Para o professor e sociólogo Roberto do Carmo, poder econômico e a descontinuidade das ações do poder público dificultam a situação de Mariana
Os desastres devem ser enfrentados sob uma perspectiva social porque são construídos socialmente, diz o sociólogo e demógrafo Roberto do Carmo, professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp e pesquisador do Núcleo de Estudos de População (Nepo). No caso de Mariana, diz o professor, não é diferente.
No livro que lançou em março de 2016, “Segurança humana no contexto dos desastres”, pela editora Rima (organizado em conjunto com a pesquisadora Norma Valencio), Carmo fala destes enfrentamentos em situações de desastre. Também no início de 2016, o sociólogo publicou artigo sobre Mariana na revista jurídica Consulex, em edição especial sobre a tragédia ambiental.
Em entrevista, o sociólogo falou que todas as atividades econômicas desse tipo (extração mineral) implicam em perigos e riscos. “O importante é que a sociedade conheça esses perigos e riscos e possa ter condições de optar pela sua implementação ou não”, diz Carmo. Para ele, o forte poder econômico envolvido e a descontinuidade das ações do poder público dificultam a situação de Mariana. “Em termos conceituais, precisamos avançar da ‘sociedade do risco’ para a ‘segurança humana’. Veja a seguir a entrevista completa:
Na sua avaliação, como a sociedade tem respondido aos desastres ambientais? Como tem sido no caso específico de Mariana?
Roberto do Carmo: Há um certo padrão em casos como este. Em um primeiro momento, logo após o acidente, acontece a comoção, e as manifestações exaltadas de agentes sociais. É o momento do clamor por ações incisivas, de proposição de ações punitivas de grande intensidade, com grande impacto midiático. O segundo momento é o de avaliação da real extensão dos problemas e de suas decorrências. Em geral se percebe nesse momento que o desastre tem implicações muito mais complexas do que o inicialmente avaliado. É o momento em que se identificam as eventuais responsabilidades legais, e se iniciam os procedimentos legais. O terceiro momento é o da “acomodação”. Os procedimentos legais foram instaurados, e se iniciam os trâmites que podem levar anos até serem concluídos. As vítimas do desastre resolvem a sua situação básica (em termos físicos e emocionais) da melhor maneira que podem, muitas vezes com pouca ajuda. A opinião pública se desmobiliza aos poucos. O quarto momento é o do “esquecimento”. O desastre perde espaço no noticiário, por conta de outros desastres que eventualmente ocorrem. A opinião pública se desmobiliza. Apenas os afetados continuam atentos aos desdobramentos das ações judiciais. A responsabilização e as reparações dificilmente são suficientes ou adequadas tendo em vista a extensão das perdas. Em geral, não são feitas avaliações sobre como evitar situações semelhantes. Mariana segue, com quase nenhuma diferença, esse padrão.
De acordo com artigo que publicou na revista jurídica Consulex, em janeiro deste ano, o desastre de Mariana foi classificado como “de muito grande porte”, compreendido entre aqueles “não suportáveis e superáveis pelas comunidades afetadas”. Para superar, continua o artigo, é necessária a ação coordenada dos governos municipal, estadual e federal, em alguns casos da ajuda internacional. O senhor acha que isso pode funcionar no caso de Mariana?
Carmo: A extensão dos impactos causados exige uma ação coordenada. Mas esta ação está efetivamente sendo possível? Este ano (2016) teremos eleições municipais. E um dos grandes problemas que enfrentamos, em qualquer âmbito da administração pública, é a descontinuidade das ações. Seria importante que os órgãos pudessem ter uma ação continuada, além de coordenada. A grande dificuldade em Mariana é o poder econômico envolvido.
O que seria, na prática, ‘superar’ o desastre, e o que seria ‘não suportar’?
Carmo: Poderíamos pensar em termos dos efeitos. Alguns dos efeitos da lama podem ser ‘superados’, que são os efeitos menores, nos locais mais distantes do evento. Os ‘não suportáveis’ são, por exemplo, os resultados sobre o conjunto das residências da povoação que foi destruída, ou seja, dificilmente serão ‘superados’, seja em termos materiais, seja em termos sociais (as perdas de vidas humanas, que são as principais perdas nesse desastre).
Quando fala sobre construção social do desastre em seu artigo refere-se à responsabilidade da sociedade sobre o desastre, devido ao conhecimento prévio do risco de rompimento da barragem?
Carmo: A construção social do desastre deriva de uma avaliação equivocada entre os ganhos, principalmente econômico, das atividades realizadas, e os perigos e custos sociais e ambientais dessas atividades. Na medida em que não se reconhecem adequadamente os perigos e os custos, os agentes sociais consideram de maneira privilegiada os ganhos econômicos (principalmente em termos de geração de lucros, mas também em arrecadação de impostos, em geração de empregos). Ou seja, esse desbalanceamento entre essas avaliações é que se configura como a construção social do desastre. A questão não é necessariamente se a mineração é “bom ou ruim”. O fato é que todas as atividades econômicas desse tipo implicam em perigos e riscos. O importante é que a sociedade conheça esses perigos e riscos e possa ter condições de optar pela sua implementação ou não. E no caso da implementação, sob que condições efetivas, a fim de prevenir os perigos e riscos da forma mais eficiente possível. Conhecer os perigos e riscos das atividades, e estar preparada para enfrentar as situações críticas fazem parte de um novo contexto para o qual precisamos caminhar. Em termos conceituais, precisamos avançar da “sociedade do risco” para a “segurança humana”.
