INPI implanta Exames Prioritários para agilizar processo de transferência de tecnologias de áreas estratégicas
A propriedade intelectual sobre uma tecnologia é importante instrumento para que a engrenagem da inovação no país funcione. Entretanto, o que se observa no Brasil é que a morosidade do INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial) para analisar os pedidos de patentes tem influenciado esse processo à medida que as negociações de transferência de tecnologia entre uma instituição de pesquisa e uma empresa, por exemplo, ocorrem muito antes da concessão. Resultado: redução do poder de barganha de quem negocia o licenciamento e uma proposta de acordo que acaba não sendo ganha-ganha em muitos dos casos.
De acordo com o INPI, até junho desse ano o backlog – como é chamado esse acúmulo de patentes – era de 217 mil depósitos. Destes, 160 mil já estavam em fase de exame. Ou seja, aguardavam a disponibilidade de um dos 340 examinadores do Instituto para dar fluxo no processo.
“A concessão é uma forma de buscar a valorização do ativo intangível e sabemos que é papel do INPI permitir essa valoração, por isso foram verificadas maneiras para dar mais celeridade a esses processos”, afirma a diretora de Patentes do INPI, Liane Lage.
Considerando estudos realizados, o INPI vem implantando, nos últimos anos, novas modalidades de Exames Prioritários, que consistem em um processo mais rápido para tecnologias de áreas estratégicas, entre as quais: tecnologias verdes; produtos para a saúde; patentes cujo depositante é uma micro ou pequena empresa; “Prioridade BR”, que são pedidos inicialmente depositados no INPI e cuja proteção também foi solicitada em outros escritórios de patentes; e também as “Patentes ICTs”, aquelas depositadas por Instituições de Ciência e Tecnologia.
Valorização das ICTs
Lançado em forma de projeto-piloto em maio de 2017, a partir da Resolução nº 191, publicada na Revista da Propriedade Industrial (RPI) nº 2420, o Exame Prioritário “Patentes ICTs” foi considerado um grande avanço nesse processo, especialmente porque os maiores depositantes de patentes nacionais são universidades, sendo a Unicamp a primeira delas. A CNH Industrial Brasil foi a única empresa a aparecer entre os dez principais depositantes de 2017.
“A priorização foi estudada a partir de um pedido do Fortec (Fórum Nacional de Gestores de Inovação e Transferência de Tecnologia), além de termos observado, nos levantamentos, um número crescente de patentes vindas de ICTs. Nós nos sensibilizamos com o impacto que essas instituições estavam tendo. Queríamos facilitar a negociação de transferência dessa tecnologia”, ressalta Liane.
“A iniciativa foi um avanço bem importante para a propriedade industrial no Brasil. Tanto do ponto de vista de estímulo à proteção, quanto à visibilidade dada às tecnologias que possuem grande apelo comercial para transferência para a indústria”, considera a diretora de Propriedade Intelectual da Agência de Inovação da Unicamp, Patrícia Leal Gestic.
“A iniciativa do INPI em dar prioridade aos pedidos de patente depositados por Instituições de Ciência e Tecnologia é muito bem-vinda também para a indústria, já que estimula esse setor a fazer ainda mais parcerias com universidades”, avalia Cristina Faganello, gerente de óleos e gorduras da empresa Cargill.
Primeiros passos
Em sua primeira fase, o projeto-piloto Exame Prioritário “Patentes ICTs” considerava aptas a seguir nesse processo acelerado patentes que apresentassem os seguintes critérios cumulativos: patentes cujo o nível de prontidão tecnológica fosse maior do que cinco, tecnologias que tivessem empresas interessadas e patentes das quais a ICT já tivesse feito o depósito em mais de um país. Lembrando que cada ICT poderia fazer apenas uma única submissão de patente por mês ao Exame Prioritário.
“Quando o programa foi criado, ficamos com receio de receber um número muito grande de pedidos, por isso traçamos critérios que reforçassem o potencial de mercado dessas tecnologias”, comenta o gestor do grupo do projeto-piloto do prioritário do INPI, Diego Musskopf.
A possibilidade de receber um grande número de submissões era real. Entre janeiro de 2010 e junho de 2016, o INPI recebeu 4.471 pedidos de patentes provenientes de 132 ICTs. Só em 2014 e em 2015, especificamente, foram mais de 800 depósitos em cada um dos anos – praticamente o dobro do verificado em 2010, quando deram entrada 436 pedidos. Por isso, foi definido, logo no lançamento, que o programa teria duração de um ano ou até que 200 pedidos de patentes fossem considerados aptos – o que ocorresse primeiro.
