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Clássico de Antonio Candido é relançado

Formação da Literatura Brasileira é considerado um marco na história da crítica literária no país

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Formação da Literatura Brasileira, de Antonio Candido de Mello e Souza (1918-2017), é considerado, pelos críticos, um dos quatro livros fundadores da reflexão da intelectualidade brasileira sobre sua própria identidade.

A despeito da diferença de objetos e fundamentos teóricos, o livro estaria emparelhado com Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freire, Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda, e Formação do Brasil Contemporâneo, de Caio Prado Júnior.

A 16ª edição de Formação da Literatura Brasileira: momentos decisivos, 1750-1880, cuidadosamente produzida por Ana Luisa Escorel, filha primogênita de Antonio Candido, foi publicada pela editora Ouro sobre Azul, com apoio da FAPESP.

O lançamento foi feito nesta segunda-feira (27/08), na sede da Fundação, em evento que prestou homenagem ao autor e contou com a presença do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e dos professores José Goldemberg, Celso Lafer (ex-presidente da FAPESP) e José de Souza Martins (conselheiro da FAPESP), entre outros.

No prefácio à primeira edição de Formação da Literatura Brasileira, de 1957, Antonio Candido informou que o livro foi preparado e redigido entre 1945 e 1951. Depois de submetido à leitura de Décio de Almeida Prado, Sérgio Buarque de Holanda e outros, e de ter sido bem recebido por eles, foi posto de lado até 1955, quando o autor finalmente iniciou o trabalho de revisão, que se estendeu até 1957.

Essa pequena informação é, por si só, bastante reveladora, pois o autor em pauta não era um escritor eventual, mas um trabalhador intelectual obstinado. Isso foi atestado à Agência FAPESP tanto pela própria Ana Luisa quanto por Walnice Nogueira Galvão, professora emérita da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo e assistente de Antonio Candido durante anos (“a vida toda”, segundo contou).

Ana Luisa lembrou que cresceu ao som do teclado da máquina de escrever do pai. No entanto, aquele então jovem intelectual, em início de carreira, foi suficientemente ponderado para esperar que a obra decantasse, sem se deixar levar pelo afã da publicação.

O resultado, como lembrou Walnice, foi um “tratado monumental”, do porte das três outras obras fundadoras mencionadas. “Devido a esse âmbito monumental, considero Formação da Literatura Brasileira o livro mais importante de Antonio Candido. Ele entendeu esse processo formativo como a batalha dos brasileiros para ter uma literatura própria. E isso só pôde ser realizado ao longo de dois séculos, quando, à medida que se copiavam os modelos europeus, foi-se definindo aqui uma originalidade. É muito inteligente esse ângulo de abordagem”, disse.

Entre os autores que o teriam influenciado, Walnice lembrou, em primeiro lugar, Sílvio Romero, cujo método crítico foi, aliás, objeto da tese de livre-docência de Antonio Candido. O próprio Antonio Candido, no prefácio citado, mencionou, como primeira referência, a História da Literatura Brasileira, de Romero, “cuja lombada vermelha, na edição Garnier de 1902, foi bem cedo uma das minhas fascinações na estante de meu pai, tendo sido dos livros que mais consultei entre os dez e quinze anos, à busca de excertos, dados biográficos e os saborosos julgamentos do autor”.

E a frase reproduzida acima constitui mais uma passagem reveladora. No caso, da precocidade com que Antonio Candido se lançou aos livros. Não apenas como leitor voraz, mas também com a meticulosidade e a insistência do futuro crítico literário.

“Meu pai começou a ler com oito anos de idade e nunca mais parou. Com 10 anos, ele leu Fausto, de Goethe. Leu por meio de uma tradução, não sei se portuguesa ou francesa. Nessa época, ele foi com os pais para a Europa e teve uma preceptora francesa, tornando-se praticamente bilíngue. Ele disse que, quando moço, estava tão embebido pela cultura francesa que, muitas vezes, chegava a pensar em francês”, contou Ana Luisa.