Dependência econômica
Apesar de não ter uma legislação ambiental municipal já elaborada, a prefeitura de Mariana concedeu em 2016 a licença de conformidade à Samarco, documento que autoriza a volta das operações da empresa. A efetiva retomada, no entanto, só ocorre depois que os governos estadual e federal, por meio de seus órgãos ambientais, liberam essa permissão.
Segundo o prefeito Duarte Júnior, a interrupção das atividades da Samarco deixou a economia do município totalmente fragmentada. “É crucial que se busque a diversifi cação econômica, já que 89% de toda a arrecadação são provenientes da mineração, atividade que vem sendo realizada há mais de 300 anos no município, desde o ciclo do ouro, e que difi cilmente deixará de existir”, disse o prefeito. Ele diz que não sabe explicar o motivo de uma cidade com este histórico não ter ainda uma legislação ambiental municipal. Garantiu, no entanto, que está na sua lista de prioridades entre as providências a serem tomadas.
Outra ação que se comprometeu a cumprir, durante a entrevista que concedeu ao grupo da Unicamp, em Mariana, no dia 4 de junho de 2016, foi na área econômica. O prefeito reconheceu a necessidade de diversificação econômica, mas disse que não acontecerá em curto ou médio prazo.
“É algo que precisa ser feito, sim, mas que acontecerá de forma lenta.” Duarte Júnior reconhece as falhas do município, evidenciadas pela tragédia, e diz que são todos responsáveis – a Samarco e os governos federal, estadual e municipal. Para medidas de emergência pós tragédia, foi constituído pelo governo federal, juntamente com os governos de Minas Gerais e Espírito Santo, e as três empresas envolvidas – Samarco, Vale e BHP Billiton –, um fundo de aproximadamente R$ 20 bilhões (valor que pode chegar a R$ 28 bilhões), que atende não apenas o município de Mariana, mas todas as cidades atingidas ao longo do Rio Doce até o Oceano Atlântico.
Na opinião do prefeito, apesar de necessário, o fundo não resolve o problema urgente da falta de arrecadação da cidade com a paralisação das atividades da Samarco. Sem autonomia para utilizar os recursos do fundo criado pelos governos e empresas, o município não tem a quem recorrer, segundo o prefeito.
Na primeira semana de junho de 2016, ele conseguiu uma audiência com Michel Temer, que na ocasião era presidente interino. “De efetivo, até agora nada”, disse o prefeito sobre a reunião em Brasília. Obteve a garantia de que poderá contar com R$ 77 milhões (do fundo de R$ 20 bilhões) para investir, em dez anos, na diversificação econômica da cidade. O acordo diz que os municípios que dependem da mineração terão direito a um valor específico para esse fim. Entre as cidades atingidas pela lama da Samarco, ele diz que Mariana é a única que depende da mineração.
Duarte também pediu ao presidente interino que intercedesse pela volta da Samarco às operações, visto que a empresa teve sua licença para funcionamento suspensa pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) e a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMAD), órgãos fiscalizadores do Governo Federal e do estado de Minas Gerais, respectivamente.
O dinheiro do fundo deverá ajudar a recuperar as nascentes, assim como o Rio Doce e o Gualaxo do Norte (seu afluente), diz Duarte Júnior. “Não adianta falar que antes da tragédia alguém fazia algo pelo Ribeirão do Carmo, Rio Doce, Gualaxo do Norte, porque não fazia. Minha cidade, por exemplo, joga esgoto na água todo dia. Todo dia a gente mata o rio”, completa o prefeito.
Não só Mariana, mas também Ouro Preto e outras cidades da região despejam diariamente seu esgoto no rio. Com os recursos disponíveis, cerca de 40 cidades no curso do Rio Doce até o Espírito Santo terão sistema de tratamento de esgoto, incluindo Ouro Preto.
Duarte Júnior reivindica ainda por mudança no valor da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM) repassada ao município pela Samarco. Apesar de toda a exploração das riquezas minerais da cidade, apenas 1,6% da arrecadação líquida da mineradora vai para Mariana. Entretanto, segundo o prefeito, havia uma medida provisória tramitando na Câmara dos Deputados para que esse valor seja revisto, aumentando para 4% do valor total bruto arrecadado pela mineradora.
De acordo com o prefeito, já se discute um local seguro para os rejeitos, caso a mineradora volte a operar – a mina Alegria. Trata-se de uma grande abertura no solo, o que dispensa a construção de barragens.
Adriana Vilar de Menezes - Jornalista graduada pela PUC-Campinas (1989). Mestranda em Divulgação Científica e Cultural pelo Labjor/IEL/Unicamp (2017), com ênfase em Análise do Discurso. Especialização em Jornalismo Científico pela Unicamp; em Comunicação Jornalística pela Cásper Líbero; e em Direção Jornalística pela ESPM. Foi aluna da graduação de História na Unicamp. Atuou como repórter e editora dos jornais Diário do Povo, Folha de S. Paulo e Correio Popular - nas editorias de Cultura, Cidades, Economia e Variedades. Vencedora do 4º Prêmio ABCR 2009, finalista dos prêmios IBCC de Jornalismo 2007, e FEAC 2015. Autora do livro biográfico Dalva (Editora Komedi), coautora do livro coletivo dos 20 anos do Prêmio Jovem Cientista (Fundação Roberto Marinho 2003/Labjor, organizado por Carlos Vogt). Colaboradora da revista Ciência e Cultura da SBPC, e revistas eletrônicas ComCiência (Labjor/Unicamp) e Pré-Univesp. Foi bolsista da Fundepag e da Fapesp. Atuou como assessora de imprensa em empresas de tecnologia, concessão rodoviária, sindicato do comércio varejista, universidades e campanha de eleição interna institucional, entre outras áreas. Atua como repórter, editora e assessora de imprensa desde 1989. e-mail: adrianamenezesjor@gmail.com
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