Transferência de tecnologia vai resultar em kits diagnósticos para doenças negligenciadas
Um dos setores que mais gera benefício para a sociedade a partir do contato universidade-empresa é o da saúde. Novas propostas para o enfrentamento de desafios relacionados às doenças negligenciadas, por exemplo, encontram na universidade ambiente propício para florescer. No caso da Unicamp, a interação com o setor empresarial, em 2017, ampliou a perspectiva de desenvolvimento de tecnologias voltadas para o controle da Doença de Chagas e da diarreia infantil, entre outras patologias que, ainda nos dias de hoje, exigem solução.
Esta interação se deu a partir do licenciamento de cinco hibridomas de camundongos para a Rheabiotech, empresa-filha da Unicamp que atua na produção de soros imunes para uso em laboratórios de pesquisa. Tal transferência vai possibilitar, entre outros benefícios, criar kits diagnósticos para a Doença de Chagas (anti-T.cruzi), para patógenos causadores de infecções genitais e da boca (anti-SAP) e para a diarreia infantil (anti-PCFO). Com mais estudos, os anticorpos anti-IL-6 poderão ainda ser utilizados para fins terapêuticos contra tumores malignos e doenças autoimunes. Na Universidade, os estudos foram conduzidos pela professora Wirla Maria da Silva Cunha Tamashiro, do Instituto de Biologia (IB).
“Os anticorpos monoclonais são reagentes altamente específicos que auxiliam no diagnóstico e tratamento de diversas doenças. Embora alguns grupos no Brasil venham produzindo hibridomas para fins de pesquisa desde a década de 1980, foram feitos pouquíssimos licenciamentos desse tipo de material para uso mais amplo. Por isso, vimos neste grupo de hibridomas a oportunidade de desenvolver, entre outras coisas, o diagnóstico para algumas doenças negligenciadas”, conta Luís Peroni, sócio-diretor da Rheabiotech.
Graduada pela Incubadora de Empresas de Base Tecnológica da Unicamp (Incamp), a empresa licenciada atua em três frentes: na produção de insumos para pesquisa e desenvolvimento, no desenvolvimento de kits diagnósticos para as áreas agrícola, veterinária e de saúde humana e na prestação de serviços na área imunoquímica.
Entre os materiais biológicos transferidos, o anti-IL-6 é um anticorpo monoclonal bastante promissor para o desenvolvimento de biofármaco com grande potencial terapêutico no tratamento de alguns tipos de cânceres, como o de colo de útero, o de mama e mielomas, e no tratamento de doenças crônicas, como a artrite reumatoide. “Trata-se de um anticorpo contra uma citocina muito importante nessas doenças, pois seus portadores vão produzi-la em quantidade elevada. Essa molécula, se neutralizada, diminui muito os sintomas apresentados pelo paciente”, afirma a docente.
Olhando para o futuro
O desenvolvimento de um fármaco para esta doença autoimune é o atual foco da empresa. “No caso da artrite, o combate é por meio de fármacos sintéticos como o corticoide, para controlar a inflamação. A doença é um problema para a vida toda. A ideia do terapêutico é melhorar a qualidade de vida do paciente, com a diminuição do número de doses de remédio. Com isso, o tratamento se torna mais prolongado”, avalia o sócio-diretor da empresa.
Estima-se que a artrite reumatoide afete uma a cada 100 pessoas. Em estágio avançado, o paciente chega à incapacidade física permanente. Perroni conta que anticorpos monoclonais contra artrite, em especial os específicos para o receptor da IL-6, já vêm sendo usados em pacientes com resultados relevantes e com eficácia comprovada.
“Para o anticorpo licenciado se tornar um biofármaco semelhante ao importado e com finalidade terapêutica é preciso ainda mais pesquisa e desenvolvimento, possibilitando o que chamamos de imunoterapia com anticorpo”, avalia Wirla. Além disso, ainda são necessários testes em humanos e a validação pelos órgãos responsáveis. “Em média, para que um medicamento com essas características seja disponibilizado no mercado, leva cerca de cinco a dez anos”, reforça o diretor da Rheabiotech.
Anticorpos para detecção de doenças
Quanto aos demais anticorpos licenciados, eles serão utilizados pela empresa com o intuito de desenvolver métodos para o diagnóstico de doenças. Sem um desenvolvimento posterior à transferência dos materiais biológicos, a docente ressalta que o principal apelo dos anticorpos está na detecção de antígenos de patógenos para fins de pesquisa. “Para se tornarem insumos para diagnóstico e serem comercializados amplamente, eles precisam de um desenvolvimento adicional”, pondera.
Contudo, neste momento, o objetivo da empresa licenciada é, justamente, fornecer anticorpos para a realização de testes em laboratório, para exames rápidos. “O anticorpo (anti-PCFO), por exemplo, detecta cepas virulentas de Escherichia coli. Ele é muito utilizado em pesquisa, mas também pode ser aplicado ao mercado de diagnóstico”, comenta Peroni. A docente ressalta que a utilização deste anticorpo é uma ferramenta promissora para a detecção da diarreia infantil. “É importante como uma ferramenta para diagnosticar os surtos de E.coli enteropatogênica que ocorrem, inclusive, pelo consumo de alimentos contaminados”, explica.
Dentre os principais benefícios da utilização destes anticorpos nos laboratórios de diagnósticos, está a diminuição no custo dos exames. “Atualmente, utilizam-se anticorpos importados para o diagnóstico. Logo, os anticorpos que vamos fornecer vão diminuir o custo dos exames laboratoriais em até 40%”, completa. Para o fornecimento dos anticorpos para uso clínico, é necessária autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o que deve demorar cerca de dois anos.