Pesquisa estabelece diretrizes para uma cultura empresarial mais produtiva na construção civil
Há décadas a construção assume importância econômica e social. Estimam-se no mundo 100 milhões de pessoas ligadas a ela, das quais 7,5 milhões no Brasil, em que a atividade é responsável por 6% do valor adicionado bruto nacional. Apesar de sua ampla gama de atuações, esse potencial construtivo é muitas vezes freado em face de uma série de problemas que permeiam suas atividades. Entre eles, o emprego de técnicas construtivas pouco eficientes, o alto consumo de recursos e o risco de acidentes. Devem ser lembrados ainda o grande descarte de resíduos sólidos e significativa liberação de gás carbônico – que comprometem o meio ambiente –, e a baixa produtividade de sua mão de obra, responsável pelo aumento de prazos e de custos. No Brasil, segundo o Ministério do Meio Ambiente, mais de 50% dos resíduos sólidos são provenientes da construção.
Todos estes obstáculos têm preocupado gestores. Em relação ao meio ambiente, particularmente a partir dos anos 90, tornaram-se mais fortes os movimentos por um desenvolvimento sustentável. São dessa época também os primeiros passos para resolver os problemas de produtividade, custos e prazos, visando uma construção enxuta. Daí para frente os conceitos de sustentabilidade ambiental e mentalidade enxuta passaram a embasar princípios, sistemas e práticas que buscam eliminar ou mitigar os principais problemas construtivos.
Estudos mostram que as aplicações e integrações desses dois conceitos de forma sinérgica em canteiros de obras são fundamentais para que se possa construir com menos impactos ambientais e com maior geração de valor para os clientes. Embora, há alguns anos, se identifiquem interfaces positivas desses conceitos na construção, essa discussão ainda não atingiu a profundidade necessária. Em outros setores, como os de manufatura, a aplicação integrada dessas duas abordagens já é realizada e proporciona sinergias entre os objetivos da sustentabilidade ambiental e da mentalidade enxuta.
A perspectiva do preenchimento dessa lacuna foi o foco da dissertação de mestrado do engenheiro Eduardo Lavocat Galvão de Almeida, apresentada ao Departamento de Arquitetura e Construção da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC) da Unicamp. No trabalho, orientado pelo professor Flávio Augusto Picchi, o pesquisador propõe diretrizes para a integração da aplicação da mentalidade enxuta e da sustentabilidade ambiental em canteiros de obras. Para tanto, utiliza o método de estudo de casos múltiplos, com base em três empresas construtoras que aplicam práticas ambientais e ferramentas enxutas em seus canteiros. Todas com mais de 30 anos de mercado, sendo duas grandes, de São Paulo, e uma de porte médio, de Fortaleza, que se encontram em diferentes estágios no desenvolvimento das duas abordagens.
A coleta de dados foi realizada com base em três vertentes: 1) análise de documentos e publicações das empresas; 2) entrevistas semiestruturadas realizadas com gestores, coordenadores e gerentes das áreas ambiental e produtiva; 3) e observação direta, realizada nas visitas a quatro canteiros de obras. A partir daí e da bibliografia disponível, o autor estruturou as diretrizes, objetivo maior do trabalho, que além das contribuições acadêmicas, oferecem benefícios práticos ao interligar propósitos, processos, pessoas, sistemas de gestão e de controle, lideranças, essenciais para o estabelecimento de um modelo mental, de uma cultura organizacional.
A dissertação de mestrado, defendida em agosto, foi a milésima desenvolvida junto ao Programa de Pós-graduação em Engenharia Civil da FEC Unicamp, que iniciou suas atividades em 1986, no mestrado, e em 1995, no doutorado, formando mil mestres e 241 doutores.
Os resultados encontrados evidenciam que a relação entre a sustentabilidade ambiental e a mentalidade enxuta em canteiros de obras é sinérgica tanto nos conceitos como nas aplicações. Mostram também que aspectos estratégicos, organizacionais e culturais relacionam-se diretamente com a difusão e sustentação da integração das abordagens em empresas construtoras. Para o autor, a principal contribuição do trabalho foi a criação de um conjunto de diretrizes de integração que proporcionam uma direção para a união da sustentabilidade ambiental e da mentalidade enxuta aplicada a canteiros de obras, explorando suas sinergias, garantindo políticas e filosofias empresariais que levam ao estabelecimento e à manutenção de uma cultura de eficiência máxima direcionada para a melhoria contínua.
