Pesquisador conclui que ampliações ocorreram no âmbito de disputas entre diferentes concepções sobre o papel de cada instituição no Estado
Com potencial de oferecer boa contribuição para a gestão dos sistemas de educação superior e de suas instituições, uma tese de doutorado defendida em agosto analisa a expansão da USP, da Unicamp e da Unesp em novos campi, e possíveis alterações institucionais, acadêmicas e organizacionais que indicariam uma diferenciação das três universidades paulistas. As dimensões analisadas pelo pesquisador Flávio Batista Ferreira, autor da tese, foram: a missão da universidade nas novas unidades; currículos e estratégias de ensino; administração; perfil do corpo docente (formação, trajetórias e condições de trabalho); e perfil do corpo discente (seleção, acesso e perfil socioeconômico).
“Quando se fala em expansão da oferta de ensino de graduação, surgem duas posições muito frequentes: a de que cumprir plenamente as missões de ensino, pesquisa e extensão, com qualidade, só é possível no modelo de universidade em que estão organizadas USP, Unicamp e Unesp, em que a concentração de recursos é alta porque o retorno também é alto, o que limita a expansão; e a posição de que só é possível expandir massivamente se for em outro tipo de instituição, não universitária, com menor investimento e objetivos diferentes. Nosso estudo buscou demonstrar que podem existir outras alternativas”, afirma Ferreira, que defendeu sua tese na Faculdade de Educação da USP, orientado pela professora Gladys Beatriz Barreyro.
Os novos campi abordados na pesquisa foram, na Unicamp, a Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) de Limeira; na USP, a Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) na Zona Leste de São Paulo; e, na Unesp, as unidades de Registro, Rosana, Dracena, Ourinhos, Itapeva, Tupã, Sorocaba/Iperó e São Vicente. O pesquisador recorda que todas essas unidades surgiram como resultado da política de expansão da oferta de ensino de graduação nas universidades públicas de São Paulo elaborada pelo Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas (Cruesp) em 2001. A pesquisa teve uma parte documental, uma parte estatística e entrevistas semiestruturadas com gestores, membros de grupos de trabalho e representantes e docentes das novas unidades.
Flávio Ferreira foi do primeiro grupo de funcionários contratados para a FCA, ainda antes do início das atividades no campus de Limeira em 2009 - é Assistente Técnico da Unidade (ATU). Daí que, já em seu mestrado orientado pelo professor Salvador Sandoval na Faculdade de Educação (FE) da Unicamp, ele procurou analisar a dinâmica das decisões sobre a implantação do novo campus de Limeira a partir do embate entre as diferentes concepções de universidade presentes na implantação da política do Cruesp. O estudo focou a FCA como tentativa de criar um novo espaço de produção acadêmica, com novas formas de administração e gestão. Ele destaca o impacto que a implantação da FCA teve no contexto da Unicamp, uma vez que a primeira turma de graduação teve 480 ingressantes, em oito novos cursos, na maior ampliação do oferecimento de vagas feito de uma única vez (17%) em seu vestibular.
Agora no doutorado, com base no estudo da expansão das três universidades paulistas, o autor da tese conclui que “a expansão não gera necessariamente diferenciação”, conforme estudo clássico sobre massificação dos sistemas de educação superior de Martin Trow, sociólogo americano especialista em política educacional. “No caso estudado, as alterações em características das novas unidades ocorreram por motivos diferentes em cada uma das três universidades. A diferenciação foi dependente da história de cada instituição e construída também a partir das dinâmicas políticas locais. Não foi uma consequência natural ou inevitável da expansão da educação superior, foram escolhas. O processo de expansão em cada universidade ocorreu no contexto de disputas entre diferentes concepções sobre o papel de cada universidade no Estado, no país e na produção e disseminação de conhecimento e do ajustamento de múltiplos interesses internos e externos às universidades”.
Ao comparar a experiência de Limeira com as novas unidades de USP e Unesp, Ferreira salienta que apesar que serem criadas a partir de uma mesma formulação de política de expansão, o processo foi diferente em cada universidade e dependente da história de cada instituição e da concepção que os atores envolvidos têm de universidade. “Apesar da arquitetura igual de seus prédios, os novos campi da USP e da Unicamp adotam dentro dessas construções uma concepção de unidade diferente, que respeita a história de cada implantação: a partir do momento em que passam a funcionar, respondem a estímulos e necessidades próprios daquela instituição, daquele momento e com aquelas pessoas. As histórias são diferentes.”
