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Estudo constata queda na qualidade do sêmen

Pesquisa inédita analisou amostras recolhidas durante 27 anos no Caism

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Pesquisa de mestrado da Faculdade de Ciências Médicas (FCM), feita com 9.495 homens atendidos na Unicamp com queixas de não engravidar suas mulheres, concluiu que houve um declínio na qualidade do sêmen nos últimos 27 anos na região de Campinas. “Se esses números continuarem caindo, os casais poderão encontrar maior dificuldade para conseguirem uma gestação”, concluiu a bióloga Anne Ropelle, autora da dissertação.

Essa pesquisa é a primeira no Brasil a ter uma grande amostra e um longo período de seguimento – de 1989 a 2016. Foram produzidas 18.902 amostras de sêmen no Hospital da Mulher Prof. Dr. J.A. Pinotti - Caism.

A coleta foi avaliada com base em três padrões seminais: concentração (quantidade de espermatozoides na amostra), motilidade progressiva (capacidade de movimentação dos espermatozoides, importante para o encontro com o óvulo e fertilização) e morfologia (forma dos espermatozoides).

“Os parâmetros estudados apresentaram piora ao longo dos anos, entretanto as médias de concentração de espermatozoides e de porcentagem de espermatozoides com motilidade progressiva ainda continuam normais segundo os parâmetros da Organização Mundial da Saúde (OMS)”, informou o ginecologista Luiz Francisco Baccaro, docente da FCM e orientador do estudo.

Segundo ele, uma concentração média de espermatozoides igual ou superior a 15 milhões por ml e um volume seminal superior a 1,5 ml são considerados normais. Homens que apresentam valores inferiores a esses limites podem apresentar maior dificuldade para engravidar suas parceiras.

A média de concentração dos espermatozoides entre 1989 e 1995 era de 86 milhões por ml. De 2011-2016, caiu para 48 milhões, porém ainda está dentro dos padrões de normalidade e acima dos 15 milhões.

Foto: Scarpa
O docente e ginecologista Luiz Francisco Baccaro, orientador do estudo, e a autora da dissertação, a bióloga Anne Ropelle: dados inéditos

O mesmo se verificou com a motilidade progressiva. A OMS considera normal um valor igual ou maior que 32%. Entre 1989 e 1995, a média era de 47%. Entre 2011 e 2016, caiu para 36%.

Em termos de morfologia normal, o valor era de 12% entre 1996 e 2000. Agora, é de 3,7%, valor discretamente abaixo do que seria normal segundo a OMS (maior que 4%).

Ainda que o objetivo não fosse desvendar os motivos do declínio, orientador e orientanda perceberam que o caminho é sondar mais a fundo os fatores já conhecidos – como a obesidade – que podem levar à infertilidade.   

“No estudo, só tínhamos variáveis no banco de dados como o ano da coleta do espermograma, a idade do homem e variáveis como o volume de esperma, a cor e o pH”, contou Baccaro. “Também seria interessante saber, em estudo futuro, se esses homens fumavam, bebiam ou usavam drogas, além das variáveis sociodemográficas e de hábitos pessoais.”

Uma alternativa ao casal que deseja engravidar é a reprodução assistida, um conjunto de técnicas para facilitar a ocorrência da gravidez. Hoje, para ser admitido no Ambulatório de Reprodução Humana da Unicamp, o casal deve ter tentado engravidar pelo menos um ano, sem êxito. Um dos exames para diagnóstico de infertilidade é o espermograma, que avalia se os homens têm alterações que poderiam influenciar nas taxas de fertilidade.


Descompasso

De acordo com Baccaro, a queda na qualidade do sêmen humano tem sido motivo de investigação nos últimos anos. Desde 1992, publicações sobre o tema sugerem que tem havido queda na qualidade seminal de homens ao redor do mundo desde meados do século 20.  

Entretanto, esse fato não é unanimidade. Alguns artigos questionam a metodologia científica empregada em outros artigos que relatam queda na qualidade seminal. Desde a publicação de artigos que sugerem a piora dos parâmetros espermáticos, muito se fala da participação dos agentes desreguladores endócrinos, substâncias que agiriam no feto masculino modificando o desenvolvimento dos testículos.

Esses agentes teriam potencial de mimetizar, bloquear ou modular a resposta endócrina ao interagir com os receptores dos hormônios esteroides (como agentes químicos e pesticidas), levando à disfunção testicular. 

