Especialistas renomados expõem os desafios da área em dois eventos internacionais na Unicamp
A IPBES (Plataforma Intergovernamental de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos) alerta para a crise da biodiversidade. Esta semana tivemos na Unicamp um seminário internacional que discute a pluralidade de aspectos das crises ambientais. Retrocessos na legislação ambiental desconsideram evidências científicas. Temos, por outro lado, a crise do financiamento da ciência que caminha ao lado da crise econômica do país. Em meio a tantas incertezas, ecólogos se reunirão a partir de domingo (19) na Segunda Reunião da Associação Brasileira de Ciência Ecológica e Conservação (2ª Rabeco) e no Sexto Seminário de Ecologia Teórica (6º SET), que ocorrerão no Centro de Convenções da Unicamp, para avançar na seguinte reflexão: como ser relevante em tempos de crise?
“Num país de tamanha extensão e diversidade ambiental, avaliar as mudanças em curso e compreender suas consequências são tarefas monumentais. Muitos ecólogos enfocam especialmente a crise da biodiversidade, mas ela não pode ser separada das consequências que essa crise traz também para as condições e a qualidade de vida humana, agora e no futuro cada vez mais iminente”, explica Thomas Lewinsohn, professor do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp e presidente da Rabeco.
Refletir sobre como integrar os conhecimentos produzidos pela ciência ecológica para auxiliar a estancar as crises que surgem por todos os lados não é uma tarefa fácil, tampouco cabe exclusivamente a cientistas. De 19 a 22 de agosto, docentes, pós-graduandos, analistas, comunicadores e membros de agências ambientais e ONGs também foram convidados a falar e a apresentar suas perspectivas durante a 2ª Rabeco e o 6º SET.
“A pesquisa ecológica produzida no Brasil pode ser equiparada ao que hoje se faz nos países que lideram a ciência ecológica mundial”, afirma Lewinsohn. A oportunidade que se coloca é aproveitar estes expertises para dar um salto de nível no enfrentamento dos desafios e problemas ambientais no Brasil. “Trata-se de incorporar esse conhecimento no desenho e realização de melhores políticas públicas e práticas socioambientais”, diz o docente.
Este tema torna-se especialmente relevante e sensível quando se trata produzir subsídios técnicos para aprimoramento de políticas públicas. Como adverte o professor Carlos Joly, do Instituto de Biologia da Unicamp e convidado a refletir sobre o tema no debate de abertura, enfrentamos um paradoxo: “embora tenhamos ciência ecológica de qualidade, vivemos um momento de retrocesso da legislação ambiental no país”.
“Não estamos conseguindo traduzir o nosso avanço do conhecimento em uma linguagem que possa ser utilizada por nossos tomadores de decisão ou porque lobbies de classe que têm impedido que esses avanços sejam de fato incorporados [à legislação]”, diz Joly.
O desprezo pelo conhecimento científico na tomada de decisão também preocupa Lewinsohn: “pior do que dinheiro curto são as ideias curtas, e essas nos atingem desde o topo dos três poderes. É assustador ver que, assim como o presidente Donald Trump, há ex-ministros brasileiros assumidamente negacionistas das mudanças climáticas, de evolução, ou da perda crítica de biodiversidade”.
Outra faceta da crise que aflige os ecólogos – e todos os cientistas do país – é a incerteza quanto ao financiamento futuro. Cortes de recursos financeiros afetam profundamente todas as áreas da ciência e tecnologia. No caso da ecologia isto se reflete na descontinuidade dos acompanhamentos de processos ecológicos. “A ecologia é especialmente sensível, porque sua pesquisa envolve organismos de vida longa e, em grande parte, é feita no campo. Você não pode desligar os processos ecológicos que está pesquisando, para religá-los quando houver dinheiro para continuar a pesquisa”, alerta Lewinsohn.
De acordo com Lewinsohn, cortes abruptos e arbitrários provocam a perda não só do dinheiro já investido, mas principalmente de tempo – anos, às vezes décadas, que definitivamente não podem ser repostos.
Crise e relevância
O sentido de crise pode tomar diferentes dimensões, inclusive de transição, e dependendo de como se lida com a transição, a crise pode conduzir a um estado “melhor” ou “mais desejável” que o estado anterior, como explica o engenheiro florestal Fabio Scarano, da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS) e conferencista do debate de abertura. “Crise, na sua origem etimológica latina, significa ‘momento de mudança súbita’, enquanto na raiz grega significa ‘momento difícil, de decisão’”.