Essa atmosfera intelectual juvenil foi captada com precisão em A Palavra Afiada (leia em: agencia.fapesp.br/18962), organizado por Walnice Nogueira Galvão a partir de entrevistas, depoimentos, artigos e cartas de Gilda de Mello e Souza (1919-2005), esposa de Antonio Candido. Na década de 1940, estudantes na então Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, os dois, ainda solteiros, participaram de um seleto círculo de jovens de famílias tradicionais, reunidos em torno da revista Clima, que viriam a exercer grande influência na vida intelectual do país.

Faziam parte do grupo Décio de Almeida Prado, Paulo Emílio Salles Gomes, Ruy Coelho e Lourival Gomes Machado, entre outros – todos muito influenciados pela chamada “Missão Francesa”, que, a partir de meados dos anos 1930, estruturou e deu substância à USP, com a vinda de professores como Roger Bastide, Claude Lévi-Strauss, Fernand Braudel e Jean Maugüé.

No entanto, na Formação da Literatura Brasileira, Antonio Candido pautou-se menos na contribuição desses intelectuais seus contemporâneos do que nas diretrizes de um crítico e historiador francês do século 19, Hippolyte Taine (1828-1893), expoente do positivismo, como lembrou Walnice. “Ele recebeu também a influência do ‘New Criticism’ anglo-saxão e da Estilística Alemã [Auerbach, Curtius, Spitzer]”, disse.

A opção de construir seu livro com base na análise dos textos, recorrendo apenas subsidiariamente ao contexto, é um traço dessa escolha metodológica. Sobre isso, o próprio Antonio Candido expressou-se com clareza ao escrever sobre a coerência das produções literárias.

“No nível do autor, ela se manifesta através da personalidade literária, que não é necessariamente o perfil psicológico, mas o sistema de traços afetivos, intelectuais e morais que decorrem da análise da obra, e correspondem ou não à vida (...) No nível do momento, ou fase, ela se manifesta pela afinidade, ou caráter complementar entre as obras, consequência da relativa articulação entre elas, originando o estilo do tempo, que permite as generalizações críticas. Por isso, não interessou aqui determinar rigorosamente as condições históricas – sociais, econômicas, políticas –, mas apenas sugerir o que poderíamos chamar de situação temporal, ou seja, a síntese das condições de interdependência, que estabelecem a fisionomia comum das obras, e são realidades de ordem literária, nas quais se absorvem e sublimam os fatores do meio” [página 39 da nova edição].


Político e professor

Essa valorização do texto literário pelo que ele efetivamente diz, e não a partir da historicidade de quem o diz, não significou, para Antonio Candido, um descompromisso com o tempo e a história. Ao contrário, como cidadão, ele fez da atuação pública um imperativo ético.

Participou do Partido Socialista Brasileiro (PSB) até este ser extinto, em 1965, por ato da ditadura civil-militar. Depois, participou da fundação do Partido dos Trabalhadores (PT). E também da fundação da Associação dos Docentes da Universidade de São Paulo (Adusp). Mas, segundo a opinião da filha Ana Luisa, essa atuação era pautada muito menos pela vocação política do que pela obrigação moral.

“Ao contrário de todo mundo, eu não acho que o meu pai fosse um ser político. Na minha opinião, ele fazia política por obrigação. Desde menino, ele foi muito tocado pela injustiça social. E eu me lembro bem de que, às vezes, custava a dormir pensando nisso. Ocorre que ele não tinha religião. Era totalmente ateu. Como um ateu podia lidar com esse tipo de inquietação? Apenas por meio do socialismo. Então, muito cedo, ele se tornou socialista. Três amigos foram fundamentais para isso: José Bonifácio de Andrada e Silva, descendente do Patriarca e comunista; Paulo Emílio Salles Gomes, seu amigo dos tempos de universidade e socialista; e Febus Gikovate, no Partido Socialista”, disse.

