sialomucina, que é usada como marcador da inflamação. Em consequência, o efeito da medicação pode ser comprovado com a medição das proporções de sulfomucinas e sialomucinas. A recuperação tecidual dessas mucinas é dimensionada através de sua quantificação por imagens computacionais.
A importância da pesquisa ressalta quando se sabe que cerca de 50% de pacientes que precisam ser submetidos à colostomia não conseguem, por vários motivos, ter os dois segmentos intestinais religados e, portanto, precisam conviver com os sintomas decorrentes da colite de exclusão. Entre eles mencionam-se sangramentos, dores abdominais, tenesmo (vontade de evacuar sem ter o quê), produção de muco (uma secreção espessa e esbranquiçada) liberado pelo ânus.