Para o conferencista, a crise, portanto, é o intervalo entre a bonança – quando tudo flui – e um novo estado “normal”. “O período de crise, esse hiato entre duas normais, é chamado de tempos pós-normais, pelos estudiosos do futuro. Caos, complexidade e contradição caracterizam esses tempos. Acho pouco provável que a ciência ‘normal’ seja relevante em tempos pós-normais. Tempos pós-normais demandam uma ciência pós-normal”, antecipa o palestrante, que proporá um novo olhar para contornar a crise.
Um dos caminhos apontados para tornar a ciência ecológica relevante é apostar nas diferentes formas de integração entre pesquisadores, professores, gestores e tomadores de decisão.
José Alexandre Diniz Filho, biólogo e professor da Universidade Federal de Goiás (UFG), defende que um dos grandes desafios que a ecologia já tem enfrentado nos últimos anos é integrar os diferentes olhares sobre a natureza. Trata-se de entender as múltiplas relações estabelecidas entre organismos e seu meio em uma escala temporal e espacial.
O exercício de transpor escalas e agrupamentos de espécies inclinou a ciência ecológica a operar em modelos inter e multidisciplinar. Essa configuração, segundo Diniz-Filho, favorece o planejamento efetivo da conservação da biodiversidade e do entendimento dos diferentes impactos antrópicos sobre ela.
“Na prática, o sucesso em efetivar essas várias integrações depende, em última instância, da habilidade para gerenciar grupos e redes de pesquisadores e estudantes”, explica o também palestrante da mesa de abertura, cujo eixo temático serão as crises e suas implicações.
“Precisamos cada vez mais formar esses estudantes não só para desenvolver bem as suas atividades como pesquisadores e docentes, mas também formá-los como líderes, com melhor compreensão da complexa engenharia social envolvida no gerenciamento dessas redes e grupos”, propõe o conferencista Diniz-Filho.
Para Lewinsohn, ecólogos têm muita experiência em investigar problemas aparentemente isolados e que só podem ser resolvidos por meio de soluções interconectadas. Essa prática é muito útil em tempos de crise porém, ressalva o presidente da Rabeco, “a ciência ecológica não é milagreira, mas oferece condições de compreender melhor a natureza dessas crises”.
A Rabeco e o SET
O Simpósio de Ecologia Teórica (SET) foi criado por um grupo de alunos de pós-graduação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em 2004. Esses simpósios se tornaram um espaço único no Brasil para se expor e discutir ideia e teorias sobre ecologia. Em 2013, a Associação Brasileira de Ciência Ecológica e Conservação assumiu sua continuidade, de modo que, quando a associação realizou sua primeira reunião (RABECO), em 2016, o SET foi naturalmente incorporado.
A Rabeco é maior e tem um arco temático mais abrangente, mas duas características essenciais dos SET anteriores são sempre mantidas: a participação ativa dos alunos de pós-graduação na escolha de temas e palestrantes, e o reconhecimento da importância da teoria para alicerçar toda a pesquisa básica ou aplicada.
O evento está organizado em dois debates, sete conferências e quinze simpósios com três palestras cada, além de três atividades prévias – dois workshops e um diálogo entre cientistas e jornalistas. Entre os destaques da programação, estão os conferencistas Emmett Duffy (Smithsonian Institution, EUA), Jean Paul Metzger (Universidade de São Paulo), Maria Carmen Lemos (University of Michigan, EUA), Robin Chazdon (University of Connecticut, EUA), Susan Trumbore (Instituto Max-Planck de Biogeoquimica, Alemanha), Wolfgang Weisser (Technische Universität München, Alemanha) e William Sutherland (University of Cambridge, Reino Unido).
O encontro de três dias e meio visa promover a troca de experiências entre pesquisadores, docentes, pós-graduandos, analistas, comunicadores e membros de agências ambientais e ONGs. Haverá 146 pôsteres com resultados de pesquisa em ecologia que estarão expostos na tenda montada à frente do Centro de Convenções.
A inscrição poderá ser feita no balcão de credenciamento do evento, com desconto para estudantes. Preços, endereços, detalhes sobre a programação e outras informações podem ser consultados no site www.rabecoset2018.com.br.
O evento é uma realização da Abeco (Associação Brasileira de Ciência Ecológica e Conservação) em parceria com o Instituto de Biologia da Unicamp e o Nepam (Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais), da mesma Universidade. São apoiadores: Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), Instituto Serrapilheira, INCT EECBio (Instituto Nacional de Ciência & Tecnologia em Ecologia Evolução Conservação da Biodiversidade) e Fundação Grupo Boticário.
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SERVIÇO
Quando: 19 a 22 de agosto de 2018
Onde: Centro de Convenções da Unicamp
Mais informações: www.rabecoset2018.com.br
https://www.facebook.com/events/358312237993613/