Professora da Universidade de Michigan desenvolve projetos em comunidades de populações vulneráveis
Em um evento de Ecologia, entre muitos especialistas em clima, florestas, biodiversidade e conservação, desponta uma cientista política: Maria Carmen Lemos, professora da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos. Sua presença não é em nada deslocada. Ela está ali para discutir como as ciências ambientais podem ser, de fato, aplicadas no cotidiano das cidades e das pessoas comuns. Afinal, quando um ecólogo produz conhecimento sobre as mudanças climáticas, por exemplo, sobre como prevê-las, mitigá-las ou adaptar-se a elas, é preciso garantir que, na outra ponta da cadeia, a informação se torne ação.
Maria Carmen se dedica a analisar a interseção entre a ciência do clima e a política, observando como os produtores de conhecimento nessa área interagem – ou poderiam interagir – com aqueles que implementam políticas, tomam decisões e colocam tais saberes em prática. Estão inseridos nessa última categoria, por exemplo, gestores de água, agricultores e comunidades de povos tradicionais. São grupos que, muitas vezes, precisam de auxílio para usar a informação científica e, então, planejar soluções frente às mudanças climáticas. Para tratar desse assunto, Maria Carmen ministrará uma conferência, nesta segunda-feira (20), às 17 horas, na 2ª Rabeco (Reunião da Associação Brasileira de Ciência Ecológica e Conservação) & 6º SET (Simpósios de Ecologia Teórica), no Centro de Convenções da Unicamp.
“A maior parte da ciência produzida hoje é útil. O que os cientistas geralmente não pensam é que existe uma diferença e uma lacuna de informação entre o que é útil e o que é usável. Então, a pergunta é: como tornar o conhecimento mais usável?”, questiona Maria Carmen. Para ela, a resposta passa necessariamente pela interação entre produtores de conhecimento e tomadores de decisão. Colocar cientistas em contato com usuários da informação científica possibilita construir relações de confiança frutíferas para ambos os lados.
Para estabelecer pontes entre cientistas e tomadores de decisão, surgem as chamadas organizações de fronteira – em inglês, boundary organizations –, que, segundo Maria Carmen, têm se tornado comuns na Europa e nos Estados Unidos, sendo ainda bastante raras no Brasil. São entidades que agregam o conhecimento científico, facilitam seu uso de acordo com as demandas de determinada comunidade, e fornecem os recursos humanos e financeiros necessários para que essa população consiga adotar medidas inteligentes em seu dia a dia. A cientista comenta que, como os pesquisadores inseridos nas instituições de pesquisa tradicionais dificilmente têm tempo e recursos financeiros para se engajarem na aplicação de seus estudos, as organizações de fronteira são uma solução para viabilizar e dar credibilidade a essa interação. “É uma forma de maximizar os processos para atingir o maior número de usuários possível”, diz.
No caso das mudanças climáticas, as organizações de fronteira trabalham junto aos cientistas e usuários para identificar populações vulneráveis, prever impactos, analisar o potencial de adaptação às transformações, projetar soluções e ajudar a implementá-las. São elementos que compõem as dimensões humanas das mudanças climáticas. Um exemplo de organização de fronteira que presta esse tipo de apoio é o GLISA (The Great Lakes Integrated Sciences and Assessments Program), co-dirigido por Maria Carmen. O programa, mantido pela colaboração entre a Universidade de Michigan e a Universidade Estadual de Michigan, oferece suporte científico a tomadores de decisão na região de Great Lakes, nos Estados Unidos, integrando uma rede nacional de organizações de fronteira voltadas à adaptação às mudanças climáticas.
Vulnerabilidade
O estudo das dimensões humanas das mudanças climáticas permite compreender o que torna certas populações mais vulneráveis do que outras, bem como quais fatores influenciam na capacidade de adaptação de uma comunidade frente às transformações do clima. “Se você mora na Califórnia, possui seguro da casa e sofre um deslizamento de terra, você é menos vulnerável do que um morador de uma favela brasileira, por exemplo. É uma questão física – de estar exposto a fortes chuvas –, mas também socioeconômica. Tem a ver com o quanto você perde e com a sua capacidade de reagir a um incidente. Nem sempre é algo simples de medir”, descreve a pesquisadora.
Entre 1998 e 2014, Maria Carmen conduziu pesquisas de campo no interior do Ceará, em municípios severamente afetados pela seca. Por meio de entrevistas, indicadores sociais e de acesso à água, e até mesmo análises do impacto de programas sociais como o Bolsa Família, ela verificou que existe uma relação direta entre o desenvolvimento humano e a capacidade adaptativa de uma comunidade. Mas mesmo o aumento da renda não foi suficiente para ajudar a população dessa região a responder aos efeitos adversos do clima.
Entender esses processos, explica a cientista, requer investigar uma complexa equação. As variáveis vão desde a infraestrutura até a organização política e social daquela determinada comunidade, passando por acesso à informação e tecnologia, condição financeira, saúde, educação e localização geográfica.
Apesar dos desafios, Maria Carmen enxerga com otimismo as possibilidades de reação às mudanças climáticas, inclusive no que diz respeito às regiões em desenvolvimento. Unindo a produção científica em Ecologia e Climatologia, a atuação das organizações de fronteira, e a tomada de decisão com base na ciência, cria-se uma estrutura de informação e ação. Por meio dela, podemos prever, mitigar e planejar adaptações diante das transformações em curso.
2ª Rabeco & 6º SET
O evento 2ª Rabeco & 6º SET ocorre entre 19 e 22 de agosto no Centro de Convenções da Unicamp. A programação completa e os valores para inscrição podem ser consultados no site www.rabecoset2018.com.br. A realização é da Abeco (Associação Brasileira de Ciência Ecológica e Conservação) em parceria com o Instituto de Biologia da Unicamp e o Nepam (Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais), da mesma Universidade. São apoiadores: Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), Instituto Serrapilheira, INCT EECBio (Instituto Nacional de Ciência & Tecnologia em Ecologia Evolução Conservação da Biodiversidade) e Fundação Grupo Boticário.
SERVIÇO:
Conferência – A criação do conhecimento científico aplicável no campo das ciências ambientais, por Maria Carmen Lemos
Quando: 20 de agosto (segunda-feira), às 17 horas
Local: Centro de Convenções da Unicamp, sala 3
Mais informações: www.rabecoset2018.com.br