No entanto, pelo fato de os critérios serem tão exigentes, a realidade foi bem diferente. Foram feitas apenas duas submissões na primeira fase do programa, sendo uma delas da Unicamp: a tecnologia Low Sat, desenvolvida pela professora Lireny Aparecida Guaraldo Gonçalves e pelo pesquisador Renato Grimaldi, do Laboratório de Óleos e Gorduras, da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp, licenciada atualmente com exclusividade para a Cargill, e com depósito em pelo menos seis outros países, além da comunidade europeia, que prevê cerca de 25 países no tratado.
“Por mais que tenhamos cerca de 130 tecnologias licenciadas ao mercado, ainda assim os critérios foram muito restritivos. Digo isso do nosso ponto de vista e comparando também à realidade de outros países, inclusive do primeiro mundo”, relata a diretora de propriedade intelectual da Inova Unicamp, Patrícia Leal Gestic.
Unicamp à frente
Das duas tecnologias que deram entrada nessa primeira fase do Exame Prioritário “Patentes ICTs”, apenas a da Unicamp foi considerada apta. A concessão da patente se deu em menos de três meses.
A patente “Uso de emulsificantes como agentes estruturantes de óleos vegetais – Low sat”, comercialmente conhecida como Lévia+e, consiste em um processo para produção de gorduras de baixo teor de ácidos graxos saturados (low sat), que pode ser aplicado à indústria de alimentos, na fabricação de bolachas, biscoitos, bolos e sorvetes. A principal inovação do produto é apresentar no máximo 35% de teor de saturados, preservando a estrutura física do alimento, enquanto no mercado existem diferentes soluções que variam entre 45% a 65% de teores de saturados.
“Especificamente no caso das tecnologias licenciadas, o exame prioritário abriu novas perspectivas do licenciamento, inclusive no exterior, e maior segurança de abertura de novos mercados no Brasil”, afirma o pesquisador da Unicamp Renato Grimaldi, lembrando que a Cargill já realiza testes de aplicação da tecnologia no México.
É o que confirma Cristina Faganello, gerente de óleos e gorduras da Cargill. “O mercado de gorduras, como qualquer outro mercado, evolui de maneira muito veloz, com novos players e novos produtos sendo colocados no mercado. A concessão da patente em tempo recorde foi essencial para a Cargill ter a segurança de poder impedir terceiros de comercializarem produtos que constituam infração à sua patente. A Cargill não tem mais, apenas, uma expectativa de direito, mas um direito concedido pela autarquia federal e isso confirma a existência de uma tecnologia única. O fato de ter a patente já concedida no Brasil está facilitando, inclusive, a divulgação do produto internamente na Cargill. Países como México e Estados Unidos passaram a olhar para a tecnologia de maneira diferente, uma vez que já foi aceita e confirmada em seu país de origem. Em sua fase de pedido de patente, nenhuma outra entidade da Cargill no exterior interessou-se por pagar royalties por algo cuja validade ainda estava em discussão no próprio país de origem”, relata.
Como os critérios foram realmente muito restritivos na primeira fase e o INPI tem o intuito de garantir maior adesão ao Exame Prioritário, foi feita uma revisão no projeto-piloto. A segunda fase do programa, que teve início em 1 de junho de 2018, já contou com as seguintes alterações: as tecnologias devem ter nível de prontidão tecnológica igual ou maior do que quatro, as patentes devem ter empresas interessadas e/ou já foram depositadas em mais de um país. Os critérios também passaram a não ser cumulativos, como eram na primeira fase. “Quando a proposta foi apresentada na Anpei (Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras), logo alertamos sobre as exigências. A pedido da coordenadora Eneida Berbare, liderei um grupo de trabalho que fez uma nova proposta ao INPI, que acatou as alterações quase que na totalidade. Foi um grande passo para contemplarmos as ICTs, a partir do nosso entendimento da realidade dessas instituições”, reforça Patrícia Leal Gestic, que além de diretora de Propriedade Intelectual da Inova Unicamp é também vice-coordenadora do Comitê ICT-Empresa da Anpei. “A garantia da propriedade intelectual dá mais previsibilidade para o detentor da patente e para quem tem interesse em licenciá-la, facilitando a chegada dessa tecnologia ao mercado. Além de ser um estímulo para que os inventores brasileiros patenteiem mais. Nosso objetivo maior é fazer funcionar o Sistema Nacional de Inovação”, finaliza a diretora de Patentes do INPI, Liane Lage.
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