Unicamp transfere, para startup, tecnologia de extração supercrítica desenvolvida na Faculdade de Engenharia de Alimentos
O uso da Cannabis para fins terapêuticos tem sido alvo de discussões há anos por todo o mundo, sob o olhar atento de especialistas e pressão da sociedade, especialmente daqueles que possuem em suas famílias casos pessoas com doenças crônicas, passíveis de serem tratadas com medicamentos à base da Cannabis. Ao longo dos anos, as pesquisas têm avançado nessa área. Entretanto, apesar da urgência por uma solução, no Brasil, o impasse está na esfera federal.
A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) autorizou, em janeiro de 2015, o uso terapêutico de canabidiol, que é um dos principais compostos ativos da Cannabis. Desde então, não houve muitos avanços no ambiente regulatório nacional, uma vez que não se concretizou a abertura pela Anvisa de audiência pública para tratar não somente da regulamentação da cultura da Cannabis no Brasil, mas também da comercialização no mercado de acesso, voltada para ensaios clínicos e venda de produtos baseados em Cannabis.
Se, no que tange a regulamentação, há um atraso nas definições nacionais, no que se refere à inovação, o Brasil saiu à frente do mundo no último ano, com o desenvolvimento de um processo totalmente inovador elaborado a partir de um contrato de transferência de know how da Unicamp para a startup Entourage Phytolab, uma empresa brasileira de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) de medicamentos à base de Cannabis.
O contrato de transferência de tecnologia foi aprovado pelo Conselho Universitário, órgão máximo da Universidade, e negociado pela Agência de Inovação Inova Unicamp, com foco na aplicação da tecnologia de extração supercrítica para a obtenção seletiva de compostos ativos da Cannabis, que serão base para a composição de medicamentos.
Depois da aprovação junto ao Conselho, o desenvolvimento ocorreu nos laboratórios da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp, pela professora Maria Ângela de Almeida Meireles e seu grupo de pesquisa. Maria Ângela explica que a Cannabis possui mais de 500 compostos ativos e que o processo desenvolvido atua na extração de pelo menos 120 das famílias de THC (tetrahidrocanabinol), que é o composto ligado à sensação de relaxamento, redução da dor, e aumento do apetite, e do cannabidiol, que tem sido voltado mais recentemente para o tratamento de crianças com epilepsia refratária.
Com o processo pronto, Maria Ângela afirma que a Entourage possui uma tecnologia muito avançada quando comparada às outras empresas no setor, pois obteve um produto totalmente diferenciado, a partir de matéria-prima certificada e com um processo verde, que obtém compostos ativos sem resíduos. “Os processos de extração tradicionais aplicados às plantas podem obter compostos com resíduos de solventes e neste caso, a aplicação medicinal pode ser prejudicada em função destes resíduos. Já no caso da extração supercrítica, o solvente é o dióxido de carbono que é 100% removido e pode ser reciclado, o que também tem uma função ecológica”, explica a docente. Atualmente os pesquisadores da Unicamp estão finalizando o estudo de aumento de escala.
Caio Abreu, que é fundador da Entourage Phytolab, comenta que a empresa está com o projeto pronto para construir as instalações farmacêuticas de acordo com as Boas Práticas de Fabricação, mas aguarda a evolução do marco regulatório para iniciar a construção da planta, que será na cidade de Valinhos (SP). “Existe uma urgência na regulamentação, pois muitas famílias no mundo inteiro vêm utilizando produtos sem controle de qualidade”, avalia Abreu. Segundo ele, com a tecnologia desenvolvida por meio da transferência de tecnologia na Unicamp, a Entourage tem condições de oferecer um produto farmacêutico de característica inovadora em caráter internacional.
“A gente acredita no chamado efeito entourage, no qual os vários componentes da planta, trabalhando em conjunto, são mais seguros e eficazes do que as substâncias isoladas. O nome da empresa vem daí. Com o processo desenvolvido na Unicamp pronto, nosso produto final precisa de três vezes menos cannabidiol, o que pode proporcionar menos efeitos colaterais, porém com eficácia”, avalia Abreu.
Testes em humanos
Abreu explica que atualmente o principal produto da empresa está em fase de ensaios pré-clínicos no CIEnP (Centro de Inovação e Estudos Pré-Clínicos) em Florianópolis. “Os testes clínicos devem ser iniciados em 2019”, afirma o empreendedor.