Estudo contemplado com o Prêmio Capes aponta que Brasil reduziu a pobreza monetária, mas ainda tem o desafio de fazer o mesmo com a pobreza multidimensional
Entre os anos de 2000 e 2010, a pobreza monetária sofreu importante redução em todas as regiões do Brasil, graças ao crescimento econômico com melhora na distribuição de renda. Ocorre que a pobreza multidimensional, aquela que leva em consideração outros fatores além da renda, tais como condições de moradia e educação, continua sendo um desafio a ser enfrentado pelo país, especialmente nas áreas rurais. A constatação faz parte da tese de doutorado da economista Adriana Stankiewicz Serra, no Instituto de Economia (IE) da Unicamp, sob a orientação do professor Walter Belik. A pesquisa foi contemplada com o Prêmio Capes 2018 na área de Economia.
Em seu trabalho, Adriana comparou a incidência da pobreza multidimensional entre as áreas rurais e urbanas, tendo em vista as marcantes desigualdades espaciais existentes no território brasileiro. Para isso, ela utilizou dados do censo demográfico, alcançando assim a realidade das condições de vida ao nível dos municípios. A economista desenvolveu uma proposta de modelo econométrico espacial, de modo a considerar a relação entre variações na pobreza e crescimento econômico. De acordo com a autora da tese, os resultados das análises demonstraram que as assimetrias em termos de privações entre as áreas rurais e urbanas permanecem elevadas, apesar da melhora das condições da população em todos os indicadores avaliados.
Adriana explica que ocorreram, no período considerado, avanços substanciais no acesso à eletricidade e bens de consumo duráveis nas áreas rurais, mas estas ainda registram graves carências em saneamento e educação básica, esta última relacionada principalmente a jovens e adultos. “O acesso ao ensino fundamental foi praticamente universalizado. O mesmo, porém, não acontece na faixa de 15 a 17 anos de idade. Ainda temos uma parcela importante da população analfabeta, o que é inaceitável, além de muitos jovens e adultos que cumpriram poucos anos estudos”, pontua a pesquisadora, acrescentando que a pesquisa não aborda a questão da qualidade da educação.
Ainda segundo o estudo, os dados obtidos indicam que somente uma parcela da população é simultaneamente pobre tanto na perspectiva monetária quanto na não monetária. “Daí a importância de os países, o Brasil incluído, desenvolverem índices próprios para mensurar o problema da pobreza multidimensional. O fato de a pessoa ter uma renda que a coloca fora dos padrões convencionais de pobreza não significa que ela de fato deixou esta condição, visto que ainda pode estar sofrendo importantes privações em outras áreas”, observa Adriana.
Particularmente, a economista defende que a principal prioridade do Brasil dentro do esforço de combate à pobreza deve ser o investimento em educação. “A educação é fundamental não somente para ampliar as oportunidades de inserção das pessoas no mercado de trabalho, mas também para conferir autonomia, no sentido mais amplo do termo, à vida delas”, considera Adriana. Ela esclarece que a pesquisa considerou duas dimensões de pobreza: padrão de vida e educação. A variável saúde não foi trabalhada diretamente porque o censo demográfico não traz informações sobre o tema.
A primeira dimensão levou em consideração os seguintes indicadores: canalização de água, banheiro de uso exclusivo, destino do lixo, energia elétrica, bens de consumo duráveis e densidade morador/dormitório. A segunda contemplou dois aspectos - frequência à escola e alfabetização e adequação idade-série escolar e nível de instrução. Conforme a autora da tese, a distribuição espacial da pobreza multidimensional no território brasileiro se mostrou similar à pobreza monetária, fartamente registrada pela literatura. “A maior incidência ocorre nos municípios do Norte e Nordeste”, observa.
A pesquisa apurou igualmente que a contribuição do aumento da renda domiciliar per capita para a redução da pobreza foi menor nas microrregiões rurais em comparação com as microrregiões intermediárias e urbanas. “Também foi possível constatar que o crescimento do PIB nos setores agropecuário e de serviços foi estatisticamente significativo para a redução da pobreza nas microrregiões rurais e intermediárias, embora o efeito tenha sido extremamente baixo para a análise por municípios”, aponta.
Conforme Adriana, a literatura destaca a importância das relações entre as áreas rurais e urbanas para o desenvolvimento e para a redução da pobreza. A proximidade com centros urbanos favorece o acesso dos moradores das regiões rurais a bens e serviços e amplia as oportunidades de trabalho destes. A pesquisa verificou que o setor de serviços foi o que mais contribuiu para reduzir a pobreza nas microrregiões rurais.
Em outras palavras, os dados revelam a importância da renda não agrícola para a redução da pobreza rural. “Ou seja, não é possível resolver a pobreza rural somente por meio de uma politica setorial agrícola. A agricultura é importante, sem dúvida, mas é fundamental criar alternativas em outras atividades, dado que elas têm potencial para contribuir para a redução da pobreza”, considera a autora da tese, que contou com bolsa de estudos concedida pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) para realização do doutorado sanduíche na Universidade de Leeds, na Inglaterra, sob a supervisão do Gaston Yalonetzky.