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Realidade Aumentada facilita compreensão do Manual do Proprietário

Inovação empregada na construção civil potencializa atendimento a construtores, donos de imóveis, usuários e profissionais de manutenção

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Ao se deparar com a necessidade da troca de uma simples boia de uma caixa de descarga acoplada a um vaso sanitário o usuário do imóvel pode recorrer ao Manual de Operação, Uso e Manutenção de edificações, também conhecido como Manual do Proprietário. Esse impresso, que demanda o emprego de certo esforço físico e mental para sua compreensão, é em geral ignorado e esquecido pelo usuário que o encara com enfado, mesmo com as modificações e aperfeiçoamentos que lhe são incorporados continuamente. Entretanto essa publicação, que deve ser entregue obrigatoriamente aos compradores dos imóveis pelos seus construtores, pode vir a se tornar mais interativa e assertiva para os seus destinatários – síndicos, profissionais de manutenção, usuários e proprietários de imóveis e beneficiar até as próprias construtoras – se implementada com o que se denomina Realidade Aumentada (RA).  Trata-se de uma tecnologia que possibilita a sobreposição de imagem virtual na visualização do real, com o emprego de determinados dispositivos, e que pode ser utilizada para potencializar o entendimento e a compreensão daquilo que é observado.

No caso da troca da boia da caixa acoplada, como mostra a animação, a visualização pode ser conseguida através de um tablet ou de um smartglasses – os chamados óculos inteligentes – que apoiados por aplicativos e programas permitem projetar a imagem virtual sobre o objeto real.  Mas para que essa projeção se dê no lugar correto a câmara do dispositivo utilizado – tablet ou smartglasses – precisa ser orientada para um marcador. O mesmo resultado, conforme ilustrado a seguir, também pode ser conseguido se, junto às instruções do manual, for inserido o correspondente marcador.

Tese desenvolvida pela arquiteta e professora da UFBA Lorena Moreira, junto ao Departamento de Arquitetura e Construção Civil, da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC) da Unicamp, teve como objetivo avaliar e qualificar a incorporação de recursos de RA ao Manual de Uso, Operações e Manutenção de edificações. Essa associação através da RA e do manual pode extrapolar os limites da visualização permitindo uma aproximação com o objeto construído – edificação e cada um dos seus componentes, agregando informações. Essa pesquisa contempla a área de Facility Management que abrange gestão, operação e manutenção das edificações.

A professora Regina Ruschel, orientadora do estudo, explica a tecnologia: “O ambiente é olhado e enxergado através do tablet ou do smartglasses que utilizam um dos aplicativos desenvolvidos pela Lorena. Reconhecido o marcador colado sobre o objeto real ou reproduzido no próprio manual impresso, surge sobre a imagem do objeto real a imagem virtual. Isto é a RA. Para consegui-la, a imagem que se pretende adicionar ao objeto real deve estar associada a um marcador”. Esse recurso otimiza o uso do manual pois melhora a sua compreensão por parte da maioria das pessoas que não se dispõe a ler o impresso convencional.

As pesquisadoras esclarecem que o trabalho foi desenvolvido levando em conta os melhores manuais obtidos através de construtoras que se dispuseram a fornecê-los. Atendendo as normas estabelecidas pela ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas, esses manuais disponíveis na forma impressa, devem contemplar todas as informações necessárias para as atividades de manutenibilidade e uso da edificação. Constituem suas finalidades: orientar os usuários da edificação sobre suas características técnicas; recomendar procedimentos de manutenção; precaver o surgimento de falhas e acidentes decorrentes do mau uso; e contribuir para a longevidade da edificação.

Foto: Perri
A professora Lorena Moreira, autora da tese: extrapolando os limites da visualização

As imagens virtuais utilizadas no estudo de caso – a caixa de água acoplada – foram construídas através de modelagem computacional 3D, animadas, com texturas e outros materiais, e depois submetidas a programas necessários inclusive à criação da interface dos aplicativos. Lorena explica que embora existam várias outras formas de associar o virtual ao real, a que utiliza o marcador foi adotada por ser a mais usual e de implementação mais simples.

Parte do trabalho foi acompanhada por uma das maiores autoridades em nível internacional da área de RA, o professor Amir Behzadan, quando a pesquisadora esteve cumprindo parte do doutorado sanduiche na Missouri State University – Springfield, EUA. O que mais impressionou esse pesquisador estrangeiro, que também participou da banca de defesa, foi o fato do trabalho atender às necessidades do cidadão leigo.

Lorena participou do Construction Research Congress - CRC 2018, evento internacional realizado em New Orleans (EUA) em abril de 2018 e o artigo apresentado encontra-se disponível on-line no repositório da American Society of Civil Engineers (https://doi.org/10.1061/9780784481264.045). Além disto, a pesquisa venceu o Prêmio ABRAFAC – Associação Brasileira de Facilities – Melhores do Ano 2018 na categoria Inovação Acadêmica, entregue em cerimônia realizada em junho em São Paulo.