Baccaro cogita que a causa da infertilidade pode ter relação com a epidemia de obesidade no mundo. Homens obesos mostram um desbalanço entre os hormônios estrogênio e testosterona, porque a gordura periférica aumenta a concentração do estrogênio e diminui a qualidade do sêmen.

“Os obesos têm uma menor concentração de espermatozoides no sêmen [o sêmen é o resultado de uma mistura de secreções e dos espermatozoides”, expôs Baccaro. “Não sabemos se isso aconteceu com nossa população, porém essa razão faria mais sentido de ser investigada.”

É consensual que a exposição ao tabagismo e o baixo padrão de crescimento infantil se unem ao aumento de gordura na adolescência, alcoolismo e uso de drogas na idade adulta como fatores de risco para uma baixa produção de espermatozoides.


Histórico

O estudo de Anne é um dos poucos a analisar homens retrospectivamente no país, onde existem poucos trabalhos sobre o assunto. Eles têm menor número de amostras e o período de tempo é inferior em relação ao estudo do Caism.

Para avaliação do sêmen, foram colhidas e analisadas duas amostras de cada homem. Eles deveriam vir ao hospital com abstinência sexual de três a cinco dias, faziam a coleta no dia da consulta e dali a 15 dias.

As amostras mais antigas foram obtidas do Laboratório de Reprodução Humana, que efetua espermogramas de rotina no hospital desde 1989. Essas informações estão todas processadas em um banco de dados.

Um ponto forte da análise é que ela foi efetuada num único laboratório, diminuindo a possibilidade de que os resultados obtidos fossem influenciados por variações de técnica de exame.

Estudos recentes sugerem que, a exemplo das mulheres que têm menor qualidade e menor quantidade de óvulos após os 35 anos, a qualidade do sêmen do homem também pode reduzir depois dos 40 anos. “Ao analisarmos o banco de dados, observamos que a idade média dos homens atendidos no Ambulatório de Infertilidade do Caism tem aumentado”, comentou o médico.

Por outro lado, na análise múltipla, Baccaro e Anne notaram que o ano de coleta do sêmen teve influência no resultado. Logo, um indivíduo que colheu espermograma em 2015 teve menor concentração de espermatozoides, espermatozoides menos móveis e espermatozoides com morfologia mais atípica que o homem que o colheu em 1989.


Demanda

A procura de serviços especializados em reprodução humana é mais frequente hoje porque os casais têm postergado a gravidez, vislumbrando novos estudos e optando por buscar primeiramente estabilidade profissional. E vão adiando o projeto de ter um filho, sobretudo nas classes mais altas. Nas classes mais baixas, a gravidez em geral ainda pode ocorrer mais cedo, embora esse quadro já comece a mudar.

Antes, pensava-se que serviços especializados em reprodução humana seriam de acesso exclusivo a pessoas de camadas sociais mais altas. Mas no momento, na opinião de Anne, aumentou o acesso a informações qualificadas e houve uma maior conscientização de que o serviço de infertilidade da Unicamp atende pacientes pelo SUS e que, portanto, pode ser procurado por todos.

Outro aspecto que concorreu para isso é que a OMS considera a infertilidade uma doença. Logo, o casal infértil tem direito a resolver esse problema, assim como um casal que não deseja a gravidez. O Hospital da Mulher oferta atendimento 100% pelo SUS e é referência na área.

“Um casal que não consegue engravidar infelizmente fica estigmatizado na sociedade. Estudos mostram que as chances de um divórcio ampliam”, assinalou Baccaro. “Contudo, com os avanços na medicina, estamos procurando dar solução a esse dilema e investindo em novas pesquisas.”

Controlar o peso, praticar exercícios físicos, não exagerar na ingestão de bebida alcoólica, no uso de drogas e tabagismo são algumas condições relevantes para melhorar a qualidade do sêmen, garantiu o orientador.

Por anos, imaginava-se que a infertilidade se devia à mulher, visto que é ela quem engravida. Estima-se hoje que 40% da infertilidade seja por causa feminina, 40% por causa masculina e 20% por ambos. Ela já afeta 15% da população mundial, e a estimativa é que só no Brasil sejam mais de 200 mil casais com dificuldades de gerar filhos.

 

Imagem de capa JU-online
A bióloga Anne Ropelle, autora do estudo |  Foto: Antonio Scarpinetti

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