Imagens produzidas pelo docente do Instituto de Artes vão do lúdico ao conceitual
Uma prática comum entre turistas é trazer um souvenir dos lugares visitados para familiares e amigos. Geralmente, são objetos característicos, vendidos como lembrança, que assumem os mais variados formatos. Entre os mais comuns estão os que remetem a uma atração turística ou aqueles, comercializados em museus ou espaços culturais, que reproduzem obras de arte.
Esses objetos foram a fonte de inspiração das 60 fotografias reunidas no livro Souvenirs, de Fernando de Tacca, que será lançado amanhã (7), pela Editora da Unicamp. Durante oito anos, o fotógrafo e professor do Instituto de Artes (IA) da Unicamp produziu imagens lúdicas, jocosas, intrigantes, afetivas ou conceituais a partir de lembranças que ganhou de presente de amigos ou adquiriu em suas viagens.
A primeira delas foi uma xícara com a reprodução de “Lágrimas”, famosa fotografia de Man Ray, presenteada pelo historiador e crítico de arte Jorge Coli, que assina um dos textos de apresentação do livro. “Esse souvenir, que desencadeou o projeto, remonta à relação profissional que tenho com a fotografia. Quando ganhei, eu o coloquei numa estante, como se costuma fazer”, conta Fernando de Tacca.
Certa vez, ele produziu uma capa revista “Studium”, especializada em fotografia e da qual é editor, e teve a ideia de usar a xícara. “As capas da publicação são interativas e chamativas. Então, virei a xícara sobre um pires e coloquei o pires dentro de um prato. Ali estava a foto!”. A experiência não se esgotou aí. Pelo contrário, gerou inquietação, reflexão.
Como assinala o fotógrafo, souvenir é uma palavra francesa. É um verbo (lembrar) e, também, um substantivo (memória). Ambos remetem à lembrança, à recordação de um fato; uma memória que pode ser afetiva, monumental ou histórica. “As culturas humanas, desde muito tempo atrás, utilizam objetos para marcar fatos e encontros. As moedas, por exemplo, rememoram eventos importantes”.
Com o advento da fotografia, da indústria cultural e a disseminação do turismo, o souvenir assumiu os contornos atuais: uma mercadoria produzida (e reproduzida) em larga escala, mas que mantém uma carga de lembrança, de memória. “Ele é um signo que representa algo que está no lugar de outro. Esse algo pode ser um monumento histórico, uma obra de arte ou algo com um sentido afetivo para quem o oferece como presente e para quem o recebe”, afirma Fernando de Tacca. Um exemplo é a Torre Eiffel, em Paris. “É um dos ícones mais reproduzidos da nossa história recente. No fim do século XIX, foi impressa uma moeda como souvenir para os visitantes do monumento”.
Esse tipo de prática, analisa o fotógrafo, acabou alimentando uma grande indústria em torno dos bens culturais. Exemplo disso são as lojas em museus, geralmente localizadas no hall de entrada, antes de os visitantes terem acesso às galerias. ”São imensas, parecidas com os free shops dos aeroportos. Primeiro, as pessoas têm contato com as reproduções e depois com as obras”.
Ele conta que começou a frequentar essas lojas, em busca de réplicas de obras de arte e de objetos associados a elas. “Queria peças capazes de evocar uma lembrança. Podia ser qualquer elemento. Uma camiseta, um cartão, um imã de geladeira ou algo mais sofisticado”. Um souvenir o instigava a buscar outro. Além disso, os amigos passaram a presenteá-lo com esses objetos. Desse modo, Fernando de Tacca montou um “gabinete de curiosidades”, composto por todo tipo de lembranças de viagem, dos mais banais – como flyers e imãs de geladeira – a esculturas e joias.
As peças o inspiravam a criar as fotografias. “Sempre foi um processo lúdico e com produção de luz natural. Em cada imagem, usei os elementos e a luz disponíveis no momento”, explica ele. “Não havia um conceito anterior. Ação e pensamento caminharam juntos no projeto”.
A intenção, explicita o fotógrafo, é estabelecer um diálogo entre os souvenirs. “[Jean] Baudrillard afirma que os objetos de um ambiente conversam entre si. Entretanto, esse diálogo pode ser tenso, tranquilo, jocoso. São infinitas as possibilidades”.
Nessa medida, ao potencializar dimensões simbólicas, Souvenirs promove um deslocamento de objetos para além de sua importância memorial ligada à indústria cultural. “As mudanças de lugar dos souvenires os colocam em novas situações, ampliando seu lugar no imaginário de seus referentes”, aprofunda o fotógrafo.
Em outras palavras, explica Fernando de Tacca, os souvenires são objetos culturais “que suportam uma gama de significações sociais e históricas que alimentam uma superestrutura ideológica voltada para valores determinados e consagrados nos museus e nos entornos do turismo cultural”. Segundo ele, mudar o significado de um souvenir, colocando-o em jogo relacional com outros objetos, é uma postura contemporânea de quebra de códigos e determinações. E torna o visualizador das imagens um sujeito ativo no jogo complexo e subjetivo entre imagens.
“No livro, os objetos são colocados em contextos ampliados, criando estranhamentos e alçando novos significados, ao mesmo tempo em que o espectador da imagem é colocado dentro de um jogo de relações, estabelecendo um jogo lúdico entre os elementos da imagem”.
Desse modo, Souvenirs é uma obra-convite para que o observador participe das relações criadas entre os objetos que compõem a fotografia, estabelecendo sentidos entre eles. “Algumas relações são óbvias, outras menos. Há também aquelas que talvez somente sejam compreensíveis para quem conhece o próprio objeto ou sua história”. Para evitar induzir o leitor a uma ou a outra interpretação, as fotografias não possuem legendas, apenas descrições dos objetos que as compõem no final do livro.
Serviço
Título: Souvenirs
Autor: Fernando de Tacca
Páginas: 144
Editora da Unicamp
Lançamento
Data: 7 de agosto
Horário: A partir das 13 horas
Local: Galeria de Arte do IA – Unicamp (térreo da Biblioteca Central)
Endereço: Rua Sérgio Buarque de Holanda, s/nº