“O que eu estou dizendo é muito polêmico, porque destoa da opinião de todo mundo. Para mim, ele não gostava de política. Mas fazia o que julgava ser justo em todos os momentos que as circunstâncias o exigissem. Na juventude, chegou a ser candidato a deputado pelo Partido Socialista, porque não havia outro candidato disponível. Isso era muito característico dele: se havia uma missão a ser cumprida, ele cumpria. Foi também um dos fundadores do PT e foi de uma total fidelidade ao partido. Mas, quando o PT chegou pela primeira vez à Presidência da República, ele escreveu uma carta ao Lula, afastando-se da atividade partidária. Continuou apoiando, mas se afastou. O conhecimento do mundo que o formou veio por meio da literatura, e ele sempre soube, por meio da literatura, dos riscos de se estar próximo do poder. Os artistas já haviam alertado para esses riscos, desde a Antiguidade Clássica, desde o Renascimento, desde o Romantismo. E ele estava embebido por essa sabedoria”, disse.

Ana Luisa revelou que o pai chegou a protelar seu concurso para professor titular porque não queria fazer parte dos órgãos colegiados da universidade e participar da política universitária. “Mas, em todos os momentos em que a instituição sofreu ameaças, ele esteve lá, na linha de frente, para defendê-la”, disse.

Esse forte senso de responsabilidade ele expressava também em sua atividade regular como professor. “Antonio Candido preparava suas aulas com muito cuidado. Ele as escrevia e me ensinou a escrever minhas aulas também. Mas suas aulas não eram lidas. Os escritos eram utilizados como pontos de apoio. Dizia sempre: ‘Nunca improvise nada. Prepare sempre tudo o que você for fazer, seja aula, intervenção, conferência’. E transformava esse conselho geral em uma orientação muito precisa: ‘Quatro páginas datilografadas com espaço duplo são uma aula. Escreva as aulas e, daqui dois ou três anos, você terá um ensaio pronto para um livro’. Então, ele anotava tudo e, depois, transformava as anotações em textos publicáveis”, disse Walnice, que, antes de assistente, foi sua aluna.

Tal orientação visava não apenas à otimização do trabalho intelectual, mas traduzia, principalmente, o respeito pelo assunto e o respeito pelos alunos. “Foi o melhor professor que eu tive na vida. Era de uma clareza absoluta e tinha o maior interesse em fazer o aluno entender. Possuía uma paciência infinita”, disse Walnice.

Paciência e disponibilidade eram suas características também em casa, como contou, com detalhes encantadores, a filha Ana Luisa.

“Meu pai e minha mãe me tiveram muito jovens. Eram dois professores em início de carreira. E eu os solicitava muito. O que me impressiona em retrospecto é lembrar da paciência que o meu pai tinha para me atender. Eu vivia pendurada nele. Não havia um dia em que, de alguma maneira, eu não o solicitasse. Ele era uma pessoa muito ocupada e, nesse período da minha primeira infância, estava escrevendo simultaneamente Formação da Literatura Brasileira, por um lado, e Parceiros do Rio Bonito, por outro”, disse à Agência FAPESP.

“São obras muito diferentes entre si e ambas muito importantes, cada uma em sua área. Ao mesmo tempo, ele tinha sua atividade acadêmica, dando aulas diariamente à tarde e, em alguns dias da semana, também à noite. E ainda escrevia semanalmente para os jornais. Mas não houve um dia sequer nesse período em que ele não tivesse largado tudo o que estava fazendo para me atender. Eu pedia para ele contar histórias, eu rabiscava os livros que ele estava lendo. E ele tinha a maior paciência. Levei muito tempo para entender a excepcionalidade dessa atitude”, disse Ana Luisa.

 

ReproduçaoSERVIÇO

Formação da Literatura Brasileira: momentos decisivos, 1750-1880
Autor: Antonio Candido de Mello e Souza  | 16ª edição
Editora: Ouro sobre Azul
Páginas: 800
Preço: R$ 128,00 

 

 

Reprodução

 

 

Imagem de capa JU-online
Audiodescrição: Em área interna, imagem frontal e de busto, homem ao centro na imagem fala em microfone afixado em pedestal de mesa, sendo que ele gesticula com os braços, mantendo os cotovelos apoiados sobre uma suposta mesa, os braços paralelos e com as mãos abertas. Ele usa óculos e veste terno preto sobre camisa social. Imagem 1 de 1.

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