Diferentes em quê?
A segunda questão que se coloca, observa o pesquisador, é em quê essas histórias são diferentes, apesar de inseridas em uma mesma política de indução à expansão de vagas de graduação em novos campi. “Em relação à missão da universidade, evidentemente que as novas unidades têm peso maior da graduação do que as já estabelecidas, especialmente por serem resultado da política do Cruesp, que destinou recursos extraordinários para isso. Mas, ao longo do tempo, observa-se o desenvolvimento de pesquisa e a criação de programas de pós-graduação, aproximando-as cada vez mais das unidades tradicionais.”
Na visão de Flávio Ferreira, a administração dos novos campi é diferente, mais racional em relação aos recursos. “O investimento é mais baixo e, logo, a administração e principalmente a organização das atividades-meio ficam bem mais restritas em relação às unidades consolidadas. As alterações na administração possuem duas dimensões que correspondem a motivações distintas: a primeira é a acadêmica, as novas unidades foram criadas sem departamentos, sobre o fundamento de que a inexistência deles é um facilitador da interdisciplinaridade; e, a segunda, de que é também um fator redutor de custos em termos de estrutura administrativa.”
O autor da tese aponta que estas duas dimensões – uma justificativa acadêmica e a racionalização de custos – repetem-se no caso dos currículos. “Os cursos são de carreiras menos prestigiadas do ponto de vista profissional, não se criou nos novos campi cursos como de medicina e direito. E houve grande incentivo aos cursos de licenciatura, ao mesmo tempo em que são de formação geral, com disciplinas compartilhadas para grandes turmas e juntando mais de um curso. Sob a justificativa de que assim se aumenta a interdisciplinaridade, ao mesmo tempo em que é um fator redutor de custo. Todo processo de implantação possui essas duas dimensões marcadas nos diferentes aspectos estudados.”
Já o perfil dos alunos dos novos campi, salienta Ferreira, é realmente diferente, com nível socioeconômico mais baixo e maior percentual daqueles vindos de escola pública. “A conclusão é de que este aluno está mais próximo do perfil da população de 18 a 24 anos no Brasil. Isso se explica, em parte, pelo tipo de carreira, semelhante aos cursos menos prestigiados das demais unidades, ou seja: não há uma diferenciação no perfil do estudante por se tratar de um campus novo, mas porque a carreira oferecida é menos concorrida.”
O autor afirma que a dimensão que menos se diferenciou na pesquisa foi a do corpo docente, já que os professores dos novos campi são contratados sob os mesmos requisitos e possuem formação e trajetória acadêmica semelhantes às de colegas das unidades tradicionais que se encontram na mesma etapa da carreira. “Daí, talvez a principal conclusão da tese: que esta não diferenciação do corpo docente gerou o fenômeno de as unidades dos novos campi, apesar de criadas em condições muito diferentes, estarem em processo de aproximação com as características das unidades tradicionais. Esta aproximação se dá em termos de missão, de administração e de currículos – entre 2009 e 2014, a FCA passou por três reformas curriculares, alterando-se inclusive a denominação de cursos, como de gestão para administração, tornando-os mais próximos de cursos tradicionais.”
Escolha política
Para Flávio Batista Ferreira, seu trabalho mostra que, seja em novos campi ou nos campi tradicionais, a organização de cada unidade passa, necessariamente, por uma decisão política entre manter as diferenças sociais decorrentes da formação superior ou buscar uma formação superior mais acessiva para a sociedade. “Diante do conhecimento que pude gerar, a principal conclusão está em que não é mandatória a estratificação para que o acesso à educação superior seja expandido. É possível expandir a educação superior sem a reprodução de desigualdades, desde que se faça uma escolha política de ampliar o investimento nas universidades públicas em valores compatíveis com os níveis de atendimento à população e ampliação do acesso, que são preconizados pelo Plano Nacional de Educação.”