Pesquisadores da FCF-Unicamp desenvolvem protótipo com capacidade para imunizar contra a meningite meningocócica e o Zika Vírus
Pesquisadores da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da Unicamp desenvolveram o protótipo de uma vacina com capacidade para imunizar contra duas doenças: meningite meningocócica e Zika Vírus. Os testes, realizados inicialmente in vitro e posteriormente em modelo animal, obtiveram resultados altamente positivos, dando origem a um pedido de registro de patente. O estudo rendeu artigo publicado na Scientific Reports, importante revista que pertence ao Grupo Nature.
A pesquisa foi conduzida pela então estudante de graduação da FCF, Paula Martins, sob a orientação do professor Marcelo Lancellotti. O trabalhou contou, ainda, com a colaboração de outros pesquisadores da Unicamp, mais especificamente do Instituto de Biologia (IB), Instituto de Química (IQ) e de dois outros laboratórios da própria FCF. “A Rede Zika Unicamp foi fundamental para que pudéssemos realizar esse projeto, pois foi por meio dela que tivemos a oportunidade de dar início a parcerias com colegas de outras áreas”, explica Lancellotti.
De acordo com o docente, estudos com essas características exigem uma abordagem multidisciplinar, dado que envolvem problemas de diversas ordens. “Uma área do conhecimento não seria capaz, sozinha, de encontrar respostas a todas as nossas dúvidas”, afirma. Um dado curioso sobre a pesquisa diz respeito à forma como surgiu a ideia do método que seria usado no desenvolvimento do protótipo da vacina. Lancellotti conta que estava em casa, lavando louça, quando observou duas bolhas de sabão se juntando.
Naquele momento, o docente considerou que algo parecido poderia ser tentando em relação ao meningococo causador da meningite e o Zika Vírus, dado que ambos apresentam estruturas químicas semelhantes. “O meningococo produz uma série de vesículas extremamente pequenas, conhecidas pela sigla OMV, que são parecidas com o que a gente conhece como lipossomo. Ou seja, são semelhantes às nossas membranas celulares. O Zika Vírus também apresenta uma membrana constituída por células do hospedeiro, com proteínas deste na superfície. Minha ideia foi juntar as duas estruturas, para verificar o que poderia acontecer”, relata Lancellotti.
A técnica escolhida para promover essa junção foi o cisalhamento, que consiste na agitação [aumento da energia cinética] como forma de promover a adjuvância das duas estruturas. “Obtivemos êxito, mas não sabíamos qual seria o resultado desse processo. Foi algo totalmente inovador. Depois de algum tempo, ao analisarmos a fusão, constatamos que as estruturas, agora fundidas, aumentavam de tamanho. Algo estava acontecendo, embora não tivéssemos uma ideia exata do que era”, admite o docente da FCF.
O passo seguinte foi usar a estrutura obtida com a fusão para imunizar camundongos. “O que nós vimos foi que os animais desenvolveram anticorpos contra a OMV original da bactéria, bem como contra o Zika Vírus. Vale assinalar que nós só observamos a resposta imunológica. Não verificamos a reposta contra as doenças, uma vez que os camundongos não se infectam com Zika nem com a meningite. De todo modo, constatamos que essa resposta imunológica não somente era alta contra os dois patógenos, como não causava qualquer comprometimento do DNA recombinante”, detalha Paula Martins.
Na técnica que utiliza o DNA recombinante, prossegue ela, o gene do Zika Vírus é removido e em seguida introduzido numa bactéria. Ocorre que esse processo é bastante trabalhoso, custoso e demorado, principalmente no momento de escalonar a produção. Isso acontece porque as normas brasileiras e internacionais impõem dificuldades logísticas ao método. “A metodologia que desenvolvemos é mais simples e barata. Agora, precisamos avançar com a pesquisa. A próxima etapa corresponderá aos testes de escalonamento, para saber se conseguiremos produzir a vacina em escala industrial. Também precisamos entender melhor o mecanismo de funcionamento, o que já está sendo feito em trabalhos conduzidos por pós-graduandos”, informa a pesquisadora.
O professor Lancellotti observa, ainda, que o protótipo desenvolvido na FCF, diferentemente de outras vacinas, não usa ovos embrionários na sua preparação. O método é completamente celular. “Isso evita problemas com alergias e efeitos colaterais e obviamente barateia o processo. Nossa vacina utiliza o vírus morto/atenuado. Ainda não conseguimos separar totalmente a partícula viral no processo de fusão, mas acreditamos que alcançaremos esse objetivo com o aprimoramento da técnica. É preciso lembrar que a vacina ainda está longe de poder ser usada pela população, mas o protótipo tem se mostrado muito promissor”, considera o professor.
Outro aspecto ressaltado por Lancellotti refere-se à tradição da Unicamp de associar o ensino à pesquisa como estratégia de conferir uma formação mais sólida a seus alunos. “Isso é muito importante, e o trabalho da Paula demonstra o acerto desse modelo. Ao colocarmos precocemente o estudante em contato com o método cientifico, nós qualificamos ainda mais a sua preparação. No caso específico do meu laboratório, essa formação está diretamente associada à aplicação. Não queremos que nossos estudos fiquem apenas na esfera acadêmica. Nosso propósito é fazer com que o conhecimento gere produtos e processos que tragam benefício à sociedade”, define o docente.
Paula Martins concorda com Lancellotti e afirma que o contato precoce com a pesquisa, por meio do programa de Iniciação Científica, realmente foi um diferencial na sua formação. “Eu fui para o laboratório antes mesmo de assistir às aulas do Lancellotti. Hoje, trabalhando na indústria, eu vejo que muitos dos meus colegas não tiveram a mesma vivência que eu tive. Brevemente, pretendo voltar à Unicamp e dar continuidade aos estudos na pós-graduação. Penso que o importante não é só fazer algo, mas compreender o caminho percorrido para fazer. Isso é muito importante e gratificante”.