Material permite a liberação local e controlada de medicamentos minimizando efeitos colaterais
Conhecem-se os efeitos colaterais, muitas vezes devastadores, que determinados fármacos utilizados na quimioterapia causam no organismo. Destinados a atacar as células que se propagam rapidamente, caso das cancerígenas, eles destroem também células sadias. O efeito mais visível e conhecido é o da queda do cabelo, cujas células se renovam naturalmente com maior velocidade que as demais células do organismo e, por isso, são mais vulneráveis.
Para minimizar essas ações danosas têm sido criadas nanopartículas que transportam moléculas de medicamentos diretamente para as células doentes, recurso que vem se estendendo para a cura de órgãos afetados por diferentes doenças. Dentro dessa perspectiva, a linha de pesquisa coordenada pela professora Cátia Cristina Capelo Ornelas Megiatto, do Departamento de Química Orgânica do Instituto de Química (IQ) da Unicamp, tem como foco principal o desenvolvimento de nanomateriais orgânicos e híbridos para aplicações em nanomedicina, visando à liberação controlada de fármacos em sítios específicos. É o que mostra a tese de doutorado recém-apresentada por seu orientado Tiago Branco Becher, que trabalhou na formulação de novos hidrogéis injetáveis e nano-hidrogéis biodegradáveis para aplicação na condução de fármacos.
Embora, em mais longo prazo, o objetivo dos estudos orientados pela docente sejam os nano-robôs, atualmente os materiais desenvolvidos pelo grupo para a obtenção de nano-partículas são bem diversificados. Os nano-hidrogéis estão entre eles, juntamente com hidrogéis injetáveis produzidos e testados para aplicação em locais específicos ou de uso tópico. Os estudos envolvem também a obtenção de dendrímeros, compostos moleculares com estruturas semelhantes a árvores, disposição que possibilita a adição em cada ramo de agentes com funções diversas, tanto daqueles direcionados para o ataque a doenças especificas como cânceres da próstata, da mama, do ovário, como aqueles que permitem acompanhar o percurso do fármaco através de imagens.
O grupo trabalha ainda com nano-partículas provenientes de polímeros naturais derivados de moléculas de um tipo de açúcar, devidamente modificadas para a encapsulação de fármacos. Inclusive, está sendo estudo com vistas à obtenção de nano-partículas que viabilizem a condução de um coquetel de antibióticos de forma a fazê-los chegar mais direta e poderosamente às bactérias mais resistentes, o que contribui para minimizar a crescente resistência do organismo a essas medicações. Todos esses trabalhos envolvem etapas distintas: inicialmente desenvolve-se a formulação do material adequado à produção das nano-partículas com as propriedades desejadas; depois são realizados os testes in vitro com o objetivo de verificar a biocompatibilidade do material empregado; finalmente, ainda in vitro, são realizados os testes biológicos com as nano-partículas funcionalizadas pelos fármacos nas células doentes.
Cátia Megiatto , que há cinco anos veio para a Unicamp atraída pelo seu prestigio internacional, graduou-se em química pela Universidade da Madeira, Portugal, cursou doutorado na Université de Bordeaux 1, França, e realizou cinco anos de pós-doutorado em três universidades americanas: Arizona State University, University of California Berkeley e New York University.
Um estudo específico
Em relação ao trabalho de seu orientado Tiago Becher, a docente do IQ distingue duas partes. A primeira teve como finalidade o desenvolvimento de um novo tipo de hidrogel hibrido – constituído por um polímero, nanodiscos de sílica e cerca de 95% de água – visando a sua aplicação injetável para liberação controlada de fármacos em locais específicos, como por exemplo, diretamente no local de um tumor recém-removido, a fim de eliminar eventuais células cancerígenas remanescentes. Os hidrogéis obtidos revelaram-se biocompatíveis, biodegradáveis e robustos, ou seja, suas partículas conservam-se íntegras e auto recuperáveis – embora o gel se transforme em líquido durante a injeção, cessada a pressão da seringa, volta a ser gel; e não sofrem inchamento, expansão de volume pela absorção de água, o que levaria à explosão das partículas. Todas essas propriedades são fundamentais nos hidrogéis injetáveis.
Os resultados obtidos levaram ao uma colaboração com o grupo de pesquisas liderado pelo professor François Berthod, da University of Laval, em Quebec (Canadá), em que os hidrogéis estão sendo testados como possíveis candidatos na aceleração de cicatrização da pele. Outra cooperação foi estabelecida com o grupo de pesquisa coordenado pelo professor Marcelo Bispo, do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, que testa o hidrogel in vivo em camundongos, visando a recuperação do nervo ciático. Em ambos os trabalhos, os resultados preliminares mostram alta biocompatibilidade do material in vivo e a eficiência na liberação controlada dos fármacos.
Na segunda parte do trabalho, as melhores formulações encontradas para a obtenção dos hidrogéis em macroescala foram então testadas também em nanoescala, com as partículas fobtidas através de um processo de nanoemulsão, do que resultam nanogotas com diâmetro entre 100 a 200 nm (um nanometro corresponde a 10-7 cm). Nesta forma, o material é injetável na corrente sanguínea, que o conduz até o local desejado. Tiago Becher conseguiu adicionar ao nano-hidrogel até três fármacos, simultaneamente. Para o combate a células cancerígenas em geral, a adição desse coquetel de fármacos não se mostrou mais efetiva do que o uso de um único fármaco. Entretanto, para o câncer de mama, a eficiência do coquetel desenvolvido mostrou-se dez vezes maior do que o fármaco usado atualmente, resultado muito importante para o combate dos casos mais avançados da doença, em que as células são mais resistentes.
A docente explica que quando as células do câncer crescem o fazem de forma tão descontrolada que surge entre elas poros maiores que os existentes nos tecidos sadios, onde se distribuem de forma organizada e bem definida. As nano-partículas, embora pequenas, ainda são grandes para penetrar nos poros envolvidos pelas células benignas, mas suficientemente pequenas para chegar aos poros decorrentes do crescimento desordenado das células cancerígenas, aonde os fármacos são então progressivamente liberados. Este mecanismo dá uma ideia geral do seu emprego na nanomedicina.
Cátia Megiatto enfatiza que o hidrogel pode ser funcionalizado segundo diferentes necessidades médicas, como nos casos da terapia pós-cirúrgica de cânceres, em que é colocado no local de extração do tumor; da injeção para recuperação do nervo ciático; da aplicação tópica para regeneração da pele. Os nano-hidrogéis oferecem ainda o recurso de carrear vários fármacos simultaneamente, aumentando a probabilidade de ataque a estágios mais avançados das células cancerígenas. Os estudos demostraram aumento significativo na eficiência dos fármacos anticâncer quando incorporados na estrutura dos nano-hidrogéis, o que evidencia o grande potencial destes novos materiais.