De baixo custo, extrato obtido pode ser usado como suplemento alimentar
O arroz é um dos alimentos mais tradicionais da dieta do brasileiro. Mas, antes de chegar à mesa do consumidor, o cereal passa por processos de beneficiamento para que esteja nas características esperadas. Nesses procedimentos, uma variedade de resíduos é produzida. Entre eles, o farelo de arroz é um dos mais comuns. Como se trata de uma fonte de proteína de boa qualidade, sem glúten e lactose, a busca por métodos mais eficientes de extração desse elemento vem se tornando cada vez mais comum. Foi esse o objetivo da pesquisa de Sidmara Bedin, apresentada em tese de doutorado da Faculdade de Engenharia Química (FEQ) da Unicamp. A pesquisadora utilizou três técnicas diferentes para obter a proteína do farelo.
Antes de conhecer as técnicas utilizadas, é preciso entender a escolha do farelo. O arroz é o terceiro cereal mais cultivado no mundo, atrás apenas do milho e do trigo. O Brasil, por sua vez, ocupa o posto de maior produtor do grão fora da Ásia. Com isso, o país gera, anualmente, cerca de um milhão de toneladas de farelo, que, embora possa ser utilizado na produção de ração animal, tem potencial poluidor quando descartado sem o devido cuidado.
Ademais, existe o aspecto econômico. “O farelo de arroz é barato. Uma saca de 30 quilogramas, por exemplo, custa 18 reais. A do trigo, que tem características semelhantes, custa 24 reais”, aponta Sidmara. O professor Osvaldir Pereira Taranto, que orientou o trabalho, complementa: “depois do beneficiamento, tem uma quantidade enorme de proteína que pode ser resgatada para ser aproveitada em outros alimentos. E a ideia dessa tese estava justamente nos processos possíveis para retirar essa proteína”.
As técnicas de extração
O processo mais comum para retirada da proteína do farelo de arroz é por meio da extração alcalina. Nesse método, a matéria-prima é colocada em água, tem o seu pH controlado e depois é agitada e centrifugada. Isso separa o líquido que contém as proteínas do resíduo sólido, composto principalmente por fibras. Depois, esse líquido tem o pH novamente ajustado e é centrifugado mais uma vez. Assim, a proteína se separa do líquido, que é descartado. Por fim, ela é seca e obtém-se o extrato, cuja composição tem cerca de 75% de proteína e alguns outros compostos em pequenas quantidades, como umidade, carboidratos, cinzas, lipídios e fibras.
A principal vantagem da extração alcalina reside na sua simplicidade. No entanto, ela costuma ser demorada. Durante o trabalho, a pesquisadora trabalhou com intervalos entre 30 e 60 minutos. O método também coloca em risco as características naturais do produto. “Quando a proteína é submetida por muito tempo a um pH muito alcalino, ela pode sofrer uma desnaturação excessiva, algo não desejado”, indica Sidmara.
Em busca da redução do tempo de processo e da manutenção das características da proteína, outras duas técnicas foram empregadas, nas quais são utilizadas ondas de ultrassom e micro-ondas.
Em ambos os métodos, o procedimento é similar. Primeiro, o farelo é colocado na água. Porém, em vez de ser agitado e centrifugado, são emitidas ondas ultrassônicas ou de micro-ondas. Essas ondas formam bolhas, que explodem e rompem a parede do farelo, facilitando a retirada da proteína. O ganho de tempo é notório: com no máximo 15 minutos de exposição ao ultrassom, chega-se ao mesmo resultado que levaria até uma hora na extração alcalina. Com as micro-ondas, o processo fica ainda mais rápido. São necessários entre um e dois minutos, apenas.
Essa velocidade, no entanto, não representa gastos maiores. “O mais interessante disso tudo, é que os três processos não são caros. Ou seja, são fáceis de aumentar a capacidade ou a produção para eventual uso por empresas”, explica o professor Taranto. Por fim, as extrações assistidas por ultrassom e micro-ondas, embora um pouco mais agressivas, não afetaram a qualidade da proteína e ofereceram rendimentos e teores proteicos um pouco maiores que os obtidos com a extração alcalina.
Possíveis aplicações
Diante do interesse cada vez maior por dietas isentas de glúten e lactose, é crescente também o espaço para utilização da proteína extraída do farelo de arroz na indústria alimentícia. “O número de novos produtos alimentares que aparece hoje, em qualquer supermercado, é enorme. O arroz vem crescendo muito na aplicação no mercado, justamente pelo fato de não conter glúten, presente no trigo”, exemplifica Taranto. Para o professor, o próximo passo é patentear os resultados da pesquisa ou formular um documento técnico destinado a empresas interessadas.
Sidmara explica que provavelmente a proteína do farelo de arroz teria que passar por algum tratamento adicional antes de ser incorporada a outros alimentos, mas certamente o objetivo é empregá-la para enriquecer produtos ou servir de suplemento proteico, inclusive para complementação de dietas deficientes. “É de baixo custo, de fácil acesso e não causa danos à saúde”, finaliza a pesquisadora, que contou com fomento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).