Organização tem entre suas finalidades promover a cooperação internacional e contribuir para o desenvolvimento dos países membros
Tese desenvolvida pelo geógrafo e internacionalista Ricardo Abrate Luigi Júnior aborda a efetividade da União das Nações Sul-Americanas (Unasul) na integração regional na América do Sul. No trabalho, orientado pela professora Claudete de Castro Silva Vitte, do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp, o pesquisador avalia essa organização internacional governamental, com estrutura institucional em construção e em processo de amadurecimento, desde as primeiras ideias em torno da criação de uma organização que congregasse todos os países da América do Sul, na década de 1990, durante o governo Itamar Franco. A instituição surgiu em um contexto de criação de organizações que promovessem a cooperação internacional e o multilateralismo, oferecendo alternativas regionais que contribuíssem para o desenvolvimento dos países sul-americanos.
A ideia foi retomada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso ao propor, em 2000, a primeira cúpula de presidentes sul-americanos, realizada em Brasília, que deu origem a uma série de entendimentos, entre eles, a urgência de propostas para a resolução de problemas de infraestrutura da América do Sul. Daí surgiu a criação da IIRSA - Iniciativa de Infraestrutura Regional Sul-Americana -, que deu início a um plano de ação para o mapeamento das necessidades e a elaboração de projetos para obras de infraestruturas.
Entretanto, essa cooperação técnica enfrentou entraves ao esbarrar em burocracias governamentais. Outros encontros presidenciais foram realizados, e essa cooperação foi alavancada pela coalizão de governos de esquerda, como os do Brasil, Argentina, Venezuela e Bolívia, acordados quanto à necessidade da criação de uma instituição que favorecesse a inserção internacional das repúblicas sul-americanas.
Enfim, em reunião realizada em 2008, durante os governos Lula da Silva, Néstor Kirchner, Hugo Chávez e Evo Morales, a Unasul foi institucionalizada com foco na integração regional, que aumentaria o poder da comunidade nas negociações em relação ao resto do mundo. Mas, a atuação efetiva da Unasul começa apenas em 2011, depois de três anos de gestação de projetos e de discussões que levaram a IIRSA a integrá-la com o nome de Cosiplan - Conselho Sul-Americano de Infraestrutura e Planejamento. O autor esclarece: “Enquanto a Cosiplan herda viés mais técnico, a Unasul se caracteriza por um hiperpresidencialismo, isto é, uma dependência direta dos presidentes das repúblicas no estabelecimento das prioridades das obras projetadas e liberação de verbas”.
Enfoque
O autor estudou de que forma os documentos da Unasul permitem avaliar a profundidade da atuação da instituição e quanto suas propostas levaram a implementações efetivas. A integração econômica já era realizada pelo Mercosul, embora de forma mais restrita, por abranger na época apenas o Cone Sul. A Unasul vinha para facilitar a integração política, complementando o Mercosul. A propósito, ele lembra que, além do Mercosul, existe na região a Comunidade Andina, com países como o Peru e Colômbia, que adotam outras diretrizes: “Enquanto o Mercosul procura aproximar-se da Comunidade Europeia, os países andinos priorizam parcerias com os EUA, evidenciando projetos econômicos bem distintos, o que justificaria a atuação política da Unasul”.
Diante desse quadro, ele adotou como objetivo da tese a análise das principais críticas que a criação da Unasul suscita, as contradições que emergem da sua criação, e faz uma avaliação da sua real funcionalidade quando se consideram projetos e obras efetivamente realizados.
Da análise dos documentos, o pesquisador conclui que durante 2008-2011, fase de gestação da organização, a sua produção foi baixa e quase toda ela referente à missão da instituição. Já no período 2011-2014 ocorre uma grande aceleração da produção documental, que aborda as mais diferentes formas de cooperação entre os países, embora apenas parte das propostas tenha se efetivado. A partir de 2014, ano em que ocorreu a última reunião de chefes de Estado, até 2017, segue-se um progressivo desprestígio da Unasul que fica evidente quando se constata que, desde janeiro de 2017, o cargo de secretário-geral, responsável mais direto pelo seu funcionamento, está vago, sem que os países integrantes cheguem a um acordo sobre sua ocupação.
