Cristais podem substituir gorduras trans na indústria de alimentos
A partir da nanotecnologia, pesquisadores da Unicamp desenvolveram um processo para obtenção de cristais microencapsulados de gordura. Em forma de pó, tais cristais permitem produzir gordura bastante semelhante, em termos estruturais, de consistência, textura, aparência e sabor à gordura trans. A gordura trans, se consumida de maneira excessiva e em longo prazo, pode causar doenças cardiovasculares e obesidade. Ou seja, a tecnologia desponta como uma possibilidade de substituir o uso de gorduras trans na indústria de alimentos. A tecnologia foi licenciada, em caráter não-exclusivo, para a Noviga.
Embora não seja a única alternativa disponível no mercado, uma das principais vantagens da tecnologia é sua flexibilidade na utilização. Outros diferenciais da utilização do processo são a cristalização acelerada, a formação de redes cristalinas mais homogêneas e o incremento na textura da gordura obtida. “Nossa tecnologia é fácil de manusear e de armazenar. A gente costuma chamar de pó mágico, porque basta adicioná-lo para modificar a estrutura da gordura. Ademais, você não fica preso a um tipo específico de gordura. É possível, por exemplo, comprar óleo de palma e usar a tecnologia”, afirma Maria Cristina Mascarenhas, porta-voz da empresa e coautora da patente.
Sob orientação de Lireny Aparecida Guaraldo Gonçalves, professora da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) e com o apoio do Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital), Maria Cristina desenvolveu a tecnologia durante sua tese de doutorado. “A gordura trans tem uma característica estrutural que outros tipos de gordura não têm. Então, para conseguir essa mesma estrutura, há várias tecnologias. Esse ingrediente [cristal microencapsulado] é uma das alternativas. Ele forma uma rede capaz de estabilizar sua estrutura e a própria emulsão”, explica Maria Cristina.
A obtenção deste novo processo está em sinergia com mudanças estabelecidas pela política de redução de consumo de gordura trans do Ministério da Saúde, que tem o apoio da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para verificação da rotulagem nutricional dos alimentos. Em 2017, a Comissão de Assuntos Sociais do Senado aprovou projeto que proíbe o uso de gordura trans nos alimentos, uma vez que o consumo a longo prazo de gordura hidrogenada pode acarretar diversos problemas de saúde.
O projeto de lei deve ainda ser votado na Câmara dos Deputados. “A nanotecnologia ainda é pouco explorada na área de alimentos, por causa de problemas com matérias-primas e das restrições da Anvisa, mas há um grande potencial a ser explorado nesse sentido”, ressalta a empreendedora.
A Noviga teve projeto aprovado junto ao programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE I) da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Tal programa é voltado para apoiar o desenvolvimento de produtos, processos e serviços inovadores em pequenas e micro empresas do Estado de São Paulo. “O foco agora é no mercado de margarina, recheios e sorvetes”, revela Maria Cristina.
A empreendedora conta que a tecnologia está em escala piloto e que a empresa está iniciando também a fase da verificação dos custos de produção. “Como a quantidade utilizada é muito pequena, a tendência é que os custos não sejam tão altos. Sabemos que o custo da matéria-prima não é exorbitante, mas temos que verificar o custo da produção em larga escala”, complementa.
Maria Cristina lembra que a experiência como terceira colocada do Desafio Unicamp 2015, competição de modelos de negócio a partir de tecnologias desenvolvidas na Unicamp, foi importante para que a então pesquisadora adquirisse um olhar mais empreendedor para a tecnologia. “O Desafio nos fez pensar, realmente, em comercializar a tecnologia. Eu já tinha o conhecimento e entendimento da tecnologia. O Desafio nos ajudou no modelo de negócio e a enxergar melhor o mercado”, finaliza.
Na opinião da professora Lireny, a participação da Inova nas negociações e na proteção das tecnologias é de suma importância. “A Inova é imprescindível para se entrar neste aspecto da negociação e boa elaboração do que pode trazer ganho extra orçamentário para a Unicamp”, conclui.