O que foi testado

Constituíram os principais objetivos da pesquisa: 1) identificar a satisfação dos usuários em relação ao Manual do Proprietário tradicional; 2) classificar os manuais coletados em nível nacional; 3) caracterizar os recursos de RA quanto à aplicabilidade nesses manuais; 4) desenvolver propostas de incorporação de RA nos manuais; 5) comparar diferentes formatos de visualização da RA (tablet e smartglasses) quanto ao desempenho do usuário; e 6) identificar a solução de maior aceitação e aplicabilidade na manutenção e operação da unidade habitacional.

Como já foi referido, durante o estudo foram testadas duas formas para aprimorar o Manual do Proprietário. Incluir no próprio manual o marcador adequado de modo a enxergar a RA sobre o próprio manual em escala reduzida e ter simultaneamente acesso ao seu texto, acompanhando a animação no tablet e através do smartglasses.  A outra forma foi, abolindo o manual, pulverizar os marcadores no próprio ambiente em tudo que requer manutenção e realizar a visualização pelos mesmos dois dispositivos. O experimento foi realizado também utilizando apenas o Manual do Proprietário tradicionalmente impresso.

Foto: Perri
A professora Regina Ruschel, orientadora do estudo: realidade virtual será cada vez mais difundida

Os cinco experimentos foram realizados com cem voluntários (usuários e proprietários de habitações) em um universo constituído por alunos, funcionários e professores da Unicamp e por frequentadores da loja de materiais de construção Leroy Merlin, em Campinas. Em relação à troca da boia, cada pessoa foi submetida a apenas uma das cinco seguintes situações: utilização do manual convencionalmente impresso; utilização do manual com o marcador incluído no impresso com a RA visualizada no tablet ou através do smartglasses; utilização do marcador colocado no ambiente, no caso a caixa acoplada, com a visualização através do tablet ou dos óculos inteligentes.

Reprodução
Fase de avaliação: voluntários realizando os experimentos

Para a qualificação da incorporação da RA por meio desses experimentos, a pesquisadora utilizou o método de mensuração NASA TLX, que se baseia na declaração da carga de trabalho pelo usuário em cada uma das situações testadas. A determinação da carga de trabalho é feita com base nas demandas: mental, física, temporal, performance, esforço mental e físico, e nível de frustração. A carga de trabalho fundamentalmente revela a percepção de esforço da pessoa e permite constatar em qual situação ela se sente mais confortável ao realizar uma determinada tarefa. Trata-se de um método utilizado em geral para testar produtos novos.

 

Resultados

Quanto aos resultados, a professora Regina achava previamente que tudo podia acontecer, pois, em face da não familiaridade com o uso de tablet e de óculos nessas situações, os pesquisados poderiam manifestar mais conforto com a utilização apenas do impresso.

Reprodução
Diagrama referente à carga de trabalho de cada situação analisada

De acordo com os resultados expressos no diagrama, os usuários mostraram-se mais confortáveis quando utilizaram o Manual do Proprietário em que fora incluído o marcador e com a RA visualizada através do tablet. Já o manual associado ao elemento físico provido de marcador ficou em segundo lugar, embora as duas pontuações se revelassem muito próximas. Para a professora Regina essa constatação é promissora porque aponta na direção da possibilidade futura de distribuir o Manual do Proprietário pelo ambiente quando os óculos de RA, como previsto por especialistas, estiverem tão disseminados quanto os tablets. O último lugar ocupado pelo manual impresso comprova sua progressiva obsolescência.

A propósito destas constatações, a docente não esconde seu entusiasmo: “Se a construção civil me perguntar como melhorar o Manual do Proprietário com o emprego da RA, vou sugerir que mantenham o manual impresso, mas acrescido do marcador referente a cada item da manutenção, porque essa é a situação que apresenta melhor desempenho no momento, face à familiaridade que o usuário tem com o tablet. Quando os óculos de RA estiverem tão disseminados quanto ele, aí sim, a melhor solução será pulverizar o manual no ambiente”. Mesmo porque, acrescenta Lorena, pesquisas mostram que as novas gerações vão se apropriar cada vez mais da realidade virtual e aumentada e quando isso acontecer os smartglasses estarão mais difundidos.

A RA pulverizada no ambiente, segundo as pesquisadoras, abre caminho para emprego de aplicativos desenvolvidos para os smartglasses que permitirão visualizar em cada componente do imóvel as condições que devem ser observadas para a sua garantia, especificações técnicas, formas de uso e reparo, o consumo de energia, permitindo fazê-lo sempre com as mãos livres, o que facilita a realização de tarefas.

Regina considera que o trabalho é de grande fôlego, como atestam os resultados alcançados e delineados na tese, e está pronto para ser usufruído pela construção civil, bastando para tanto que construtoras ou incorporadoras comprem a ideia. A propósito diz Lorena: “Estudamos a possibilidade de a solução ser implementada em todos os itens que normalmente constam dos manuais dos proprietários e constatamos que a nossa proposta é perfeitamente incorporável em 90% dos itens. Depende apenas de incorporadoras e construtoras fazerem chegar à sociedade os benefícios advindos de um trabalho acadêmico. E sempre estamos dispostas a cooperar para isso”.

 

 

Imagem de capa JU-online
Lorena Moreira, autora da pesquisa | Foto: Antoninho Perri

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