O termo lean (enxuto) deu origem à expressão produção enxuta para denominar e generalizar os fundamentos do Sistema Toyota de Produção que, confrontado com o modelo fordista de produção em massa, proporciona resultados de qualidade, com custos menores, com produtividade e lucratividade expressivamente superiores. Nos anos 90 os conceitos e princípios enxutos foram estendidos para todos os sistemas de gestão empresarial com a denominação de mentalidade enxuta (lean thinking).
O autor destaca que lean pode ser definido como o conjunto de conceitos, princípios e ferramentas usados para maximizar valor sob a perspectiva do cliente, consumindo o mínimo de recursos e utilizando ao máximo o conhecimento e a habilidade das pessoas envolvidas no trabalho. Em poucas palavras, lean significa gerar valor para o cliente com o mínimo de desperdícios materiais e humanos.
A sustentabilidade tem como principais princípios reduzir o consumo de recursos e reutilizá-los sempre que possível, empregar materiais reciclados, proteger a natureza, eliminar produtos tóxicos, focar na qualidade.
Interfaces
O autor constatou que no setor da construção a aplicação da sustentabilidade ambiental está mais centrada no produto final, na sua durabilidade, manutenção e desempenho, mas ainda estão pouco difundidas práticas que eliminam desperdícios de mão de obra e de materiais na execução das novas edificações. Segundo ele, “as construtoras sabem qual deve ser o destino adequado dos resíduos, e grande parte realiza o seu manejo de forma adequada. Por outro lado, ainda muito pouco é feito para reduzir a geração dos mesmos em sua fonte, nos processos construtivos, e esta é a questão central da nossa pesquisa. O emprego da mentalidade enxuta tem papel preponderante no estabelecimento das sinergias que permitem redução de desperdícios produtivos”.
Com efeito, ela busca, principalmente através dos processos, diminuir desperdícios, que na construção estão atrelados principalmente a resíduos. É a alteração de processos que determina o aumento da produtividade das equipes envolvidas. O aproveitamento das sinergias que os envolvem pode levar, por exemplo, à economia de água, de energia, de materiais, à manutenção de uma obra limpa e organizada, incrementando a produtividade e gerando maior valor para o cliente. Ao constatar que pouco se utilizava da mentalidade enxuta nos processos de construção, o autor se deu conta de que algumas dimensões deviam ser consideradas não apenas na execução da construção, mas em toda sua gestão.
Foi então que ele se colocou algumas indagações. A empresa entende que a sustentabilidade ambiental constitui um valor para o cliente, para o meio ambiente, para o planeta? Que a mentalidade enxuta é uma estratégia a ser considerada? Enxerga a existência de sinergias entre sustentabilidade ambiental e mentalidade enxuta entre os processos que utiliza e como elas são estabelecidas, geridas e integradas? Adota estratégias para diminuir os desperdícios e aumentar a sustentabilidade? Existem indicadores que percorrem toda a organização aliando objetivos comuns a um sistema de gestão que liga sustentabilidade, mentalidade enxuta e estabelece sinergias, ou as práticas utilizadas destinam-se essencialmente à produção? Existem lideranças que fazem chegar aos operários, mestres, encarregados a importância do processo adotado? Que mecanismos são utilizados para conscientizá-los da importância do papel de cada um dos seus colaboradores para que as obrigações não sejam apenas cumpridas mecanicamente, mas conscientemente incorporadas?
Eduardo considera que respostas adequadas a todos estes questionamentos favorece o crescimento dos funcionários e da empresa e a torna mais competitiva. É importante para o sucesso da mentalidade enxuta que todos os segmentos da empresa sejam ouvidos e possam dar sugestões. “O alinhamento destas dimensões permite o entendimento e a conscientização da proposta da organização, do valor para o cliente, da razão da união das práticas mais adequadas com as ferramentas para que todos os objetivos sejam atingidos. Mais, com isso, cria-se uma cultura que gera o aperfeiçoamento continuo de produtos e serviços oferecidos”, enfatiza o pesquisador.