“Buracos interligados” em membranas de óxido de grafeno ajudam a separar a água do álcool
Simulações computacionais feitas por um grupo de físicos das universidades Estadual de Campinas (Unicamp) e Federal do ABC (UFABC) forneceram uma explicação para uma propriedade singular de membranas feitas de óxido de grafeno, folhas de estrutura hexagonal formadas majoritariamente por átomos de carbono e um pequeno número de átomos de oxigênio e de hidrogênio. Tão finas quanto um átomo, quando empilhadas umas sobre as outras, essas membranas formam uma estrutura capaz de atuar como um filtro para separar os constituintes de uma solução homogênea – mistura de dois ou mais líquidos cujos componentes não são mais distinguíveis a olho nu.
A mistura estudada pelos pesquisadores incluía 50% de água e 50% de álcool (etanol ou metanol). As membranas de óxido de grafeno deixavam passar a água e retinham o álcool. Segundo o modelo teórico proposto pelos físicos, essa particularidade se deve à formação de “buracos interligados” entre as membranas pelos quais as moléculas de água passam todas juntas, deixando para trás as de álcool. O funcionamento desse labirinto molecular que atrai apenas a água foi descrito em um trabalho publicado em fevereiro na revista científica Carbon.
As propriedades de filtragem das membranas de óxido de grafeno são bastante conhecidas experimentalmente. “Mas agora conseguimos descrever de forma mais abrangente e detalhada o que ocorre nesse processo”, explica o físico Douglas Galvão, da Unicamp, um dos autores do trabalho. Não se trata de uma filtragem mecânica em que moléculas de certo tamanho passam pela malha do grafeno enquanto outras, maiores, ficam retidas. É um mecanismo que envolve atração química. “As membranas de óxido de grafeno incham e apresentam maior espaçamento entre os seus planos. Assim, formam-se canais bidimensionais que induzem a passagem da água”, diz Pedro Autreto, da UFABC, outro autor do estudo.
Dentro desses labirintos bidimensionais, a presença dos átomos de oxigênio nas folhas de grafeno faz os átomos de hidrogênio das moléculas de água formarem pontes ou ligações de hidrogênio. Mal comparando, é como se apenas as moléculas de água dessem as mãos para sair do labirinto formado pelas membranas de óxido de grafeno. A eficiência do processo depende do grau de oxidação das membranas. “Quando o grafeno é puro, formado apenas por átomos de carbono, mas sem oxigênio, ocorre uma inversão na seletividade da membrana”, comenta a física Daiane Damasceno Borges, que faz estágio de pós-doutorado na Unicamp e participou do trabalho. “Nesse caso, passam pelo filtro as moléculas de álcool ao invés das de água”, complementa Cristiano Woellner, também pós-doutorando da Unicamp.
Apesar do caráter teórico, o trabalho pode ser útil para a criação de novos tipos de filtros, mais eficientes e baratos. “Simulações como essas permitem um grande controle de variáveis e podem guiar o desenvolvimento de biocombustíveis, nos quais é preciso separar o etanol da água”, comenta o físico Leandro Seixas, do Centro de Pesquisas Avançadas em Grafeno, Nanomateriais e Nanotecnologias (MackGraphe), da Universidade Presbiteriana Mackenzie, que não participou do estudo.
Projeto
Centro de Engenharia e Ciências Computacionais – Cecc (nº 13/08293-); Modalidade Programa Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid); Pesquisador responsável Munir Salomão Skaf (Unicamp); Investimento R$ 18.478.546,78 (para todo o projeto).
Artigo científico
BORGES, D. D. et al. Insights on the mechanism of water-alcohol separation in multilayer graphene oxide membranes: Entropic versus enthalpic factors. Carbon. v. 127, p. 280-6. fev. 2018.