Para o autor, na América do Sul, o período de governos de esquerda – a chamada onda vermelha – deu lugar a governos voltados para a direita – onda azul – e lamentavelmente esses governos enxergam a Unasul como uma herança de esquerda, ignorando que as instituições tendem a ser maiores que as eventuais concertações políticas. Ele espera que, com o tempo, esses governos se convençam de que a Unasul promoveu avanços que estão acima de ideologias.
Para o autor da pesquisa, mesmo com apenas sete anos de existência, a instituição trouxe resultados significativos. “Destacaria quatro de suas principais intervenções: a preservação da democracia que se dá através de missões eleitorais que avaliam as lisuras da eleições em países da região; os projetos de infraestrutura – principalmente envolvendo construções de rodovias e ampliação das redes de fibra ótica – dos 520 projetos da Cosiplan mais de 100 foram efetivamente concluídos, particularmente na fase mais produtiva da organização; cooperações entre sistemas de saúde pública, em que se destaca o banco de remédios, que permite que os países coordenem os valores das compras conjuntas para atender seus sistemas de saúde pública; e as iniciativas que envolvem a segurança regional e que determinaram a criação de três instituições voltadas para defesa”.
Segundo o autor, além de recente, a organização enfrenta problemas em três escalas: global, regional e nacional. Nesse último caso, um bom exemplo são os problemas políticos de Brasil e Venezuela, que colaboraram bastante para a desaceleração de suas atividades. Para ele, “é necessário encontrar o caminho do diálogo, porque muitas vezes a esquerda apenas faz a apologia da Unasul, enquanto a direita só a crítica”.
Explicações
Na tese são aventadas várias explicações para a caracterização das três fases de desenvolvimento da Unasul. A sua gênese, 2008-2011, ocorreu em um período de grande atuação dos governos de esquerda na região, cenário que se prolonga pelos anos mais efetivos da instituição, de 2011 a 2014. Entre 2014 a 2017 são mais evidentes as causas da desaceleração de sua atuação. É clara a desestabilização do Brasil, principalmente a partir do final do primeiro mandato do governo Dilma, quando passam a ocorrer corte de verbas. Até então o Brasil era responsável pela maior parte dos custos de funcionamento da instituição, embora a agravante tenha sido a diminuição do financiamento pelo BNDES das obras de infraestruturas e os escândalos de corrupção em que se envolveram as empresas brasileiras que as executavam.
Acrescente-se que a chamada Diplomacia Presidencial, em que os presidentes representavam os países fazendo acordos antes delegados aos representantes diplomáticos, observada no governo FHC e ampliada no período Lula, sofreu uma grande inflexão a partir da gestão Dilma. Além do que, o governo Lula projetava um modelo internacional denominado autonomia por diversificação, promovendo a maior ampliação possível das parcerias comerciais do Brasil, processo que reflui nos governos de seus sucessores.
Em certo momento da tese o autor reflete sobre as posições destes dois últimos governos em relação à Unasul: “Eles padecem de um pragmatismo e imediatismo na busca de soluções econômicas que comprometem qualquer ideia de integração mais profunda. Porque as organizações internacionais requerem um compromisso duradouro, e neste particular a Unasul, com sete anos de existência, é extremamente nova para que seus efeitos sejam mensurados. Quando se pensa em integração regional o modelo para o mundo é a União Europeia, que resulta de uma experiência de 67 anos”.
Ele enfatiza ainda que um dos propósitos da integração regional no mundo, além de aproximar os países, é promover a cooperação e a paz entre eles. A criação da União Europeia teve entre seus objetivos diminuir as tensões entre França e Alemanha. A Unasul ajuda a diluir interesses localizados em prol de objetivos comuns, cujos resultados são mais efetivos quando atrelados a uma instituição formal.
Para Ricardo, o período em que a Unasul foi particularmente efetiva (2011-2014) deve servir de estímulo para que os países mantenham o compromisso com a integração regional. Ele lembra um documento de 2017 da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e Região do Caribe), que propõe o investimento na integração regional como caminho para os países da América do Sul saírem da estagnação econômica em que se encontram. O pesquisador acredita que a integração regional constitui para as nações a via do diálogo, das aproximações e da potencialização de suas capacidades nas negociações com outras organizações regionais e com as grandes potências. Ele cita as atuais negociações entre Mercosul e União Europeia como uma demonstração pragmática de como a integração regional é importante para ampliar o poder relativo dos países envolvidos.