Estruturas submersas compostas de geoformas de tecido geotêxtil preenchidas com areia funcionarão como quebra-mar e para controle de correntes marítimas
Os professores Tiago Zenker Gireli e Patrícia Dalsoglio Garcia, do Departamento de Recursos Hídricos da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC) da Unicamp, disponibilizaram para a prefeitura da cidade de Santos, litoral sul de São Paulo, projeto piloto que visa minimizar a erosão e os danos causados pelas ressacas no litoral santista, particularmente na Ponta da Praia, trecho mais afetado. A proposta consiste na construção de duas estruturas submersas: uma delas parte da mureta da orla, próxima ao Aquário, e segue por 275 metros mar adentro; a outra, que dá sequência à primeira, se estende paralela ao muro da praia por 240 metros. Estas estruturas, apoiadas no leito submarino, são construídas com bags (sacos) de geoformas de tecido geotêxtil (material polimérico inerte e de baixo impacto ambiental) que receberão aproximadamente sete mil toneladas de areia retirada das proximidades.
A Ponta da Praia enfrenta condições críticas de erosão e, em decorrência, sua faixa de areia praticamente inexiste. Embora a Prefeitura de Santos realize intervenções emergenciais para minimizar a erosão, depositando no local areia retirada dos Canais 2 e 3, essa deposição não tem se revelado suficiente para compensar o processo erosivo. De outro lado, o reforço com pedras junto aos muros não tem protegido adequadamente a infraestrutura urbana, pois nas ressacas as águas invadem avenidas, atingem sinaleiros, passarelas, casas e chegam aos estabelecimentos comerciais.
Para enfrentar tais problemas, os pesquisadores propuseram, em lugar das clássicas e dispendiosas estruturas de blocos de pedra ou concreto, a utilização de materiais geossintéticos, mais baratos. Os tubos flexíveis de geotêxtil têm sido aplicados para construção de diques e quebra-mares nos Estados Unidos, Golfo do México, Austrália e Coreia do Sul. Eles oferecem a grande vantagem de poderem ser preenchidos com materiais encontrados in situ por meio de bombeamento hidráulico, além de possibilitarem construção rápida e econômica. A solução proposta consiste em uma estrutura em grande parte submersa e montada com geotubos preenchidos com areia da praia. O objetivo dos pesquisadores era uma solução de baixo custo e, por isso, de dimensões limitadas, mas que possibilitasse um monitoramento adequado dos seus efeitos em curto e médio prazo.
A figura anterior mostra o posicionamento do piloto montado em tamanho real. O primeiro trecho da obra, enraizado junto à mureta da praia, chamado de eixo transversal, tem as funções de: 1) reduzir significativamente a velocidade das correntes de maré que se direcionam para a embocadura do estuário santista no trecho entre a obra e a linha de costa, o que impediria o acúmulo de sedimentos dentro do espaço delimitado pela obra; 2) servir de proteção e de suporte à deposição esperada de sedimentos entre a obra e a costa; 3) permitir uma adequada circulação da corrente superficial, evitando assim a deterioração da água e garantido condições de balneabilidade. Por isso, esse trecho é formado por uma única linha de geotubos que avançam mar adentro. Para prevenir vandalismos, os primeiros 75 metros, que ficarão a descoberto, deverão receber uma camada de blocos de enrocamento, que são grandes blocos de pedra.
O segundo trecho, que se junta ao primeiro, chamado longitudinal, e que se estende paralelo aos muros de proteção, tem a finalidade de mudar a direção das ondas incidentes, diminuindo ou até eliminando o transporte longitudinal costeiro em direção ao canal 6, como atualmente ocorre. É nesse paredão que as ondas se quebram, perdem energia e mudam de direção. Este segmento foi projetado com duas camadas de geotubos: a inferior, composta por duas linhas justapostas de bags, e a superior, por uma única linha deles, como mostra a figura.
Além dos efeitos já apontados, Tiago Gireli e Patricia Garcia destacam a possibilidade de remover facilmente o geotubos, deixando apenas a areia, caso as estruturas levem a impactos ambientais indesejados em regiões adjacentes – preocupação relevante porque os modelos matemáticos existentes não se revelaram capazes de reproduzir as condições locais. Em vista disso, o modelo empírico construído em escala real pode apresentar efeitos que não puderam ser dimensionados, demandar modificações ou mesmo se mostrar inviável. Se a proposta atingir os resultados almejados, o acréscimo de areia será mais rápido quanto maior a sua deposição pela Prefeitura, que a continuará realizando no local.
Os pesquisadores esperam que no futuro o projeto possa ser replicado para os aproximadamente três quilômetros compreendidos entre a Ponta da Paria e o Canal 4, cessando definitivamente o recuo que a linha da costa vem sofrendo nessa região, bem como os problemas urbanos atualmente provocados pelas ressacas. Os monitoramentos e os estudos deles decorrentes poderão, aí sim, orientar possíveis intervenções definitivas. Como a orla de Santos tem sete quilômetros de praias, que se estendem da Ponta da Praia ao Emissário Submarino, o sucesso da empreitada pode determinar a recuperação de parte significativa da baía de Santos.
Na elaboração do projeto houve a preocupação de manter a obra imersa, mesmo com a variação das marés, para minimizar impactos visuais negativos sobre uma região turística. Em vista disso, o afloramento de parte da estrutura ocorrerá apenas em casos de eventos meteorológicos extremos.
Pontos de partida
Desde que chegou à Unicamp em 2008, com uma larga experiência acumulada na área de portos, rios e canais, o professor Tiago Gireli introduziu no seu departamento esta linha de pesquisa, à qual veio se juntar mais tarde Patricia Garcia, primeiro como pesquisadora e depois como professora. Sua equipe tem realizado levantamentos acerca da erosão nas praias de Santos desde 2014. “Em razão dos trabalhos de prospecção que vínhamos realizando na região, fomos contatados pela administração de Santos interessada em uma solução para o problema. Atendemos prontamente porque é uma das funções da universidade pública devolver à sociedade em benefícios o que o Estado gasta com ela”, diz Patricia.
Estabeleceu-se então um convênio sem custos entre o município e a FEC para a elaboração de um projeto piloto e seu monitoramento durante cinco anos. O projeto teve como base as experiências do grupo, estudos pretéritos que utilizaram modelagens matemáticas e também levantamentos de campo resultantes de monitoramentos contínuos realizados na área por pesquisadores e pela própria Prefeitura.
Para a implantação da obra, já em andamento, serão gastos 3 milhões de reais, liberados pelo Ministério Público Estadual e resultantes da aplicação de multa ambiental por um acidente ocorrido no Porto de Santos. Tiago lembra que esse valor havia sido estipulado anteriormente por empresas contatadas pela municipalidade apenas para elaboração de projeto, o que o inviabilizaria, pois não restariam recursos para a execução das estruturas. Este foi o grande diferencial que levou a administração municipal a optar pela Unicamp. A propósito, o docente acrescenta. “Além da contribuição social, os estudos que realizamos na região nos têm dado suporte para pesquisas de iniciação cientifica, mestrado e doutorado, e artigos que estamos produzindo, o que vem beneficiado alunos de graduação e pós-graduação da FEC”.
As análises de todo o arsenal de informações disponíveis levaram os pesquisadores à conclusão que as modelagens matemáticas se distanciavam das observações de campo realizadas na Ponta da Praia, embora respondessem bem a outros trechos da baia de Santos. Isso ocorre porque se trata de uma região que apresenta vários complicadores: proximidade da embocadura do estuário santista; localização atrás da ilha em que se encontra a cidade do Guarujá onde as ondas refretem e desviam; atravessada pelo canal de acesso ao Porto de Santos; e submetida a outras interferências naturais ou antrópicas não abarcadas por softwares, incapazes de simulação que se aproxime da realidade.
Estas limitações levaram os pesquisadores a propor uma estrutura de pequeno porte, de ação mais localizada, que não agredisse o meio ambiente e capaz de devolver paulatinamente a areia à praia – que, esperam, possa vir a ser acessada diretamente da calçada da avenida beira-mar. As expectativas dos docentes são otimistas: acreditam que o monitoramento dos próximos cinco anos contribuirá para melhorar o conhecimento sobre a ação das ondas e, ao mesmo tempo, encontrar uma solução própria para uma região que sofre com a erosão.